EDITORIAIS
Afrouxando limites
Folha de S. Paulo
Congresso corrige defeitos da Lei de
Improbidade, mas reduz risco para políticos
Prestes a completar três décadas de
vigência, a Lei de Improbidade Administrativa ampliou sobremaneira os poderes
outorgados ao Ministério Público pela Constituição de 1988 para deter políticos
desonestos e maus administradores.
Ela abriu caminho para processar na área
cível os que praticassem desvios e criou um instrumento potente para
responsabilizar os que escapassem da esfera penal, punindo-os com perda de
cargo e direitos políticos e obrigando-os a pagar pelos danos ao erário.
Na quinta (7), após mais de três anos de
discussão, o Congresso concluiu a
votação de um projeto que modifica vários dispositivos da
legislação e submeteu o resultado ao presidente Jair Bolsonaro, para que sancione
ou vete a nova lei.
A principal mudança introduzida pelo projeto restringe as punições por improbidade aos casos em que ficar comprovado dolo, ou seja, a intenção de lesar os cofres públicos. Ficam livres de sanções erros dos gestores, ou mesmo demonstrações de negligência.
A ideia é assegurar que o rigor da
legislação seja aplicado somente a casos graves de corrupção e enriquecimento
ilícito, evitando que ações fundamentadas em princípios genéricos acabem
paralisando a administração pública.
O projeto também estabelece prazos para que
as investigações de casos de improbidade sejam concluídas celeremente, em até
dois anos, e para evitar que as ações se arrastem na Justiça sem um desfecho,
como é comum atualmente.
Embora correções sejam bem-vindas, algumas
mudanças poderão ter efeitos indesejáveis, inclusive levando ao arquivamento de
casos antigos que ainda estão em andamento e livrando acusados.
A proposta só permite afastar do cargo o
condenado que estiver ocupando o mesmo posto que detinha quando cometeu o ato
pelo qual foi processado —um alívio para o presidente da Câmara dos Deputados,
Arthur Lira (PP-AL), réu em duas ações da época em que era deputado estadual.
Se o texto aprovado pelo Legislativo
prevalecer, o emprego de parentes no serviço público só poderá ser punido como
ato de improbidade quando for demonstrado que o administrador teve o objetivo
de obter vantagem ilícita.
O nepotismo, que foi declarado inconstitucional
pelo Supremo Tribunal Federal há mais de uma década, continua proibido por lei
e sujeito a sanções na esfera administrativa, inclusive a anulação das
nomeações irregulares.
Ainda assim, o afrouxamento dos limites
impostos a essa prática tende a estimular a complacência com um costume que por
muito tempo corroeu a administração pública no país. Ainda há tempo para evitar
que isso ocorra.
Petróleo sob dúvida
Folha de S. Paulo
Apesar de fiasco em leilão, é prematuro
dizer que caiu interesse na exploração
O resultado do 17º leilão de novas áreas
para exploração de petróleo e gás foi o pior de todos os certames desse tipo,
realizados desde 1999. O número de empresas inscritas —nove, das quais apenas
duas apresentaram propostas— foi o menor da história, o que suscita dúvidas
sobre a atratividade de novos investimentos.
Foram
concedidas apenas 5 das 92 áreas ofertadas, com arrecadação de
R$ 37,1 milhões em bônus de assinatura e previsão de R$ 136,3 milhões em
investimentos. As áreas arrematadas estão na bacia de Santos e não houve
interessados pelos blocos em áreas de proteção ambiental (Fernando de Noronha e
Atol das Rocas), cuja concessão era alvo de protestos.
O fracasso do leilão pode indicar menor
disposição a empreendimentos no setor, mas também parece derivar de uma
conjunção de fatores específicos que ora reduziram o interesse das empresas.
O primeiro é a característica das áreas
ofertadas, de maior risco exploratório. À diferença dos leilões no pré-sal, em
que as empresas adquirem áreas pesquisadas e até em produção, nesse caso o
potencial ainda precisa ser mapeado.
Outro fator é a maior distância da costa.
Pela primeira vez foram oferecidos blocos localizados além das 200 milhas
náuticas que delimitam a área de exploração econômica exclusiva do Brasil, o
que encarece o projeto.
