Por Maria Cristina Fernandes - Valor Econômico
SÃO PAULO - "Quando Itamar percebeu que ia virar presidente começou a se acautelar. Com a autorização dada pela Câmara dos Deputados para que o Senado julgasse [Fernando] Collor pelo crime de responsabilidade, era a hora de o vice tomar posse. Nesse dia, o deputado] Roberto Freire me telefonou. 'Venha cá porque o Itamar não quer tomar posse'. Fui até lá e procurei o [Henrique] Hargreaves. 'Cadê o Itamar?'. Ele me apontou o quarto. Entrei e lá estava o Itamar todo vestido e deitado na cama. 'O cadáver ainda está quente'. Ele não queria se apressar nem parecer afoito".
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso contou essa história ontem à noite no instituto que leva seu nome ante uma plateia ansiosa pelo desfecho da crise que atinge o governo Dilma Rousseff. Anfitrião de um debate que tinha como convidados o economista Armínio Fraga e o cientista político Sérgio Abranches, Fernando Henrique falou mais que o habitual. Com variações em torno do tema, disse que ainda não havia chegado o momento para a crise encontrar seu desfecho: "Em política não basta ter o conhecimento. Tem que saber a hora".
O desfecho da atual crise tem um ingrediente inexistente à época em que Collor caiu, a operação Lava-jato. "A política não controla a crise econômica nem a Lava-jato e a gente não sabe quem pode conduzir a saída dessa situação por causa da operação. A Lava-jato deixa indefinido o pacto que pode conduzir o país", disse FHC.
Para o ex-presidente, ainda vai levar tempo para que se possa constituir um novo bloco de poder que não se resume aos partidos: "Quem vai perder sabe e resiste e quem vai ganhar ainda não sabe que ganho terá".
O ex-presidente vê grandes dificuldades de um governo enfraquecido como o de Dilma fazer passar no Congresso o pacote fiscal anunciado pelos ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa. Essas dificuldades podem agravar o cenário econômico e precipitar o desfecho - "O Estado faliu e isso foi muito agravado no gerenciamento dos processos decisórios. Fomos criando uma situação de inviabilidade concreta. As coisas só se resolvem na crise. O empresariado já está nesse momento, mas a sociedade ainda não. E é só nesta circunstância que se faz algo".
FHC intercalou seus comentários entre aqueles feitos por Fraga e Abranches. Depois de seu diagnóstico sobre como o Brasil havia entrado em recessão, o economista resumiu a ansiedade que parecia tomar a plateia: "Não fazer nada não é empurrar com a barriga é empurrar para o buraco".
Abranches retomou o impeachment de Collor para dizer que aquela crise fez com que o sistema político criasse barreiras que, a pretexto de evitar novos aventureiros, inviabilizou o país.
O ex-presidente rechaçou o risco de venezuelização, levantado pelo ex-embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Rubens Barbosa, mas disse que o desfecho da crise não precipita seu fim: "Seja quem for o presidente e o ministro da Fazenda vão ter que lidar com o fato de que não há recursos e aqueles que existem não podem ser disponibilizados".
Da plateia, a cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida alertou para o risco de a crise, além de derreter o PT, levar junto a oposição, pela dificuldade de divisar aonde quer chegar. Ninguém foi capaz de discordar.
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