- O Globo
Como
um Nero dos nossos tempos, o presidente Trump criou um tumulto social,
incendiou o país com mentiras e ficou no Salão Oval vendo o fogo cercar as
instituições americanas. O Brasil pode apenas observar ou pode se proteger.
Esse é exatamente o plano do presidente Bolsonaro e por isso ele alimenta desde
2018 a teoria conspiratória em torno da urna eletrônica, das leis eleitorais do
país, do STF. Ele planta para colher o que vimos ontem acontecer em Washington.
A
democracia americana tem regras complexas de apuração da vontade popular, mas
tem instituições fortes dispostas a manter que a Constituição seja respeitada.
Por isso, o sistema derrotou a tentativa de golpe disparada pelo presidente da
República. Trump usou todos os poderes da presidência para atacar a
Constituição.
As
cenas vistas ontem na capital americana foram chocantes. Trump decidiu levar o
país à beira do colapso institucional. Esse é o modelo do presidente
brasileiro. Bolsonaro sempre desprezou a democracia, arma seus seguidores e os
estimula a se levantar contra os governadores. Bolsonaro se prepara e ensaia
diante de nossos olhos. E ontem vimos a dimensão do precipício.
Os acontecimentos de Washington mudaram a natureza da eleição na Câmara brasileira. Devemos imaginar o improvável, porque ele acontece. Imagina o que Bolsonaro poderá fazer se tiver as presidências das duas Casas na mão? O Congresso deve refletir sobre essas cenas. Elas foram fruto da negligência diante das seguidas ameaças feitas por Trump. Um líder deletério e sem apreço pelas instituições tentou encurralar a consolidada e sólida democracia americana. É melhor que as autoridades brasileiras aprendam com o que houve. A polícia foi extremamente negligente, o Departamento de Defesa negou o pedido da prefeita de acionar a guarda nacional para proteger o capitólio. Aqui, Bolsonaro distribui mimos para militares e cultiva a fidelidade da Polícia Militar. Ignorar os riscos é o maior risco.
Quem
plantou todo o conflito e conspirou contra a democracia americana foi Donald
Trump. Insistentemente, através dos seus tweets e discursos, ele estimulou
extremistas, como fez com os racistas radicais, Proud Boys, mandando-os ficar
de prontidão. Eles ficaram. Nos últimos dias Trump várias vezes convocou seus
seguidores para a “batalha do dia seis”. Ontem, Trump disse que eles deveriam
marchar para o Capitólio. Eles entraram no Congresso para vandalizá-lo. E mesmo
quando finalmente pediu que os manifestantes voltassem para casa Trump mentiu
sobre a eleição.
Há
muito que o Brasil deve aprender com os terríveis eventos de ontem em
Washington. Bolsonaro alega que houve fraude na eleição que ele ganhou. O que
fará se perder em 2022? O sistema político terá força suficiente para enfrentar
um ataque de um homem que vem conspirando contra a democracia desde o primeiro
dia no Planalto? Ele participou dos atos antidemocráticos em que manifestantes
pediam o fechamento do Congresso e do STF.
Os
autocratas agem assim. Repetem mentiras sejam quais forem as evidências em
contrário. Solapam a confiança nas instituições democráticas. Ignoram as leis.
Respeitam apenas as eleições que eles ganham. E uma vez no poder usam toda a
estrutura para permanecer.
Trump
ontem na Casa Branca, cercado da família e dos áulicos, viu o incêndio que ele
havia ateado no país. Era dia de o vice-presidente presidir a sessão protocolar
para confirmar a decisão do Colégio Eleitoral, que, após o voto popular, elegeu
Joe Biden e Kamala Harris como presidente e vice-presidente do próximo mandato.
Houve momentos de reafirmação da democracia, como o discurso do senador Mitch
McConnell alertando que anular a decisão dos eleitores imporia um dano
permanente à democracia americana. Os eleitores também falaram de novo, na
Geórgia, e deram a Biden as duas cadeiras que faltavam para o controle do
Senado. Uma delas será de Raphael Warnock, primeiro negro a ser senador pelo
estado.
O Brasil deve olhar com seriedade tudo o que houve ontem. Um presidente que mente durante anos e sabota as bases da República um dia usará seus poderes contra o país. Precisamos fortalecer as defesas da democracia brasileira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário