O Brasil é um país extraordinário em sua rica diversidade e enorme potencial, mas é também um país complexo de entender e difícil de administrar -como cedo ou tarde percebem aqueles que se dispõem a fazê-lo. Há custos de aprendizado, que levam os governantes a um gradual reconhecimento da existência dos limites do possível às suas ações no relativamente curto prazo de seus mandatos.
O fato é que no Brasil de hoje convivem, em mutante simbiose, partes modernas (que adquiriram expressão relevante) e partes anacrônicas (que não podem ser subestimadas). E talvez por isso, o Brasil não comporta mais variantes de messianismos salvacionistas, voluntarismos extremados e improvisados exercícios de autoridade. Mesmo quando o governo tem popularidade e exibe avassaladora maioria no Congresso Nacional - embora exigindo complexas concessões da parte do Executivo.
Na raiz desse aparente paradoxo está uma questão de fúndo colocada com a clareza habitual por José Murilo de Carvalho: "A construção de uma democracia sem República me parece pouco viável. República significa coisa pública, virtude cívica (...), exige predomínio da lei, igualdacte perante a mesma, ausência de privilégios e hierarquias sociais, cidadãos ativos, governos responsáveis e eficientes (...). República é incompatível com patrimonialismo, clientelismo, nepotismo e fisiologismo".
Escreve o autor: "Pode-se argumentar, como muitos fazem, que nossa democracia não precisa de República, que aos trancos e barrancos vamos construindo a inclusão política e social, e que preocupação com honestidade política, bom governo, valores cívicos e instituições respeitadas é moralismo pequeno-burguês". Mas - como José Murilo - espero que possa haver um número crescente de brasileiros que discorrem dessa postura.
"Os eleitores é que dirão", essa é a aposta (legítima) que fez o governo ao se lançar com armas e bagagens e antecedência de quase dois anos na campanha de sua reeleição. Com a convicção de que esses eleitores votarão com o bolso. E que, portanto, os altos níveis de emprego e a evolução da renda disponível das famílias decidiriam por antecipação as eleições do ano que vem. Como disse um ministro em campanha, "para o povo, PIB é emprego e renda", ou seja, o que conta é o crescimento da renda real das famílias nos períodos que antecedem à eleição. O resto seria o resto, de menor importância relativa para aqueles que estão com os olhos ora fixados apenas no resultado de outubro de 2014.
Pois bem, o resto não é o resto. Paul Krugman, o influente Prêmio Nobel de Economia, tinha e tem toda a razão ao escrever, já lá se vão mais de duas décadas: "A capacidade que tem um país de melhorar os padrões de vida de sua população ao longo do tempo depende quase que inteiramente (almost entirely, no original inglês) de sua capacidade de aumentar o seu produto por trabalhador" - isto é, a produtividade de sua economia.
Como bom economista, Paul Krugman nota que isso exige capital, trabalho, tecnologia e inovação. E também discute por que a ideia de produtividade, por ser tida como complexa, não é fácil de ser levada à arena política e ao debate público. Mas insiste com a frase famosa, após analisar cinco maneiras de aumentar o consumo por habitante de um país (qualquer que seja): "A produtividade não é tudo, mas no longo prazo é quase tudo".
Em pesquisa recente, ainda por publicar, Regis Bonelli e Julia Fontes retomam o tema krugmaniano da sustentabilidade ao longo do tempo de marcados descompassos entre intenções de gasto em consumo e restrições de oferta derivadas de problemas de baixa produtividade. Os autores adotam uma perspectiva de longo prazo (de 1980 a 2010, com projeções tentativas para 2010-2020), com especial atenção conferida à nossa extraordinariamente rápida transição demográfica.
Regis Bonelli e Julia Fontes mostram que nosso crescimento futuro estará ainda mais dependente de aumentos de produtividade e, simultaneamente, ainda mais limitado pelos efeitos de nossa nova demografia sobre a oferta de trabalho. Como já se disse, o Brasil está correndo o risco de ficar velho antes que chegue aos níveis de renda per capita próximos dos que desfrutam hoje os países desenvolvidos.
Mas a economia brasileira enfrenta hoje outros descompassos que não são de tão longo prazo, embora não menos relevantes para o nosso futuro: as intenções de gasto doméstico - público e privado, em consumo e investimento - excedem em muito a capacidade doméstica de atendê-las, dadas as intenções de poupança pública (que é negativa) e de poupança privada (que é relativamente reduzida).
O resultado dos processos de ajuste a este descompasso é sempre - ex-post - uma cambiarrte combinação de pressões inflacionárias, déficits de balanço de pagamentos em conta corrente (expressando a necessidade de poupança externa) e, quando existe financiamento, endividamento adicional de famílias e do governo. Este descompasso ex-ante, quando significativo e prolongado, afeta as expectativas quanto ao curso futuro do câmbio, dos salários e dos juros - e, portanto, do investimento e do crescimento futuro.
Nos próximos anos de vida do Real, nós teremos nada menos do que cinco eleições presidenciais: 2014, 2018, 2022, 2026 e 2030. E uma eleição presidencial é sempre, talvez, uma oportunidade para que o País possa tentar aprofundar e melhorar a qualidade do debate público informado sobre crescimento, emprego e renda, com foco na imperiosa necessidade de aumentar, em muito, a produtividade e a competitividade internacional de suas empresas e a eficiência operacional do governo na gestão da coisa pública - aí incluídos os investimentos em infraestrutura e na melhoria da qualidade da educação*, áreas nas quais há ainda muito, mas muito mesmo, o que fazer nos anos à frente.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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