Por fim, nas áreas próximas a reservas
ambientais são mais altas as incertezas quanto à obtenção de licenças. Não é
necessário nem desejável que o país aceite abrir a exploração de petróleo a
ponto de colocar em risco tais santuários.
Tudo sugere, portanto, que a combinação de
elevados riscos de exploração, logísticos e ambientais reduziu o interesse das
empresas, que também já contam com grande carteira de projetos ainda por ser
desenvolvida no país, após tantos leilões nos últimos anos.
O momento mundial também é difícil. A
necessidade de ampliação de produção para fazer frente à elevada demanda de
energia que advém da retomada econômica exige mais investimentos das empresas
em áreas maduras.
Seria prematuro, dadas essas
circunstâncias, concluir que o interesse em exploração declinou. Quanto à
transição mundial para fontes de energia sustentáveis, embora tal direção seja
inequívoca, a demanda por combustíveis fósseis ainda deve permanecer elevada
por ao menos uma ou duas décadas.
Misantropia bolsonarista
O Estado de S. Paulo
Quando um projeto favorece mulheres pobres, os vetos de Jair Bolsonaro chegam a ser até naturais, para horror da sociedade civilizada
O presidente Jair Bolsonaro vetou
praticamente na íntegra o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual,
aprovado pelo Congresso em setembro, que prevê a oferta gratuita de absorventes
femininos e outros cuidados de saúde menstrual a mulheres e adolescentes
vulneráveis. É mais um sintoma de que a sua flagrante insensibilidade beira a
sociopatia.
A chamada “pobreza menstrual” é uma
conjugação de três carências: de informação, de produtos menstruais, como
absorventes ou medicamentos específicos, e de infraestrutura de saneamento.
Pelas estimativas das Nações Unidas, uma em
cada quatro estudantes brasileiras já deixou de ir à aula durante a menstruação
por falta de dinheiro para comprar absorventes. Nas escolas, 3% não são
servidas por banheiros em condições de uso e 11,6% não têm papel higiênico.
Estima-se que as adolescentes em situação de pobreza menstrual percam até 40
dias de aula por ano. Além da defasagem escolar, com o risco de evasão, as
dificuldades de higiene feminina básica podem causar danos à saúde física e
mental. Essas dificuldades afligem também as mulheres moradoras de rua ou
encarceradas, muitas vezes obrigadas a improvisar pedaços de pano usados,
roupas velhas, jornal e até miolo de pão.
Segundo os autores do projeto, o programa
beneficiará cerca de 5,6 milhões de mulheres em situação de pobreza menstrual,
a um custo estimado entre R$ 84 milhões e R$ 119 milhões, a depender do
alcance, com recursos provenientes do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Fundo
Penitenciário Nacional (Funpen).
Apesar disso, Bolsonaro justificou seu veto
argumentando, sem base na realidade, que o programa não indica uma “fonte de
custeio ou medida compensatória”. O presidente que ora finge preocupação com a
responsabilidade fiscal é o mesmo cujo governo articula maneiras de furar o
teto de gastos para aumentar suas chances eleitorais, além de gastar dinheiro
público para financiar sua campanha fora de hora, como em suas indecentes
“motociatas”. Bolsonaro usa a responsabilidade fiscal como desculpa para
inviabilizar projetos que favorecem as minorias que ele tanto despreza.
Segundo Bolsonaro, a proposta, ademais,
“contraria o interesse público”, por ser incompatível com a “autonomia das
redes e estabelecimento de ensino”. Expondo um entendimento de políticas
públicas inacreditavelmente distorcido, argumentou que o benefício a uma
categoria específica de pessoas (no caso, as mulheres vulneráveis) fere o
propósito do SUS de garantir acesso “universal e igualitário” à saúde. A valer
essa lógica torta, o SUS deveria suspender o tratamento do câncer de mama ou
mesmo os partos. Vale lembrar que, no caso das mulheres sob custódia do Estado,
a Lei de Execução Penal assegura produtos básicos de higiene e o atendimento
médico, incluindo, por óbvio, no pré-natal e no pós-parto.
É evidente que as motivações de Bolsonaro
não têm nenhuma relação com a responsabilidade fiscal, com o interesse público,
com a prestação universal de saúde nem com a autonomia escolar. A única
explicação plausível para sua atitude é a sua patológica falta de empatia com o
sofrimento alheio, nesse caso agravada por uma indisfarçável misoginia.
