Folha de S. Paulo
Petista poderia conseguir trégua, mas
estratégia centrista em economia trará riscos eleitorais
Sou um defensor entusiasmado da passagem
de Antônio
Palocci pelo Ministério da Fazenda. Defendi Joaquim
Levy em minhas primeiras
colunas na Folha.
Como se pode imaginar, torço para que Lula adote um
programa econômico mais “fiscalista” do que o defendido pelo petista médio. Mas
minha questão hoje é outra: Lula precisa defender esse programa para se eleger?
Não há dúvida de que isso lhe traria
algumas vantagens. Por exemplo, aposto que mais gente do MDB teria ido ao jantar
do Eunício se Lula já tivesse angariado mais simpatia na elite
econômica.
É difícil imaginar a mídia brasileira apoiando Lula em 2022, mas gestos de moderação poderiam lhe comprar uma trégua, em especial depois de quatro anos de guerra bolsonarista contra o jornalismo independente. É possível imaginar cenários em que essa estratégia desse a Lula os votos que lhe faltam para vencer no primeiro turno.
Por outro lado, independentemente do que eu
acho que Lula deveria fazer pelo Brasil, uma estratégia centrista em economia
também lhe trará riscos eleitorais, caso a coalizão
que elegeu Bolsonaro sobreviva até 2022.
Concorrer com Jair Bolsonaro não é a mesma
coisa que concorrer com Fernando
Henrique Cardoso. A disputa
entre PT e PSDB dava-se justamente no debate econômico. Quando o PT
adotava medidas econômicas mais fiscalistas, seus eleitores não tinham muito
para onde ir: os tucanos eram ainda mais fiscalistas.
Bolsonaro não ganhou em 2018 por seu discurso econômico. Seu sucesso nas periferias pobres das grandes cidades, que explica muito de sua vitória, se deu pelo voto evangélico e pela pauta moral. É isso que explica o fascínio das elites brasileiras por Bolsonaro: ele parece ter inventado um jeito de ganhar voto de pobre sem gastar dinheiro ou criar cotas.
O outro lado disso é que o adversário de
Bolsonaro não tem muito a ganhar adotando um discurso econômico moderado.
Se Fernando
Haddad, no segundo turno de 2018, tivesse defendido uma reforma da
Previdência ambiciosa, Bolsonaro o denunciaria por matar velhinhos sem o menor
constrangimento. A disputa é pelo pobre evangélico, que não está interessado em
fiscalismo, muito pelo contrário.
Na verdade, uma vez que a esquerda nunca
vai poder oferecer aos pobres evangélicos tudo que a direita pode oferecer nas
pautas comportamentais, tem mais incentivos para buscar votos criticando
o programa
econômico de Bolsonaro/Guedes.
Não se trata apenas da campanha eleitoral.
A probabilidade de Lula, ou, aliás, de qualquer outro candidato que derrote Bolsonaro,
adotar um programa fiscalista em 2023 é inversamente proporcional à força que
os bolsonaristas terão na oposição, em especial à força que manterão nas Forças
Armadas e nas polícias. Se o recém-eleito tomar posse sob risco de golpe, não
poderá arriscar a perda de popularidade que todo ajuste traz no curto prazo.
As chances de um “novo paloccismo” em 2023 são pequenas, ganhe quem ganhar. Governar depois de Bolsonaro, afinal, também não é como governar depois de FHC. Ainda acho que um reencontro de Lula com a responsabilidade fiscal é possível em termos razoáveis, em nome do interesse brasileiro. O que é indiscutível é que Bolsonaro dificulta a vida de quem, como eu, defende essa posição na esquerda.
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