Desafio
das instituições democráticas é evitar nova década perdida no País
A
crise atual é grave, mas será ainda mais perversa se não tirarmos lições dos
erros e também dos acertos.
Começando
pelos acertos, o Legislativo não
ficou paralisado. Além das medidas anticrise, foram aprovadas reformas – marco
do saneamento básico, lei de licitações, nova lei de falências – e outras
tantas avançaram – lei do gás, marco legal de cabotagem e independência
do Banco Central.
A Câmara, liderada por Rodrigo Maia,
teve importante papel em frear centenas de iniciativas irresponsáveis, que iam
desde suspender o pagamento de contas de consumo à proibição de cobrança de
juros pelos bancos. Medidas que desorganizariam a economia e pesariam nas
contas públicas. Agravariam a crise e deixariam um rastro de insegurança jurídica.
O Congresso tampouco
deu ouvidos a recomendações equivocadas de política econômica, como a de
permitir o financiamento dos gastos públicos com emissão monetária. A PEC do
orçamento de guerra proveu maior poder de ação ao Banco Central de forma
prudente. A aceleração recente da inflação serve de alerta contra propostas
inadequadas para um país emergente com graves problemas fiscais.
Houve muitos acertos do Banco Central, no timing e no desenho das medidas para injetar liquidez no sistema monetário e, de forma inédita, elevar substancialmente a capacidade de empréstimo dos bancos, medida que ultrapassou R$ 1,5 trilhão. Além disso, teve participação nas políticas de socorro a empresas. Também merece destaque o avanço da agenda estrutural, como o lançamento do Pix – desconhecido por Bolsonaro. O prêmio internacional de “presidente de Banco Central do ano” recebido por Roberto Campos Neto diz muito.
Os
bancos contribuíram para o bom funcionamento do mercado de crédito. O setor
reagiu bem às políticas governamentais. Houve expressivo aumento da repactuação
de dívidas e do chamado crédito direcionado, que inclui as medidas de socorro
governamental, com destaque para o crédito a micro, pequenas e médias empresas.
Na
recessão anterior, os bancos foram muito conservadores. A frágil situação das
empresas foi agravada pela falta de crédito, aprofundando a crise. Lições foram
aprendidas. O aumento do estoque de crédito livre em novembro estava em 17% na
comparação anual (25% na pessoa jurídica), ante recuo de 3% no biênio 2016-17
(queda de 12% na PJ).
Moral
da história: aqueles muitas vezes vistos como “vilões” tiveram importantes
acertos. Congresso, Banco Central e bancos foram parte da solução.
Já
os erros foram bastante discutidos ao longo do ano, a começar pela gestão da
saúde, que deixa uma sensação de que 2020 não acabou. Sem vacinação, a
incerteza da recuperação da economia é grande, com graves consequências
sociais. As medidas de socorro a indivíduos e empresas expiram, mas a doença,
não.
O
baixo crescimento torna a economia mais vulnerável a choques. Não convém se
iludir com a projeção de crescimento de 3,4% em 2021 das instituições
financeiras. Ela embute um quadro de estagnação, pois a cifra reflete basicamente
o que os economistas chamam de carrego estatístico – uma combinação de base de
comparação baixa (a média de 2020) e ponto de partida mais elevado por conta da
recuperação no último semestre.
Do
lado fiscal, as falas do presidente revelam grande incômodo com as restrições
orçamentárias e, ao mesmo tempo, indisposição para avançar com reformas
estruturais, mesmo em meio à crise, que costuma ser estímulo para enfrentar o
custo político de reformas. Aumentou a chance de “furo” do teto de gastos, o que
implicará mais incertezas, ainda que não a ponto de haver um choque de juros
pelo BC este ano.
Apesar
dos riscos para 2021, essa não é a maior preocupação, mas, sim, um governo que,
ao não agir à altura dos desafios, coloca a cada dia mais um tijolo na construção
de outra década perdida.
Impedir
esse cenário é o grande desafio das instituições democráticas, contendo
retrocessos, promovendo o debate público, reconhecendo erros e acertos e
construindo alternativas políticas para o futuro.
*Consultora e doutora em economia pela USP
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