Bolsonaro jamais foi capaz de exprimir um
mínimo gesto de compaixão para com todas as pessoas sacrificadas pela covid-19
nem com aqueles que passam fome enquanto ele se diverte em comícios com seus
sabujos País afora e foge da responsabilidade de governar como o diabo da cruz.
Se a insensibilidade de Bolsonaro em relação aos pobres e aos doentes é
patente, seu desprezo pelas mulheres já está incorporado, com destaque, ao
anedotário da desfaçatez política do País. Quando um projeto favorece mulheres
pobres, portanto, os vetos do presidente chegam a ser até naturais, para horror
da sociedade civilizada.
Como em tantas outras arbitrariedades de
Bolsonaro, a indigência legal e a moral manifestas nos vetos só se
explicam por pura perversidade. De um modo ou de outro, eles são o retrato fiel
da misantropia bolsonarista. Ao Congresso, não resta alternativa a não ser
expor o presidente a mais um vexame e derrubar integralmente os seus vetos.
Critérios para a improbidade
O Estado de S. Paulo
Para reduzir insegurança jurídica, estabeleceu-se o dolo como requisito para a improbidade
No dia 6, o Congresso concluiu a votação do
Projeto de Lei (PL) 2.505/21, antigo PL 10.887/18, que revisa a Lei de
Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92). Ainda que a nova redação tenha
suscitado alguma preocupação, trata-se de uma atualização necessária. Em vez de
coibir os malfeitos na gestão pública, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei
8.429/92) provocou insegurança jurídica sobre toda a máquina pública.
Com uma redação ampla, a Lei de Improbidade
Administrativa não dificultou a vida apenas dos maus gestores. Ela gerou
problemas para todas as pessoas que trabalham na administração pública, também
para quem atua de maneira correta. Essa vagueza também permitiu que o
Ministério Público usasse, em muitos casos, a Lei 8.429/92 como instrumento de
contestação política.
O desequilíbrio da Lei de Improbidade
Administrativa levou, assim, a que muitos profissionais se negassem a colaborar
no serviço público, pelo receio dos processos judiciais que depois teriam de
enfrentar. Também provocou o chamado “apagão das canetas”. Para evitar
processos por improbidade, gestores deixaram de tomar decisões, esperando ser
obrigados pela Justiça a atuar. Além de piorar a qualidade do serviço público,
essa deliberada omissão conduz a uma inversão de funções. Decisões de natureza
executiva, que deveriam ser tomadas por quem tem responsabilidade política,
eram definidas pelo Ministério Público ou pelo Judiciário.
Para diminuir a insegurança jurídica e
proteger os gestores que atuam de boa-fé, o PL 2.505/21 estabelece, como
requisito para a improbidade, o dolo por parte do agente público. Ficam
excluídas de responsabilização no âmbito da Lei 8.429/92 tanto as condutas
culposas como as decorrentes de divergência na interpretação da lei.
O PL 2.505/21 também define com maior
precisão as condutas que constituem ato de improbidade administrativa, o que é
uma importante melhoria. O gestor público deve saber, com segurança, o que pode
e o que não pode fazer no cargo. Houve também mudanças processuais. Em
conformidade com o caráter sancionador das ações de improbidade, a legitimidade
para sua propositura será exclusiva do Ministério Público, que também poderá
celebrar acordos de não persecução cível. O juiz terá a opção de converter
sanções em multas.
O ponto que suscitou maiores dúvidas no PL
2.505/21 se refere ao nepotismo. “Nomear cônjuge, companheiro ou parente em
linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, (...) para
o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função
gratificada” passa a integrar o rol de condutas que constituem ato de
improbidade administrativa. No entanto, mais adiante, o texto prevê que “não se
configurará improbidade a mera nomeação ou indicação política por parte dos
detentores de mandatos eletivos, sendo necessária a aferição de dolo com
finalidade ilícita por parte do agente”.
Assim, em algumas situações, a nomeação de
parente não será considerada ato de improbidade. De toda forma, o nepotismo,
sejam quais forem suas circunstâncias, continua proibido no País. Em decisão
vinculante proferida em 2008, o Supremo entendeu que a nomeação de cônjuge,
companheiro ou parente até o terceiro grau viola a Constituição.
