- Valor Econômico
• Operações compromissadas vão continuar existindo
O Banco Central (BC) vai criar um novo instrumento de política monetária: o "depósito voluntário". Hoje, o BC controla a quantidade de dinheiro em circulação por meio das chamadas "operações compromissadas" - o Tesouro Nacional emite títulos públicos que vão para a carteira do BC, com compromisso de recompra. Com esses papéis, a autoridade monetária esteriliza os efeitos inflacionários da entrada de moeda estrangeira no país: compra as divisas em troca dos títulos do Tesouro, enxugando a liquidez da economia. Desta forma, regula o custo do dinheiro, isto é, a taxa básica de juros (Selic).
O uso das operações compromissadas elevou de forma significativa a dívida bruta do Governo Geral, que compreende o governo federal, o INSS, os Estados e os municípios. Neste momento, o estoque de compromissadas está em R$ 1,047 trilhão, o equivalente a 16,6% do Produto Interno Bruto (PIB).
O presidente do BC, Ilan Goldfajn, informou ao Valor que a remuneração dos "depósitos voluntários" será idêntica à das operações compromissadas. "Nos Estados Unidos e em parte das economias avançadas, o principal instrumento de política monetária é este: quando um banco tem liquidez, faz um depósito voluntário no BC e o dinheiro é remunerado", revelou.
A medida chegou a ser discutida no início do ano passado, ainda no governo Dilma Rousseff. A proposta foi feita inicialmente pelo economista-chefe do banco Safra, Carlos Kawall, que comandou o Tesouro em 2006. Kawall fez um estudo sobre os balanços de bancos centrais desde 2000. Além da necessidade de esterilização tradicional decorrente da compra de reservas cambiais, os BCs foram obrigados, depois da crise global de 2008, a esterilizar os fluxos de recursos gerados pelas políticas de afrouxamento monetário adotadas pelos Estados Unidos, a União Europeia, a Inglaterra e o Japão.
A criação dos "depósitos voluntários" ou remunerados foi uma importante inovação promovida pelos bancos centrais no pós-crise. No Brasil, o BC lançou mão das operações compromissadas, um instrumento criticado por economistas pelo fato de aumentar sobremaneira a dívida pública e, portanto, a necessidade de geração de superávits primários nas contas públicas para fazer frente ao pagamento de juros dessa dívida.
Em tese, com a substituição das operações compromissadas pelos "depósitos voluntários" das instituições financeiras no Banco Central, a dívida pública bruta poderia encolher, no limite, até 16,6 pontos percentuais do PIB, caindo dos atuais 69,5% para 52,9% do PIB. O presidente do BC esclareceu, entretanto, que o objetivo do governo não é reduzir artificialmente o tamanho da dívida bruta, cujo crescimento veloz nos últimos anos tornou o Brasil vulnerável aos olhos dos investidores, o que levou as agências de classificação de risco a retirarem do país o selo de bom pagador (grau de investimento, na linguagem do mercado).
As operações compromissadas, informou Ilan, continuarão a existir, mas serão usadas com menor intensidade. O presidente do BC não vê as compromissadas como um mal em si; elas decorrem de problemas estruturais das contas públicas e da economia brasileira. "As compromissadas vão terminar quando nosso risco diminuir, quando as pessoas quiserem alongar mais o prazo de vencimento de seus investimentos, quando tiverem menos necessidade de liquidez", observou. "Considero as compromissadas um sintoma do nosso desajuste estrutural e não a causa dos problemas."
O governo anterior não levou adiante a proposta porque naquele momento, quando predominava um elevado grau de desconfiança quanto à credibilidade da equipe e da política econômicas, o mercado receberia a mudança como uma tentativa de se reduzir artificialmente o tamanho da dívida bruta. "[Instituir os depósitos voluntários] é algo que agora dá para fazer de forma relativamente rápida. E não vamos fazer nos montantes das compromissadas", informou Ilan.
A criação do novo instrumento de política monetária é um dos quatro pilares das medidas microeconômicas que o Banco Central pretende adotar para melhorar a eficiência do sistema financeiro e da economia como um todo, com o objetivo de reduzir os spreads bancários e melhorar o ambiente de negócios e, assim, atrair investimentos ao país. A iniciativa faz parte do capítulo que trata do aperfeiçoamento da relação entre BC e Tesouro. "Basicamente, [a ideia é] não ter tanto fluxo de um lado para o outro, reservas no BC, o Banco Central se sustentar com mais reserva, só transferir [ao Tesouro] quando baixar de um certo nível", disse Ilan.
Os outros pilares da agenda que o BC vem trabalhando são: "cidadania e educação financeira", uma agenda do G-20 - "talvez, o tema entre na TV, nas novelas", disse o presidente do BC -; ações para diminuir os spreads bancários - redução dos recolhimentos compulsórios; medidas para estimular a competição no setor bancário, com alívio das exigências burocráticas para os bancos pequenos e médios; mudanças nas regras que regem os cartões de crédito; diminuição do crédito direcionado (ou subsidiado), como o do BNDES -; e medidas para aumentar a eficiência do sistema, como estímulos à inovação tecnológica e eliminação de normas bancárias anacrônicas.
"O crédito direcionado, como escreveu o Marcos Lisboa [presidente do Insper], é a nossa meia-entrada. Todo mundo reclama do preço da inteira, mas esquece que a inteira é cara por causa da existência da meia", comparou o presidente do BC.
Projeção de inflação, expectativas e riscos: o caminho dos juros
A comunicação é peça fundamental para entender para onde vai a política de juros do BC. Este, revelou Ilan Goldfajn, olha para três coisas: a sua projeção de inflação; as projeções do mercado (as expectativas) e os riscos adiante - "olhamos alguns riscos para um lado e para o outro; tentamos priorizar três de cada lado". "É para as pessoas saberem o que importa para o BC e elas próprias poderem dizer: 'isso aqui pode mudar, isso pode não mudar, isso aqui vai levar mais tempo, isso aqui menos tempo'. Tudo depende dos dados da inflação", explicou o presidente do BC. "Na última reunião, incluímos o cenário internacional, de onde vem o maior risco neste momento, e diminuímos o peso da inércia sobre a inflação."
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