Seria bom se fosse possível dizer que o governo da doutora Dilma tem
tolerância zero com malfeitos. Há uma distância oceânica entre sua
administração e a de Nosso Guia, mas tolerância zero é conversa fiada. Na
segunda metade do mandato, seu desafio será mostrar a diferença entre suas
atitudes reativas e uma verdadeira política moralizadora do governo e da nação
petista. Ou o PT acaba com seus esquemas ou esses esquemas acabam com o PT,
produzindo uma sucessão presidencial demarcada pelo debate da corrupção. Essa
poderá ser a derradeira e benfazeja contribuição dos companheiros à política
nacional. Quem pensa que o moralismo produzirá um novo Fernando Collor,
engana-se. Produzirá um Joaquim Barbosa, sem conexões com a plutocracia ou
acordos com usineiros.
No caso das Bolsas Consultorias do ministro Fernando Pimentel (R$ 2 milhões
ao longo de dois anos), o Planalto blindou-o e alterou a composição da Comissão
de Ética Pública da Presidência, que viria a arquivar o caso com argumentos
constrangedores.
A quadrilha dos irmãos Vieira, que tinha um pé na sala da chefe do
escritório da Presidência em São Paulo, mostra que o Planalto protegeu os
malfeitores atropelando os mecanismos de defesa do Estado.
O baiano Paulo Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas, filiou-se ao
PT de São Paulo em 2003, no primeiro ano de governo de Lula. No ano seguinte,
tentou ser vereador em Gavião Peixoto, mas não se elegeu. Em 2005, foi nomeado
assessor especial de controle interno do Ministério da Educação. Em 2009, seu
nome foi enviado ao Senado para ocupar uma vaga na diretoria da Agência
Nacional de Águas. Foi rejeitado. A boa norma determinava que a indicação fosse
esquecida. O Planalto empurrou-o goela abaixo.
A essa época, Vieira já traficava interesses milionários do ex-senador
Gilberto Miranda com o auditor Cyonil Borges, do TCU. Entrara também na rede de
Rose Noronha. O nome da companheira aparecera numa lista de servidores que
usavam cartões corporativos. Sua despesa, banal, fora de R$ 2.100, mas os
comissários blindaram sua ida ao Congresso. Preferiram xeretar as despesas de
Ruth Cardoso, para depois pedirem desculpas.
Paulo Vieira tratava dos interesses das ilhas do ex-senador Gilberto
Miranda, operando nas agências reguladoras e monitorando a boa vontade de
burocratas, oferecendo-lhes "mel na chupeta". Na operação de Vieira
estava José Weber Holanda, o segundo homem da Advocacia Geral da União. Ele
estivera no INSS, deixando seis procedimentos administrativos no seu rastro. Em
2008, a Controladoria Geral da União estranhara a acumulação patrimonial do
doutor e pedira a quebra do seu sigilo bancário. A Justiça Federal de Brasília
negou o pedido, e o processo está parado.
Em 2011, no governo da doutora Dilma, Weber enganou o baronato da AGU.
Estranha situação, pois, nessa época, um advogado da instituição cuidava do
prosseguimento de um processo contra ele, travado por um mandado de segurança.
Em todos os episódios, os mecanismos de defesa do Estado foram esterilizados
pela ação dos comissários. Até onde essa proteção deu-lhes uma sensação de
onipotência e invulnerabilidade, só eles poderão dizer. Tomara que digam.
Não é esse o caso do ex-senador Gilberto Miranda. Ele ganhou a cadeira nos anos
90, com a mágica da suplência. Sua biografia tem abundantes referências à
generosidade com que ajuda os amigos e ofende a Viúva. Seus learjets eram uma
espécie de táxis aéreos para notáveis de Brasília. Seu palacete francês no
Jardim Europa valia US$ 4 milhões. Colecionou três Rolls Royces. Tinha
interesses na Zona Franca de Manaus e nas obras físicas para a rede de radares
na Amazônia. Isso para não falar nas grandes aduanas do país. Referia-se ao
presidente José Sarney como "Sassá" e teve um irmão no gabinete de
Collor. Conhece as costuras dos bolsos da política brasileira.