Houve muitas críticas contra o PL 2.505/21,
acusando-o de favorecer a impunidade e a corrupção. A esse respeito, deve-se
ressaltar que a tramitação apressada do projeto na Câmara, sob regime de
urgência, suscitou naturais dúvidas sobre a idoneidade da proposta. O Legislativo
podia e devia ser mais cuidadoso, especialmente com um texto cujo objetivo é
extinguir dúvidas e prover segurança.
De toda forma, a Lei de Improbidade
Administrativa, como o próprio nome indica, não tem natureza penal. A
legislação relativa aos crimes contra a administração pública permanece
exatamente igual. O que precisava – e em boa medida foi feito – era rever o
marco jurídico sobre a improbidade administrativa, de forma a punir os ímprobos
e respeitar quem age de boa-fé.
O controle do Ministério Público
O Estado de S. Paulo
Regras de composição não ajudam o CNMP a cumprir a contento suas atribuições
O Conselho Nacional do Ministério Público
(CNMP) foi criado na reforma do Judiciário (Emenda Constitucional – EC
45/2004), cabendo-lhe “o controle da atuação administrativa e financeira do
Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros”. A
criação do órgão vinha atender a um objetivo essencialmente republicano: num
Estado Democrático de Direito, não deve haver órgão ou instituição sem
controle.
No entanto, o nobre objetivo do CNMP viu-se
fortemente mitigado pela composição atribuída ao órgão, dominada por membros do
próprio Ministério Público. A EC 45/2004 dispôs que, entre os 14 membros, 8
seriam provenientes do Ministério Público, 2 juízes indicados pelo Supremo
Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, 2 advogados indicados
pela OAB e 2 cidadãos indicados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado
Federal.
Em vez de propiciar efetivo controle sobre
o Ministério Público, a composição do CNMP refletiu um modelo
corporativo-sindical. Seus membros não representam a população brasileira, e
sim os promotores, os juízes e os advogados. Basta ver a conivência do conselho
com privilégios relativos a vencimentos e férias da categoria. A reforma do
Judiciário, que vinha instaurar uma nova moralidade e eficiência no sistema de
Justiça, fracassou nesse ponto.
Diante desse cenário, foi apresentada na
Câmara uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 5/21) que busca alterar a
composição do CNMP, ampliando os poderes do Congresso sobre o órgão. A rigor,
trata-se de uma tênue mudança. De acordo com a proposta, seriam 15 membros, com
uma nova dinâmica de indicação. Além dos 7 membros do Ministério Público, 2
juízes e 2 advogados, o Congresso escolheria, além dos 2 cidadãos, mais 1 juiz
e mais 1 membro do Ministério Público. De um total de 15 pessoas, 4 seriam
definidas pelo Legislativo.
Além disso, a PEC 5/21 prevê uma ampliação
das competências do CNMP e um fortalecimento das garantias de seus membros, nos
mesmos parâmetros hoje vigentes para o Conselho Nacional de Justiça. Órgão de
controle deve ter prerrogativas proporcionais às suas funções.
“O CNMP poderá, por meio de procedimentos
não disciplinares, rever ou desconstituir atos que constituam violação de dever
funcional dos membros, após a devida apuração em procedimento disciplinar, ou,
em procedimento próprio de controle, quando se observar a utilização do cargo
com o objetivo de se interferir na ordem pública, na ordem política, na
organização interna e na independência das instituições e dos órgãos
constitucionais”, dispõe a PEC 5/21.
Apesar de não ter a rigor nenhuma
proposição contrária às prerrogativas constitucionais do Ministério Público,
houve forte reação contrária de procuradores e entidades associativas. “A PEC,
se aprovada nesses termos, é um tiro de morte na instituição Ministério
Público. Acaba com a autonomia consagrada pela Constituição cidadã de 1988”,
disse o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, ao Estado.
Não há dúvida de que toda alteração no CNMP
deve ser cuidadosamente avaliada e ponderada. Não se pode permitir que, sob o
pretexto de melhorar o funcionamento do Ministério Público, enfraqueça a
autonomia da instituição, dificultando que exerça com independência suas
atribuições – o que incomoda muita gente.
