Insuflar
a desconfiança nas eleições é tática dos políticos populistas para se manter no
poder a qualquer custo
A
democracia começa a ter um sério problema quando os vencidos numa eleição
contestam os seus resultados. Embora sejam muitas as condições que asseguram
a estabilidade do
sistema, a escolha dos governantes pelo voto —com as instituições garantindo a
lisura do jogo— e a aceitação do desfecho por todos os competidores formam o
alicerce da ordem democrática.
Em
2014, um desatinado Aécio Neves se recusou a ouvir a voz das urnas favorável a
Dilma Rousseff e abriu caminho para a crise política que culminaria com a
ascensão da extrema direita ao poder quatro anos depois.
É cedo para dizer como estará o país em 2022. A pandemia e a crise econômica, agravadas por um assombroso desgoverno, tornam fútil qualquer exercício de previsão eleitoral. Mas, hoje como hoje, pelo menos um candidato ao Planalto parece ter um plano pronto.
Prevendo
o fracasso provável de sua gestão sem rumo e sem compromisso, Jair Bolsonaro
trata de reduzir a frangalhos o processo
eleitoral. Para tanto, lança suspeitas descabeladas sobre a lisura do
registro e da contagem de votos depositados na urna eletrônica. E quer fazer
crer que, não fosse a fraude, teria saído vitorioso já no primeiro turno. Nunca
apresentou nem sequer um fiapo das provas que alega ter. Pode parecer mais uma
de suas efervescências, como a campanha contra as lombadas nas rodovias, mas
não é.
Insuflar
a desconfiança no mecanismo democrático de escolha dos governantes faz parte da
caixa de ferramentas dos políticos populistas, a fim de se manter no poder a
qualquer custo, mesmo sem votos para tal. É assim que alimentam seus seguidores
sempre prontos a consumir receitas conspiratórias da política. Foi o que fez
Donald Trump, é o que faz o seu adepto Bolsonaro.
Só
que o brasileiro não se limita àquela manobra mambembe. Enquanto dissemina
suspeitas vazias, trata de agradar aos militares —com gestos de apreço, cargos
em diversos escalões do governo e atendimento de demandas corporativas—, na
expectativa de ter ao seu lado, na hora certa, as Forças Armadas. Eis aí um
sistemático investimento em cooptação, cujo retorno ainda se desconhece, mas
que a nação deve temer.
Em
recente entrevista ao jornal Valor, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) fez um
apelo à autonomia das instituições representativas e ao imperativo político de
desvincular as três Armas deste governo. Ele sabe o que diz: o roteiro para o
golpe é cristalinamente claro. Pode resultar num circo de horrores, como o que
se instalou em Washington na semana passada. Mas pode também acabar numa
tragédia nacional.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Nenhum comentário:
Postar um comentário