Chegamos ao nefasto 31 de março em que o golpe militar que ceifou a democracia e nos jogou numa longa noite de 21 anos completa 57. Assistimos à data arriados diante do número de 3.780 brasileiros mortos em 24 horas e diante de uma crise sem precedentes desde o próprio golpe envolvendo as Forças Armadas. O Brasil não tem nada, absolutamente nada, a celebrar nesta quarta-feira.
Ainda
assim, não é descartado que Jair Bolsonaro, algum filho, algum ministro, algum
deputado ou algum terraplanista que habita o submundo da sua rede de apoiadores
da internet decida cuspir na cara de um país enlutado e traumatizado alguma
fanfarronice bravateira sobre o golpe de 1964.
Por
que seria impossível? Afinal, Bolsonaro ordenou aos quartéis já em 2019 que
celebrassem a data. No ano passado, o agora demitido general Fernando Azevedo e
Silva assinou uma nota em que dizia que o regime que matou e torturou milhares
de pessoas, cassou mandatos, empastelou jornais e sustou eleições teria sido
responsável por assegurar a democracia no país!
O “clima festivo” conta ainda com uma mãozinha da Justiça: quase um ano depois do 31 de março de 2020, em que essa nota do ex-ministro foi lida, o TRF da 5ª Região achou por bem acolher um recurso da Advocacia-Geral da União e dizer que tudo bem celebrar.
Mas
quais são as Forças Armadas que chegam ao 31 de março? São uma instituição
cindida, envenenada pelo bolsonarismo, para o qual ofereceu carona de forma
ingênua ou cúmplice. Ou ambas.
Não
é dado aos militares, logo a eles, o direito de dizer que não sabiam com quem
estavam lidando quando apoiaram Bolsonaro, inclusive com lances de conotação
golpista como o tuíte do general Eduardo Villas Bôas ameaçando o Supremo
Tribunal Federal em abril de 2018, quando do julgamento do habeas corpus que
decidiria se Lula ficaria solto ou preso.
Bolsonaro
saiu do Exército pela porta dos fundos, justamente por desafiar a hierarquia e
insuflar a base contra os comandantes. Se fez isso quando era um jovem capitão
e durante a ditadura, por que não faria quando é o presidente eleito
democraticamente?
Um
general que já sentiu na pele o ferrão do presidente me disse ontem que
Bolsonaro não dará um golpe porque — atenção — “ainda não tem força para
incendiar os quartéis”. Ainda! Qual a gravidade de uma avaliação dessas vinda
de um general do Exército?
Ela
embute a constatação de algo que venho falando e escrevendo desde fevereiro de
2020, quando cunhei o termo “bolsochavismo”: o fato de o bolsonarismo alimentar
nas bases das polícias militares e das Forças um fanatismo de apoio ao
presidente, inclusive para “medidas extremas”, que passem por cima dos
comandos.
A
forma humilhante com que o presidente se livrou simultaneamente dos três
comandantes das Forças logo depois de despachar Azevedo e Silva deveria ser
sinal de alerta para as tropas do que pode acontecer. Mas pode também ser um
recado de que está liberada uma sublevação, com endosso do presidente ou de
seus apoiadores radicalizados.
São
gravíssimas, ainda que não se concretizem, as ameaças (já explícitas, e
reiteradas) de uso de instrumentos como decretação de estado de sítio e estado
de defesa.
O
mesmo general que me disse que “ainda” não haverá fogo nos quartéis terminou
assim seu raciocínio: “Mas ele vai esticar a corda ainda mais. É do escorpião”.
Todos
conhecemos a fábula do escorpião que usa o sapo para atravessar o rio e, ao
desembarcar em segurança, ferroa o motorista. Os militares, Paulo Guedes,
Sergio Moro, todos toparam de bom grado oferecer carona ao escorpião Bolsonaro,
com a lenga-lenga de que ele seria um democrata, um liberal.
Cada um já levou sua ferroada, umas letais, outras que estão purgando. Quantas vezes mais oferecerão a pele a outra investida?
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