Com
pressões de todos os lados, o presidente da República, Jair Bolsonaro, fez uma
fuga para a frente que pode colocá-lo mais perto do abismo em direção ao qual
tem caminhado. A troca improvisada de seis ministros respondeu a uma conjuntura
muito adversa ao presidente, ao qual ele reagiu demitindo o ministro da Defesa
para obter a troca do comando das Forças Armadas - que conseguiu. Os motivos
para isso tornam muito prováveis novos choques de Bolsonaro com as instituições
da República.
O presidente esperava uma vida mais tranquila ao alinhar-se ao Centrão para evitar um impeachment, mas em poucos dias teve de ouvir uma ameaça nada velada sobre isso do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que ajudou a eleger. Dois de seus ministros, o general Eduardo Pazuello, um cumpridor de ordens, e Ernesto Araujo, um ideólogo do bolsonarismo, foram postos para fora do governo por pressão do Congresso. Araujo foi duramente criticado em audiência com senadores, que pediram que ele fizesse o que acabou fazendo: interromper a destruição do Itamaraty e ir para casa. O caso de Pazuello é mais grave porque envolve vidas perdidas na pandemia, porém tem um álibi verdadeiro: estava apenas cumprindo as ordens do presidente da República.
Em
poucas semanas, a base parlamentar de Bolsonaro obrigou-o a alinhar-se com
algumas das boas práticas de combate à covid-19 (o que faz a contragosto e nem
sempre), a aceitar uma comissão de coordenação contra a pandemia que deveria
ter criado desde o início, e a livrar-se de um chanceler de sua predileção e da
família.
Arthur
Lira é hiperativo, como Eduardo Cunha, e aprendeu algo com ele. Cunha comandou
a rebelião dos deputados contra Dilma Rousseff, que perdeu popularidade e o
cargo. Dilma resistiu e tinha apoio partidário firme, mas insuficiente.
Bolsonaro, que não tem partidos atrás de si, depende só de barganhas com o
Centrão, cujo preço, ficou logo claro, é bastante alto, e cuja fidelidade pode
ser transitória. Ainda assim, antes de engolir o despejo de dois ministros, viu
manobras na votação do orçamento que podem levá-lo a ser acusado de crime de
responsabilidade. Esses são feitos dos aliados, não da oposição.
Para
os líderes do Centrão, interessam governos com um mínimo de funcionalidade para
que siga o “business as usual”. A votação da peça orçamentária mostrou a
predileção conhecida dos partidos do Centrão: investimentos públicos, obras,
intermediação. De um só golpe sumiram despesas obrigatórias, apareceram
investimentos e quase R$ 50 bilhões em emendas parlamentares. O chamado à
sensatez dos líderes do Congresso dirigido a Bolsonaro, que espalha o caos e a
divisão, não prescindiram de ameaças e avanços sobre fatias do poder.
Nas
mudanças ministeriais de ontem, o Centrão pulou para dentro do Palácio do
Planalto, com a indicação da deputada de primeira viagem Flávia Arruda (PL-DF)
diretamente para a Secretaria de Governo, encarregada da negociação política
com o Congresso. É bizarro o governo terceirizar de vez a articulação política,
mas essa é uma tarefa que Bolsonaro sempre desprezou.
O
presidente está sendo emparedado por seus aliados, que sabem de sua fraqueza
política e de sua inoperância em uma conjuntura infernal. Amuado, Bolsonaro
moveu peças que não lhe dão maior poder político do que possuía antes, com
exceção de uma - o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva. Os motivos da
demissão não foram mencionados, mas sabe-se de alguns. O presidente não
simpatiza com o institucionalismo defendido pelo comandante do Exército, Edson
Pujol, e não gostou de uma entrevista de um general que mostrou que a caserna
leva a pandemia a sério e faz tudo que os protocolos médicos recomendam.
Desde que tomou posse até hoje, Bolsonaro ameaçou o Brasil com a intervenção militar, sob olhares complacentes do ministro da Defesa, que chegou a acompanhar o presidente em helicóptero que sobrevoou manifestações contra o Congresso e o STF. Por fim demitiu-o. Azevedo, em nota, disse que preservou “as Forças Armadas como instituições de Estado”. Sua demissão e a substituição da cúpula militar indicam que o presidente quer torná-las cúmplices diretas de um governo que erra sistematicamente em quase todas as frentes e até mesmo de futuros ataques à democracia. Se isto ocorrer, o Centrão pode se tornar descartável e o jogo político, com uma base militar de apoio, muito pior.
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