Lendo-se os grampos da Operação Porto Seguro vê-se quão perto do
comissariado Gilberto Miranda operava. Houve tempo em que ele dizia que
"sou muito rico, não preciso de dinheiro". Pelo visto, precisou e
descobriu companheiros que também precisavam.
Lula Fashion Show. A quimioterapia parece ter levado a barba de Lula, pelo menos por um tempo.
Já a cor de seus cabelos e do bigode estão com jeito de trato de salão. Nosso
Guia ficou parecido com sargento de filme mexicano.
Passeata de classe. A passeata dos royalties realizada no Rio de Janeiro inovou a técnica de
manifestações populares. Nela, havia um cercadinho VIP para os manifestantes
ilustres. Era demarcado por um cordão e protegido por seguranças. Os convidados
VIPs diferenciavam-se da patuleia, pois recebiam pulserinhas verdes. Nesse
ritmo, a próxima passeata terá três classes: primeira, executiva e de turistas.
Adauto de volta. Foram muitas as fantasias vendidas pelos advogados de defesa aos seus
clientes do mensalão. A maior delas foi o uso da teoria do caixa dois como
blindagem. O truque transformou-se em mortalha. Há uma nova: na fase dos
recursos, novos ministros abrandariam as penas de alguns réus. Quem acredita
nisso deve pensar melhor. Como ficariam os doutores, se baixasse no plenário o
espírito de Adauto Lúcio Cardoso, e três ministros jogassem a toga, abandonando
o tribunal? Em 1971, quando o STF legitimou a censura à imprensa, Adauto despiu
a capa e foi-se embora. Puro palpite: o que fariam Joaquim Barbosa, Celso de
Mello e Gilmar Mendes?
Ódio a Fux. O comissariado petista conformou-se com a posição de Joaquim Barbosa no
processo do mensalão. Absorveu os votos de Carlos Ayres Britto e não quer
confusão com Cármen Lúcia e Rosa Weber. Em relação ao ministro Luis Fux, o
sentimento é outro: ódio, em busca de vingança.
A conta. Em 2003, quando Nosso Guia resolveu ocupar um gabinete da sede do Banco do
Brasil, na Avenida Paulista, companheiros da burocracia da instituição
defenderam a legalidade do presente. Um banco que tem ações na Bolsa não
deveria ceder instalações ao governo. Felipão enganou-se quando disse que quem
trabalha no Banco do Brasil não sofre pressões. Sem pressão, ninguém entrega um
gabinete na esquina da Paulista com a Rua Augusta. Nem nomeia o ex-marido da
chefe do escritório da Presidência para um lugar de conselheiro da BrasilPrev
(com diploma falso).
Boca rica. A entrada dos planos de saúde americanos no Brasil cria uma questão
interessante. Nos Estados Unidos, o atendimento da rede pública para casos de
emergência, idosos e desvalidos é regulado por uma legislação complexa,
altamente burocratizada. Lá, não existe a possibilidade de uma empresa vender
um plano por US$ 50 (R$ 100), oferecendo uma cobertura que sua rede não tem
condições de prover, pressupondo que a vítima será atendida na rede pública. No
Brasil, abundam os planos que se consideram ressegurados com a ida de seus
clientes para o SUS, deixando a conta para a Viúva, pois as operadoras,
beneficiadas pela sonolência da Agência Nacional de Saúde Suplementar, escapam
do ressarcimento. Isso cria um paraíso para os empresários. Se o SUS melhora, o
negócio deles prospera a custo zero. Também explica um incompreensível
interesse de magnatas de planos com nomeações para o STF e o STJ, pois a
encrenca de ressarcimento será resolvida lá.
Fonte: O Globo
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