O consumo privado, enfraquecido, não sustentará uma retomada forte
Indicadores divulgados nos últimos dias sinalizam que a economia começa a se recuperar e pode não ter afundado tanto quanto chegou a ser estimado. Um deles foi o crescimento de 7% da indústria em maio em comparação com abril. Foi a maior alta desde junho de 2018, quando terminou a greve dos caminhoneiros. Os números reforçam a avaliação de que abril foi o fundo do poço. Puxaram o resultado o salto de 244% da produção de veículos, de 16,2% dos derivados de petróleo e de 65,5% de bebidas. O Monitor do PIB da Fundação Getulio Vargas (FGV) também foi positivo em maio. O índice cresceu 4,2% em comparação com abril, a maior alta desde janeiro de 1991.
No entanto, nem de longe a expansão industrial de maio compensou a perda de 26,3% acumulada em março e abril. Segundo o IBGE, a indústria está produzindo 21,1% a menos do que em fevereiro, antes das medidas de isolamento social. Somente entre março e abril a produção de bens duráveis teve queda de 84,2%. Da mesma forma, a reação do PIB registrada pela FGV só compensa parcialmente as pesadas perdas nos dois meses anteriores, de 5,1% em março e de 9,1% em abril.
O que está deixando um grupo de economistas especialmente otimista são alguns indicadores não tradicionais, considerados antecipadores de tendência. Entre eles estão as vendas de varejo detectadas por credenciadora de cartões, a percepção dos gerentes de compra, o consumo de energia e o aumento da mobilidade das pessoas. Outro exemplo é o crescimento de 15,6% das vendas em junho em comparação com maio, constatada pela Receita a partir do registro de notas fiscais, divulgada ontem. O economista-chefe do Itaú, Mário Mesquita, escreveu no Valor (2/7) que fontes alternativas de informações adquiriram importância dada as limitações impostas pela pandemia para a elaboração de pesquisas tradicionais, e não apenas no Brasil.
Faz parte do grupo ainda minoritário dos otimistas o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que, baseado em dados como energia, tráfego, arrecadação e volume de TEDs, assegurou a melhoria do nível de atividades em junho, sustentando que a “primeira parte dessa recuperação foi em V”. Ele repetiu assim a previsão de uma reação em V, que o ministro da Economia, Paulo Guedes, havia feito em abril, quando foi alvo de duras críticas.
Os sinais positivos estão levando a uma revisão das projeções para o PIB do ano. O próprio BC trabalha com uma retração de 6,4%, inferior ao estimado por organismos internacionais, que varia de queda de 6% a 7,4% da OCDE a 8,1% do Banco Mundial e 9,1% do Fundo Monetário Internacional (FMI). Mário Mesquita escreveu que, se a contração do segundo trimestre, apesar de significativa, for realmente menos intensa do que se previu, o resultado do ano será mais moderado, com queda entre 4% e 5%, dependendo de “um não recrudescimento da pandemia no segundo semestre do ano”.
Não só a evolução da pandemia do novo coronavírus e a falta de uma política nacional de enfrentamento da doença colocam em dúvida as projeções mais otimistas. Há a preocupação com a saúde das empresas dada a persistência da crise; e, principalmente, com o mercado de trabalho, cujo fundo do poço parece estar mais embaixo.
Também em relação ao mercado de trabalho as informações tradicionalmente acompanhadas não refletem toda a realidade.
Levantamento mais recente do IBGE mostrou que a taxa de desemprego ficou em 12,9% no trimestre encerrado em maio, em comparação com 12,3% de abril. Os informais foram especialmente afetados. Outros números mostram um quadro mais conturbado.
Houve uma redução de 7,8 milhões de pessoas ocupadas, sendo cerca de 2,5 milhões com carteira de trabalho assinada, entre maio e março, quando se compara a igual período de 2019.
Do total de 173,6 milhões de pessoas em idade de trabalhar (todos os maiores de 14 anos, incluindo desalentados, estudantes e donas de casa), há mais gente fora do mercado, 50,5% do que trabalhando, pela primeira vez na série história iniciada em 2012. Dados do IBGE mostram que 18,16 milhões de pessoas gostariam de trabalhar, mas não procuravam oportunidades por causa da pandemia ou devido à falta de vagas.
Mesmo com a prorrogação, o auxílio emergencial não vai compensar a perda de renda população. O consumo privado, que vinha impulsionando o PIB, não contará como sustentação, tornando lenta a recuperação.
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