Falou e Disse
Não é só pobreza menstrual, é sobretudo
pobreza de espírito, pobreza na condução das políticas públicas.
Nunca se falou tanto em menstruação como na
semana que passou. Um assunto ainda hoje considerado tabu e que agora veio à
tona com um conceito criado, mas nem muito discutido na sociedade, que é a
pobreza menstrual.
Tudo isso porque o presidente da República,
na sua grande insensibilidade ante todas as políticas públicas que possam
contribuir para melhorar a vida da população pobre, vetou trechos da Lei
14.214/2021, que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde
Menstrual. O veto atingiu os principais pontos da proposta, como a previsão de
distribuição gratuita de absorventes higiênicos a estudantes do ensino básico e
mulheres em situação de vulnerabilidade e presidiárias.
Não é de se estranhar o veto, se
considerarmos as manifestações públicas expressas pelo presidente contra as
mulheres, durante sua trajetória política.
Ao longo da história da humanidade, muitas
concepções, entendimentos e tabus foram criados sobre a menstruação, que nada
mais é do que o final do ciclo reprodutivo da mulher. O sangue jorra quando o
útero se prepara durante todo o mês para abrigar um embrião e, não sendo
fecundado, é descartado e chamado de menstruação, também conhecida como regra.
As mulheres passam por esse processo da adolescência até chegar à menopausa. A menstruação tem a duração de três a sete dias, e esse processo pode trazer para as mulheres alguns transtornos orgânicos, causando incômodos como dores, hemorragias, etc.
Os homens geralmente não tomam conhecimento
sobre essa questão, que está diretamente relacionada à saúde sexual e
reprodutiva de mais da metade da população brasileira composta de mulheres e à
sexualidade humana.
“A saúde sexual e reprodutiva é um direito
humano, assim reconhecido pelo Brasil. É responsabilidade do Governo Federal
tanto a atuação direta quanto prestar auxílio para estados e municípios a
garantir este direito para todas as brasileiras”. (SUS)
Durante muito tempo, em algumas culturas e
épocas, mulheres menstruadas eram consideradas impuras, bruxas e até queimadas
em fogueiras, toda essa situação associada à sexualidade como uma coisa suja.
Mas, segundo historiadores, houve tempo na Grécia Antiga e em algumas culturas
indígenas que a menstruação era cultuada como o símbolo da fertilidade e até
era festejada em tempos de colheitas dos produtos da terra.
Os médicos e cientistas se perguntavam
sobre o motivo e a função da menstruação desde os anos 400 a 300 a.C.
“Com a Renascença foi possível a
retomada das iniciativas da ciência, e foi possível, pela primeira vez,
conhecer a anatomia e fisiologia da mulher por meio de estudos que permitiram
afastar conceitos absurdos e fantasiosos sobre o útero feminino e sobre a
circulação do sangue.
Somente no final do século XIX e
principalmente no século XX, a partir da descoberta dos hormônios, se tornou
possível compreender de fato o que era a menstruação, um fenômeno inteiramente
governado pela atividade endócrina do ovário, cuja repetição mensal resulta
exclusivamente de uma falha reprodutiva”. (Fabiana Carvalho e Atos Prinz
Falkenbach, in O histórico da menstruação e sua relação com a saúde da mulher)
No Brasil, essa questão de certo modo ainda
é nebulosa para a sociedade.
Apesar de termos avançado com relação às
políticas de saúde da mulher, a partir do SUS e do movimento organizado de
mulheres, ainda vivemos situações em que adolescentes não são orientadas quanto
à sua saúde reprodutiva. E muitas mulheres ainda se sentem envergonhadas ao
chegar à farmácia e supermercados para adquirir o absorvente a ser usado quando
estão menstruadas.
No Egito Antigo elas usavam papiros como
absorventes. Na Roma Antiga, chumaços de algodão serviam como tampões internos.
As toalhinhas higiênicas foram a opção favorita desde a Idade Média até 1918.
Demorou centenas de anos para descobrirem uma forma eficiente de conviver com o
sangramento, quando enfermeiras francesas da Primeira Guerra Mundial
descobriram que bandagens de algodão eram ótimas para estancá-lo. Em 1930 foram
criados os absorventes internos descartáveis produzidos industrialmente.
No Brasil, conhecemos vários tipos de
artifícios que as mulheres pobres se utilizam para deter o sangue que
necessariamente deve ser expulso do corpo pela vagina.
O problema para uma parte significativa de
mulheres que estão vivendo em condição de pobreza, e em condições outras de
vulnerabilidade social, é que a renda familiar não permite comprar absorventes
todos os meses.
No Brasil, a pobreza menstrual apresenta
uma grande conta para a população e para o país, com a contribuição para o
baixo rendimento escolar, com baixo rendimento das mulheres em seus afazeres,
sem falar da autoestima e da questão dos direitos garantidos.
Segundo a Folha de S.
Paulo (8/10/2021), pesquisa divulgada em maio deste ano revelou que 28% de
mulheres faltaram a aulas por não poderem comprar um absorvente. Destas, 48%
esconderam esse motivo; e 45% foram prejudicadas em seu desempenho escolar. O
Unicef informou que 713 mil meninas brasileiras não têm acesso a banheiro ou
chuveiro em suas casas.
No Brasil, 29% das mulheres já ficaram sem
dinheiro para comprar itens de higiene menstrual, uma em cada quatro
adolescentes não possui um absorvente durante seu período menstrual. É o que
mostram pesquisas coordenadas pela antropóloga Mirian Goldenberg e o
relatório Livre para
Menstruar, elaborado pelo movimento Girl Up, que busca o acesso
gratuito a itens de higiene e condições básicas de saneamento para as mulheres.
Bom seria mesmo que não tivéssemos 14
milhões de desempregados e os que têm emprego recebessem um salário mínimo que
atendesse às necessidades para a dignidade humana.
Para necessidades básicas é claro que o
Estado Brasileiro deverá prover recursos através das políticas básicas, já que
não temos no país um programa de renda mínima na forma da lei para os que vivem
em condição de pobreza.
O apoio solicitado para as mulheres pode
ser feito através do SUS, entre as ações do Programa Saúde Sexual e Saúde
Reprodutiva.
No entanto, não se trata de falta de
recursos. O programa beneficiaria cerca de 6 milhões de mulheres e a estimativa
de impacto fiscal é de R$ 84,5 milhões por ano.
Objetivo do governo é desconstruir as
políticas sociais já implantadas durante anos, a muito custo, e impedir que a
população pobre exerça seus direitos de cidadania.
Com essa discussão através da mídia podemos
observar que a pobreza menstrual não consiste somente na ausência de poder
aquisitivo para a aquisição de itens de higiene íntima, mas representa também
a falta de informação e a forma como o tema ainda é visto pela sociedade.
Sobretudo, chama à atenção da sociedade
para as implicações socioeconômicas causadas pela situação de subordinação da
mulher em pleno século XXI.
Não é só pobreza menstrual, é sobretudo
pobreza de espírito, pobreza na condução das políticas públicas.
É a pobreza estrutural que ainda afetará o
país por muitos anos.
*Mirtes Cordeiro é pedagoga.
Nenhum comentário:
Postar um comentário