Câmara resgata a história de deputados federais que perderam os direitos
políticos por se oporem ao regime militar
Edson Luiz
Em 13 de dezembro de 1968, uma reunião realizada no Palácio das Laranjeiras,
no Rio de Janeiro, entre integrantes do governo militar iniciava um dos
períodos mais dolorosos da história do Brasil. Nascia, naquele momento, o Ato
Institucional nº 5, que fechou o Congresso Nacional, cassou os direitos de
cidadãos e parlamentares, principalmente os opositores da ditadura. Na
quinta-feira, quase meio século depois, 173 deputados terão a devolução
simbólica dos mandatos, que foram concedidos pelo povo, mas foram tirados pelo
regime de exceção a partir do golpe militar.
O desfecho dos acontecimentos ocorreu no fim de dezembro daquele ano, quando
o governo anunciou a primeira relação de pessoas que teriam os direitos
políticos cassados. Eram 11 deputados federais, liderados por Márcio Moreira
Alves (MDB-RJ). A decisão foi tomada pelo Conselho de Segurança Nacional (CSN),
depois de uma reunião iniciada às 16h, que seguiu até as 19h. E, em uma nota
lacônica, foi anunciado que os parlamentares, além de Carlos Lacerda, haviam
acabado de perder os mandatos por uma década.
"Ao término dos trabalhos, o senhor presidente da República anunciou a
decisão de decretar, nos termos do AI-5, a cassação dos mandatos e a suspensão
dos direitos políticos, por 10 anos, dos deputados federais Márcio Moreira
Alves, Hermano de Deus Alves, David José Lerer, Helio Henrique Pereira Navarro,
Gastone Righi Cuoghi, Mateus José Schmidt Filho, Henrique Henkin, Maurilio
Filgueira Ferreira Lima, José Lurtz Sabiá, Renato Bayma Archer da Silva e José Carlos
Estelita Guerra", anunciou o CSN.
Ferreira Lima conta que sua cassação foi causada por um discurso relacionado
a uma crise militar que estava se formando dentro do governo. "Eu fiz um
discurso no pequeno expediente na Câmara sobre a atuação da Aeronáutica",
afirma o ex-parlamentar, cassado aos 28 anos, quando foi eleito para o primeiro
mandato. "Os trabalhos da Casa foram interrompidos imediatamente pelo
presidente (da Câmara) José Bonifácio de Andrada e Silva", acrescentou
Ferreira Lima. Ele voltou ao parlamento depois da redemocratização do país.
As cassações não pararam no fim de 1968 e continuaram nos anos seguintes,
como anunciou o governo antecipadamente. "Acentuou o senhor presidente da
República que as outras decisões revolucionárias, da mesma natureza, serão
tomadas oportunamente, para o que voltará Sua Excelência a convocar o Conselho
de Segurança Nacional", dizia a nota oficial do regime. Em janeiro de
1969, por exemplo, mais 35 deputados perderam os cargos, o mesmo ocorrendo com
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal Militar
(STM).
Resgate
Segundo a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), que coordena a Comissão da
Verdade da Câmara, o evento da quinta-feira tem como objetivo resgatar a
memória parlamentar de quem foi cassado pela ditadura. "É uma homenagem à
soberania popular, que foi usurpada a partir do momento em que o povo ficou sem
seus representantes", afirma a deputada. Além disso, conforme Erundina, o
processo mostra a evolução dos casos, a partir dos períodos de cassação. Essas
histórias são detalhadas no livro Parlamento mutilado: deputados federais
cassados pela ditadura de 1964, que será publicado pela Câmara e lançado na
quinta-feira.
"No livro, nota-se que a maior parte das cassações ocorreram nas
primeira e segunda legislaturas, enquanto que, nas demais, não havia tanta
resistência", explica Erundina. "As perdas de mandatos ajudaram a
domesticar a representação popular por causa do medo", acrescenta a
deputada, ressaltando que grande parte das vítimas do regime no Congresso eram
parlamentares de primeiro mandato, composta por jovens idealistas que não
temiam perder os cargos, e que pertenciam ao MDB e ao PTB, os principais
adversários do regime militar.
A intenção, segundo a deputada, é promover um seminário para tratar do tema,
além de incentivar os estados a fazer trabalho semelhante, recuperando a
história de seus Legislativos. "Nossa Casa nunca tinha feito isso,
utilizando nossos próprios arquivos. Era preciso trazer para a Câmara a
necessidade de resgatar a sua própria história", diz a deputada. Dos 173
homenageados, só 26 estão vivos.
Fonte: Correio Braziliense
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