quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

O Bolsonaro de sempre – Opinião | O Estado de S. Paulo

Se o presidente está mesmo convencido de que o Brasil está quebrado e não pode fazer nada, é imperioso – para o bem do País e dos brasileiros – que renuncie o quanto antes

No segundo dia útil do ano, o presidente Jair Bolsonaro deixou claro que não se pode alimentar nenhuma esperança em relação a seu comportamento. Ele continuará exercendo o mesmo papel paradoxal que assumiu ao longo dos dois primeiros anos de mandato: o de governante que, em vez de construir, destrói – e ainda se faz de vítima. “O Brasil está quebrado, chefe. Eu não consigo fazer nada”, disse Jair Bolsonaro, na terça-feira passada, a um apoiador na saída do Palácio da Alvorada, como desculpa pelo fato de não ter cumprido a promessa de alterar a tabela do Imposto de Renda.

Destaca-se, em primeiro lugar, que a fala desastrada não foi simples deslize verbal. Ela está em total consonância com o modo pelo qual Jair Bolsonaro vem se referindo, desde a posse, ao seu governo e à sua incapacidade de governar. No primeiro semestre de 2019, por exemplo, o presidente da República divulgou um texto em que afirmava ser o País “ingovernável” e “disfuncional”.

Diversas vezes, Jair Bolsonaro admitiu sua falta de eficácia no Congresso. “Realmente eu não consigo aprovar o que eu quero lá”, disse, por exemplo, em fevereiro do ano passado. É no mínimo excêntrico que um presidente da República proclame, desde a aurora de seu mandato, sua ineficiência e inaptidão para o cargo. Fica evidente o intento de se apresentar como vítima, como alguém que deseja a todo custo se esquivar de sua responsabilidade.

Mas o problema não é apenas que o presidente Bolsonaro seja incapaz de cumprir suas promessas – o que, não raro, é um benefício ao País. O grave é que Jair Bolsonaro, além de não construir, faz questão de destruir o que está de pé. Tal ímpeto demolidor ficou evidente, por exemplo, na declaração de terça-feira.

O País luta contra uma grave pandemia. Não se sabe quando haverá vacina para os brasileiros. O desemprego alcança taxas alarmantes. A economia tenta a duras penas se aprumar. E o presidente da República vem dizer que o Brasil está quebrado? Haja irresponsabilidade. Haja insensibilidade.

A quem se apressou a dizer que a fala de Jair Bolsonaro não causou nenhum prejuízo – teria sido apenas uma metáfora, perfeitamente entendida por quem tinha de entender –, o retorno antecipado das férias de Paulo Guedes pode ajudar a mostrar que as coisas são um pouco mais complexas. O ministro da Economia foi convocado às pressas para uma reunião ministerial, ocorrida ontem no Palácio do Planalto, precisamente para tratar dos desdobramentos da declaração presidencial.

Além disso, não cabe atestar agora, de imediato, a tal ausência de danos para o País, e sim nas próximas negociações da dívida pública. Certamente, os negociadores do governo não ficaram felizes com o presidente da República declarando que o Brasil está quebrado. Nas próximas rodadas, o trabalho desses profissionais será mais difícil. Ao menos, terão de explicar por que o governo continua tendo condições de arcar com seus compromissos mesmo tendo à frente do Executivo quem não arca com a responsabilidade de suas falas.

Se o presidente Jair Bolsonaro está mesmo convencido de que o Brasil está quebrado e de que ele não pode fazer nada, é imperioso – para o bem do País e dos brasileiros – que renuncie o quanto antes. Não há lugar para um presidente da República assim amuado, a fazer-se de vítima na porta do Palácio da Alvorada perante seus apoiadores.

Sempre, mas especialmente na atual situação, com a pandemia e a crise social e econômica a assolar as famílias brasileiras, o que o País precisa é de um presidente da República brioso, que assuma valentemente suas responsabilidades. Entre elas, a de cuidar do que fala.

O Brasil tem muitos desafios a serem enfrentados e muitas reformas a serem feitas. O caminho é longo e não há tempo a perder. Se o presidente Jair Bolsonaro vê que em nada pode contribuir, não basta que ele admita em voz alta sua irrelevância. É tempo de ele encontrar uma ocupação mais afeita às suas aptidões. A Presidência da República exige responsabilidade de quem a exerce, uma vez que seus atos e suas falas têm consequências.

Um país em frangalhos – Opinião | O Estado de S. Paulo

A Venezuela hoje é um país sem perspectivas alvissareiras no futuro próximo

A Assembleia Nacional, último foco de resistência institucional à ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela, ruiu oficialmente na terça-feira passada, quando os parlamentares eleitos em 6 de dezembro tomaram posse. Com uma bancada de 256 das 277 cadeiras da Assembleia – número inflado em 66% no ano passado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), leal ao ditador –, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) e seus aliados dominarão a Casa pelo período 2021-2026.

No farsesco ato de posse, os chavistas ergueram os retratos de Simón Bolívar e de Hugo Chávez em local de destaque na sede do Parlamento. O júbilo era o de quem finca bandeira para demarcar a conquista do último território rebelado antes da vitória em uma guerra. Não era para menos. Com o controle dos Poderes Executivo e Judiciário, das Forças Armadas, de milicianos arregimentados a soldo pelo regime e, agora, do Poder Legislativo, Nicolás Maduro se torna ainda mais forte. E quanto mais forte é a ditadura chavista, pior para o povo venezuelano, alquebrado que está por uma crise que há muito tempo já deixou de ser política para se converter em uma calamidade moral e humanitária, a mais grave a ocorrer na América Latina em décadas.

