- Valor Econômico
• Política econômica começa a recuperar credibilidade
Tudo indica que a recuperação da economia brasileira, da tragédia vivida no triênio 2014-2015-2016, será mais lenta que a do seu padrão histórico. O Brasil saiu rapidamente das crises e recessões de 1999 e 2003. A atual recessão começou no segundo trimestre de 2014, portanto, há quase três anos, segundo o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da Fundação Getulio Vargas.
Em apenas dois anos (2015-2016), a economia brasileira está encolhendo em torno de 7%, com queda de 10% da renda per capita. Desocupação crescente - o número de desempregados está em torno de 12 milhões e deve aumentar nos próximos meses -; indústria registrando níveis recordes de ociosidade (na automotiva, a produção caiu a menos da metade da capacidade); grandes empresas pedindo recuperação judicial porque não conseguem pagar dívidas; consumidores encalacrados com débitos; governos estaduais e um bom número de prefeituras atrasando salários: tudo isso compõe um quadro que ajuda a explicar por que a retomada será vagorosa desta vez.
A destruição do arcabouço macroeconômico que ajudou a estabilizar a economia desde o lançamento do Plano Real, em 1994, até 2010, último ano do governo Lula, devastou a confiança dos empresários e dos consumidores, paralisando a atividade econômica. A bem da verdade, a desmontagem daquele arcabouço, caracterizado pelo tripé disciplina fiscal-metas para inflação-câmbio flutuante, começou antes, em 2008, e foi acelerada nos anos Dilma (2011-2016).
Os resultados negativos só não apareceram antes porque, no primeiro mandato de Dilma Rousseff, havia algum espaço fiscal para promover estímulos, o que no fim se revelou desastroso porque arruinou as contas públicas de tal forma que, em 2015, sete anos depois de obter o selo de bom pagador, o Brasil perdeu o grau de investimento. Naquela ocasião, tirando proveito de receitas vindas da formalização do emprego, o governo aumentou os gastos de forma exponencial, sem atentar para o fato de que aquelas receitas eram extraordinárias.
O ajuste das contas, agora, não tem como ser de outra forma, a não ser gradual. Até porque um ajuste, nos moldes do realizado nas últimas duas crises, afundaria a economia além dos 7% estimados para o atual biênio. Ademais, não se pode contar, neste momento, com aumento da carga tributária.
O mais importante do ajuste atual, que ao contrário dos anteriores se baseia no corte de gastos e não na elevação das receitas, é a persistência. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241, que cria um teto para o gasto corrente federal nos próximos 20 anos, é revolucionária ao resolver o principal problema das contas públicas: a evolução da despesa primária, que, segundo cálculos oficiais, avançou 6% em média ao ano, em termos reais (acima da inflação), nos últimos 25 anos. Com o teto, o crescimento real será zero.
Esse é um baita ajuste. O que se expandia antes à taxa de 6% acima da inflação ao ano agora avançará zero. É por isso que, desde o início, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, convenceu o presidente Michel Temer a pôr toda a ênfase na aprovação, no Congresso Nacional, primeiro da PEC, para apenas depois tratar-se de temas espinhosos como a reforma da previdência.
Criado o teto, as mudanças na previdência, que representa 50% do gasto primário, se tornam prementes. A reforma das aposentadorias, bem como outras das quais ninguém tem falado ainda, será uma consequência inevitável do teto. 2017 promete ser o ano em que a sociedade brasileira debaterá suas prioridades. Este será o principal efeito do novo regime fiscal: as despesas terão que caber dentro do orçamento porque, a partir de 2017, o aumento dos desembolsos totais não poderá superar a variação da inflação do ano anterior.
Os gastos com educação e saúde são os únicos que, a rigor, não poderão crescer menos que a inflação anual, o que desmonta a tese dos críticos da PEC, segundo a qual, o teto está sendo criado para reduzir despesas da área social - a rigor, essas despesas poderão crescer acima da inflação, desde que outros gastos corram abaixo da mesma medida. A regra obrigará a sociedade a se organizar em torno daquilo que deve ser prioritário num país com os níveis vergonhosos de desigualdade de renda e de assimetria de oportunidades.
Nos próximos anos, se o teto de gastos for mesmo instituído, os brasileiros serão confrontados com uma série de temas que, estranhamente, lhes escapam hoje, como: estabilidade dos funcionários públicos no emprego; universidade gratuita para quem pode pagar; concessão de subsídios para grandes empresas; dedução do Imposto de Renda dos gastos com saúde e educação (benefício que, na prática, desvia recursos da saúde e da educação pública para a privada); férias de dois meses por ano para procuradores e juízes, greve de servidor público sem corte de ponto; manutenção de seis bancos estatais federais etc. Tudo isso custa muito dinheiro e, a partir do próximo ano, cada centavo fará falta na hora de fechar as contas.
O governo Temer está investindo na agenda correta - além das propostas na área fiscal, está reorganizando a passos largos a Petrobras e o setor de petróleo e preparando privatizações e concessões - e, por isso, a confiança dos empresários está começando a retornar. Temer foi inteligente ao jogar no governo anterior o custo político do ajuste que se inicia agora, entendendo que o momento criou uma oportunidade única para se fazer reformas institucionais.
No Banco Central, o presidente, Ilan Goldfajn, e sua equipe também estão recolocando a credibilidade da instituição em pé: a comunicação com o mercado e a sociedade, arruinada pela gestão anterior, está aumentando a transparência e a potência dos efeitos da política monetária. Além da comunicação, Ilan procura evitar outros dois erros capitais de seu antecessor: a volatilidade da taxa de juros e do câmbio.
Na política monetária, a trajetória anunciada é de queda dos juros, mas isso será feito de forma gradual, sem açodamentos Os primeiros resultados já são visíveis: as expectativas de inflação para 2018 e 2019 já convergiram para a meta de 4,5% e as de curto prazo estão também paulatinamente melhorando, o que já se permite prever que, talvez, no fim do próximo ano, o IPCA caia para a meta, pela primeira vez em oito anos.
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