De toda forma, como lembra o relator da
PEC, deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), “a independência funcional prevista no
art. 127, § 1.º, da Constituição Federal não é irrestrita, já que o membro do
Ministério Público deve respeito à Constituição da República e às leis. (...)
Todo agente público está sujeito a controle, de modo que todo poder seja
exercido em nome do povo e no respeito do interesse coletivo”.
É muito bem-vindo, portanto, o debate sobre propostas para melhorar a efetividade do CNMP. Não é matéria para ser decidida sob pressão, tampouco para ser adiada indefinidamente. O diagnóstico é claro: as atuais regras de composição não ajudam a que o CNMP cumpra a contento suas atribuições.
Conselho do Ministério Público deve ser
preservado
Valor Econômico
PEC dá ao Legislativo mais influência sobre
CNMP
No Congresso Nacional, quando um projeto
recebe apoio de parlamentares de linhas ideológicas diametralmente opostas, há
que se prestar atenção. São raras as vezes em que algum tema sensibiliza ao
mesmo tempo parlamentares de esquerda, centro e direita. E quando isso ocorre,
normalmente tal adesão não se deve ao compromisso dos deputados e senadores com
o futuro do país, mas sim com os seus próprios interesses.
O mais recente exemplo foi o surpreendente
impulso dado na Câmara dos Deputados à Proposta de Emenda Constitucional (PEC)
05/21, que altera as regras que regem a conformação e o funcionamento do
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Não é pouca coisa: trata-se do
órgão responsável por fiscalizar a conduta dos promotores e procuradores de
todo o país.
A PEC foi apresentada em março deste ano.
Conferidas as 185 assinaturas dos deputados que apoiaram o seu registro no
sistema eletrônico da Câmara, a matéria foi logo enviada para a Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, onde enfrentou resistências, mas acabou
sendo aprovada em maio. E já no mês seguinte instalou-se uma comissão especial
para analisá-la. No entanto, o período de 40 sessões para discussão e votação
foi alcançado sem que esse processo tivesse sido concluído com sucesso. O
presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acabou decidindo levar a proposta
para votação diretamente ao plenário.
É um ritmo de tramitação de causar inveja a
qualquer defensor das reformas estruturais que o Brasil tanto necessita para
assegurar as condições necessárias à retomada de um crescimento econômico
sustentável. Mas este não é o caso dessa proposta que tanto tem a atenção dos
membros do Legislativo.
A PEC 05/21 já passou a ser vista como um
retrocesso e vem provocando reação entre integrantes do Ministério Público. Em
nota, a Procuradoria-Geral da República (PGR) afirmou que Augusto Aras
conversará com o presidente da Câmara e pediu o adiamento da votação para que
as discussões sobre o tema pudessem ser aprofundadas. No fim da quinta-feira, a
apreciação acabou mesmo ficando para outro dia e ainda não há nova data
marcada, pois o parecer pode passar por ajustes adicionais.
O texto atual determina, por exemplo, o
aumento da composição do CNMP de 14 cadeiras para 15 e estabelece que o
Ministério Público da União terá direito a escolher três conselheiros - um a
menos que hoje. Além disso, o projeto faz mudanças no Conselho Superior do
Ministério Público Federal e prevê que o procurador-geral da República possa
indicar dois terços das cadeiras do conselho, garantindo que a maioria dos
membros do colegiado seja alinhado a ele. Hoje, o órgão tem uma atuação crítica
à gestão de Aras.
Outras mudanças receberam comentários
negativos, como a que prevê o aumento de indicações pelo Congresso e a regra
que abre a possibilidade de o conselho anular atos de investigação - algo
apontado como uma brecha para interferências na atuação do MP.
Um dos pontos mais polêmicos estabelece que
o Legislativo será o responsável por indicar o corregedor do CNMP, o que foi
visto como uma ofensiva para retaliar e interferir no órgão, pois, atualmente,
o corregedor é definido em votação realizada pelo CNMP, entre os membros do
Ministério Público. A insatisfação é tamanha que a proposta de emenda
constitucional já recebeu a alcunha de “PEC da Vingança”, por atacar aspectos
estruturais de uma importante instituição de controle do Estado brasileiro.
