Valor Econômico
Em 22, empresariado poderia propor em vez
de pedir
Não demorou muito. Poucos dias após o
governo ter enviado ao Congresso a segunda etapa do que chama de Reforma
Tributária, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, circundado pessoal e
virtualmente por representantes de 25 entidades representativas de diversas
entidades empresariais, condenou: “O momento é inoportuno; deveríamos discutir
o corte e a redução de gastos, de desperdícios. Por isso, a prioridade deve ser
a Reforma Administrativa”.
Em 30 de setembro, a Câmara Americana de
Comércio (Amcham) lançou manifesto clamando por um “sistema tributário mais
eficiente e justo”. Na defesa de uma reforma ampla, lista princípios deveriam
ser perseguidos: neutralidade, transparência, equidade e simplicidade. Até aí
tudo bem, pois são objetivos consagrados pela teoria clássica de tributação.
Não por acaso, o documento da Amcham deixou de mencionar um quinto elemento: a progressividade, segundo a qual os impostos devem ser calibrados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte, tal qual previsto no art. 145, parágrafo primeiro, da Constituição.
A revolta das lideranças da Fiesp e da
Amcham contra a proposta do Ministério da Economia tem nome e sobrenome:
tributação dos dividendos e extinção dos juros sobre capital próprio. Diante da
perspectiva de ter seus ganhos tributados pelo Leão, tal qual ocorre na maioria
dos países, o empresariado brasileiro se mobilizou para impedir a aprovação do
PL nº 2.337/2021 no Senado Federal - e para isso chegaram até mesmo a
ressuscitar a PEC nº 110/2019, que unifica os tributos sobre o consumo, mas não
mexe na forma de cobrança do IR.
Extinguir o emaranhado de regras presentes
no IPI, PIS/Cofins, ICMS e ISS em nome de um único Imposto sobre Bens e
Serviços (IBS) traria neutralidade, transparência, equidade e simplicidade, tal
qual defendem as mais de 4.000 companhias brasileiras e multinacionais
representadas pela Amcham Brasil. Mas isso teria uma consequência: a maioria
das empresas brasileiras passaria a pagar uma mesma alíquota sobre o valor
adicionado na cadeia produtiva. Aí foi a vez do setor de serviços dar o grito.
Mesmo com a perspectiva de o IBS
simplificar enormemente as transações econômicas no Brasil, os empresários do
comércio e serviços em geral alegaram que a sua adoção aumentaria a carga
tributária - e pressionaram Bolsonaro, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco a engavetarem
o projeto.
Com cada confederação empresarial olhando
para o próprio umbigo, a chance de se aprovar uma reforma tributária digna dos
imensos problemas nacionais se reduz a cada governo. Em seu lugar, proliferam
propostas na linha do “farinha pouca, meu pirão primeiro”, como a renovação por
mais quinze anos de benefícios do ICMS concedidos na farra da guerra fiscal ou
a extensão, até 2026, dos privilégios da desoneração da folha de pagamentos,
para ficar em só dois assuntos atualmente discutidos no Congresso.
Essa lógica vai além da temática
tributária. Na semana passada a Confederação Nacional da Indústria (CNI)
publicou um estudo sobre a “Reorganização das Cadeias Globais de Valor”, e nas
suas conclusões clama por novas ações governamentais de promoção comercial,
estímulo à inovação e financiamento às exportações, além de políticas
industriais que ataquem o famigerado custo Brasil. Certamente para não
desagradar parte de suas associadas, não há menção à necessidade de se promover
maior abertura comercial, que poderia garantir acesso a tecnologias a preços
muito mais baixos, facilitando a inserção internacional das empresas
brasileiras.
Durante décadas as lideranças empresariais
acostumaram-se a pressionar o governo, o Congresso e o Judiciário em busca de
compensações para nossos crônicos problemas estruturais: carga tributária
complexa e elevada, infraestrutura deficiente, regulação sufocante, falta de
segurança jurídica.
Acontece que, a cada regime tributário
especial, a cada política industrial de estímulo, a cada ex-tarifário ou
crédito subsidiado, alivia-se a pressão sobre um setor, mas se agrava o caos
fiscal, tributário, comercial ou regulatório de todos.
Há pouco mais de 60 anos, John Kennedy
elegeu-se presidente dos EUA derrotando Richard Nixon pela margem mais estreita
de votos até hoje registrada: 112.827 votos (ou 0,17% do total). Diante de um
país dividido e vivendo a ameaça externa dos soviéticos no auge da Guerra Fria,
Kennedy chamou os americanos à ação no seu discurso de posse, celebrizado na
frase: “Não pergunte o que os Estados Unidos podem fazer por você, mas o que
você pode fazer pelos Estados Unidos”.
Daqui a um ano teremos eleições e cada
setor econômico já se organiza para receber os presidenciáveis em reuniões e
jantares para apresentar as queixas de sempre.
Poderíamos fazer diferente em 2022. Em vez
de questionar o que os candidatos poderiam fazer para suas empresas, nossa
elite econômica deveria oferecer soluções para os problemas que elas tanto
reclamam.
Confederações e federações da indústria, da
agricultura, do comércio, dos bancos e tantas outras poderiam, em vez de
esperar uma reforma tributária perfeita vinda de cima para baixo,
comprometerem-se a criar um Imposto sobre Valor Adicionado com alíquota
uniforme daqui a oito, dez anos, com um cronograma de implementação gradual por
setores.
Ou, em vez de defenderem a geração de
superávits fiscais para estabilizar a dívida e a taxa de câmbio, deveriam
apresentar um plano de desmame dos diversos benefícios tributários que sugam em
torno de 4% do PIB a cada ano. Outra alternativa: já que o ESG está na moda,
assumirem limites setoriais de emissões para fomentar o mercado de créditos de
carbono.
Passada a moda de cobrarmos renovação na
política, é hora de exigirmos a modernização de nossas lideranças empresariais.
*Bruno Carazza é mestre em
economia e doutor em direito, é autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as
engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
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