Diante da pressão, a Câmara dos Deputados
adiou a votação da proposta de emenda constitucional, o que indica a
necessidade de os eleitores permanecerem vigilantes em relação ao que farão os
seus representantes no Congresso Nacional daqui em diante. Até porque este não
parece ser um movimento isolado: recentemente o parlamento piorou a Lei de
Improbidade Administrativa, numa iniciativa que pode beneficiar gestores
públicos que causaram danos aos cofres públicos. Esta votação também foi fruto
de uma articulação suprapartidária.
Ainda assim, tal apoio a promotores e procuradores não deve ser confundido com um suposto respaldo à pressão que essas categorias têm feito para ficar de fora da reforma administrativa. Incluí-las na PEC que moderniza o Estado não se trataria de perseguição ou vendeta por parte do meio político. Seria, isso sim, algo justo e mais do que desejável.
TSE acerta ao abrir códigos das urnas
eletrônicas
O Globo
A estratégia de transparência total inclui
testes públicos e o acompanhamento de autoridades e representantes de
diferentes esferas da sociedade
Foi inédita e auspiciosa a decisão do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de antecipar em seis meses a abertura dos
códigos internos da urna eletrônica e do sistema eletrônico de votação. Marcada
inicialmente para abril do ano que vem, a ação aconteceu na semana passada, com
a presença do ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do TSE, do
ministro Alexandre de Moraes, que presidirá o tribunal no ano que vem, de 25
lideranças partidárias e representantes de órgãos internacionais, como
Organização dos Estados Americanos (OEA) e União Interamericana de Organismos
Eleitorais (Uniore). Para contra-atacar a campanha de difamação premeditada do
presidente Jair Bolsonaro, que tem como alvo a lisura das eleições, o TSE
decidiu adotar a estratégia de total e absoluta transparência. Nada mais
sensato. Contra as trevas, a luz.
Os códigos divulgados pelo tribunal,
conhecidos tecnicamente como “códigos-fonte”, são as instruções para
funcionamento das urnas e dos sistemas de apuração, escritas em linguagem de
programação. A partir deles, qualquer programador treinado pode conferir a
lógica responsável pela contagem dos votos e pela geração do boletim de urna,
verificar vulnerabilidades e afastar teorias da conspiração.
Muitos temem esse grau de transparência que
expõe as entranhas do sistema, por acreditar que o torna mais vulnerável. Na
prática, porém, abrir o código-fonte equivale a trazer mais segurança, pois
comprova diante de todos a virtual impossibilidade de invasão das urnas. A
divulgação ocorreu a exatamente um ano das eleições, com tempo de sobra para
que críticos façam suas considerações e que sugestões de aperfeiçoamento sejam
incorporadas, tornando o sistema ainda mais seguro.
Depois de passar três anos batendo na tecla
da insegurança das urnas, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que apresentaria
provas de fraude no final de julho. No dia marcado, reconheceu o óbvio: nada
tinha para mostrar. Em resposta, os ministros do TSE pediram que ele fosse
incluído no inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal (STF). Em
poucos dias, a requisição foi aceita. Isso não o impediu de continuar a pôr em
questão a lisura do voto eletrônico, como voltou a fazer nas manifestações
golpistas do 7 de Setembro, mesmo que, em 25 anos, jamais tenha havido um caso
comprovado de irregularidade.
Analisando o histórico de Bolsonaro, é
improvável que interrompa a campanha de desinformação, ainda mais se suas
chances de vitória nas urnas continuarem baixas, como sugerem as pesquisas. É
de esperar justamente o contrário: que insista nos ataques infundados à medida
que as eleições se aproximem. É um cálculo político repugnante, embora óbvio.
Sabendo que as chances de perder são grandes, Bolsonaro espalha mentiras, na
tentativa de deslegitimar o vencedor e, quem sabe, tentar gerar o caos em seu
favor. Uma cópia xerox do estilo Donald Trump.
O TSE reage corretamente à ameaça. A
estratégia de transparência total inclui testes públicos e o acompanhamento de
autoridades e representantes de diferentes esferas da sociedade. Não se trata
de convencer quem, como Bolsonaro, escolheu, maquiavelicamente, adotar um
discurso golpista. A abertura do código-fonte se destina a esclarecer quem
genuinamente tem dúvidas, a aperfeiçoar ainda mais o sistema e a fortalecer a
democracia entre nós.
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