A conquista da Assembleia Nacional pelos chavistas decorre de uma eleição forjada, como todas as que têm ocorrido no país para dar um verniz de democracia no que é uma tirania. O pleito não teve a participação de partidos de oposição a Maduro, que se recusaram a tomar parte da farsa, e não foi reconhecido pela União Europeia, pelos Estados Unidos e pelos países que compõem o Grupo de Lima, entre os quais o Brasil.

Em nota, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, rejeitou a composição do Parlamento que tomou posse no dia 5 passado por considerá-la “ilegítima”, qualificando como “farsa” o pleito que garantiu a retomada do controle do Poder Legislativo pelo chavismo. O Grupo de Lima adotou o mesmo tom. Em uma declaração conjunta assinada por Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, Paraguai, Peru e representantes da oposição venezuelana, o grupo destacou que “essa Assembleia Nacional ilegítima é produto das eleições fraudulentas de 6 de dezembro de 2020, organizadas pelo regime ilegítimo de Nicolás Maduro”.

Enquanto parlamentares chavistas tomavam posse na sede da Assembleia Nacional, em Caracas, em uma cerimônia virtual, os parlamentares da oposição davam posse a Juan Guaidó como presidente de uma espécie de “Assembleia Nacional paralela”. Embora já fosse reconhecido pelo Grupo de Lima, pela União Europeia e pelos Estados Unidos como o presidente encarregado da Venezuela, é pouco provável que Guaidó possa fazer muito mais do que já vinha fazendo, ou seja, denunciar as arbitrariedades do regime chavista, tanto em seu país como no exterior. Na verdade, a União Europeia já o trata não como chefe de Estado, mas como “importante membro da oposição”.

Desafortunadamente, a Venezuela hoje é um país em frangalhos, um país sem instituições sérias, sem um governo orientado pelo interesse público e, o que é ainda pior, um país sem perspectivas alvissareiras no futuro próximo. O sofrido povo venezuelano está à mercê de uma ditadura implacável com opositores, insensível às aflições de uma massa de miseráveis e muito confortável em suas posições de poder enquanto potências como a China e a Rússia continuarem apoiando o regime, assim como os militares que traíram seus compromissos legais e morais para dar sustentação a um facínora como Maduro.

Há quem nutra a esperança de que a posse de Joe Biden como presidente dos Estados Unidos, no próximo dia 20, possa dar um novo impulso às negociações que levem a uma transição pacífica de poder na Venezuela. É esperar para ver. Fato é que a situação do povo venezuelano é tão dramática que qualquer facho de luz que o leve ao fim desse túnel de terror em que está encurralado há tanto tempo não pode ser desprezado.

A causa do despreparo da população – Opinião | O Estado de S. Paulo

Carência de qualificação é culpa de quem faz do sistema educacional brasileiro terra arrasada

Em mais um tortuoso monólogo pronunciado no cercadinho do Palácio da Alvorada, quando fala para convertidos e opina sobre as mais variadas questões, o presidente Jair Bolsonaro atribuiu o alto índice de desemprego à falta de preparo da população. Em novembro, o desemprego bateu novo recorde, atingindo 14 milhões de brasileiros, e a taxa de desocupação da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid-19, do IBGE, atingiu 14,2% – a maior desde que esse levantamento começou a ser feito.

Desordenada como sempre, a fala de Bolsonaro misturou temas como crescimento de ações trabalhistas, importação de serviços e dificuldades enfrentadas por empregadores, o que faz com que “ser patrão é uma desgraça”. O denominador comum, porém, foi o despreparo da mão de obra. “Então, é um país difícil de trabalhar. Quando fala em desemprego, né, vários motivos (sic). Uma parte considerável não está preparada para fazer quase nada.”

Em princípio, a premissa de que parte Bolsonaro é correta. No último Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, por exemplo, a ênfase foi em interpretação de textos e o Brasil ficou entre as 20 últimas posições do ranking. O levantamento mostrou que só 2% dos estudantes brasileiros souberam separar fatos de opiniões, o que é vital para o desenvolvimento do pensamento crítico. Dados oficiais revelam que, em 2019, 30% dos jovens com até 25 anos não terminaram o ensino médio. Dos que concluíram, menos da metade conseguiu entrar num curso superior. Ou seja, são poucos os jovens preparados para ganhar a vida.

O que Bolsonaro não disse é que ele tem uma alta dose de responsabilidade por essa situação. Desde que chegou à Presidência, ele vem desmontando o setor educacional. Em vez de tratar a educação como política de Estado, ele a trata como política de governo, desprezando as opiniões de pedagogos, formulando programas com enfoques religioso e ideológico, perdendo tempo com discussão sobre indumentária escolar e entregando cargos estratégicos a amadores. Também deixou os Estados à própria sorte após a pandemia, sem articular a substituição do ensino presencial pelo ensino remoto. E, além de ter nomeado quatro ministros da Educação em dois anos de mandato, tumultuou o calendário do Enem e ainda transferiu para o setor de infraestrutura recursos do ensino básico, para gáudio do Centrão governista.

Em momento algum o governo Bolsonaro ouviu as advertências de ONGs educacionais, de especialistas em ensino básico, de membros do Conselho Nacional de Educação e de dirigentes de organismos multilaterais sobre o fosso que o País está cavando por negar às novas gerações a formação escolar de que precisam para obter colocação profissional num período de intensas transformações tecnológicas. Nestes dois anos, em momento algum o governo relacionou ensino com redução das desigualdades sociais, educação com padrão de vida e formação escolar com potencial produtivo dos jovens. As autoridades governamentais nem sequer comentaram um estudo que o Banco Mundial apresentou no fim de 2020, informando que, por causa do baixo nível de aprendizagem dos adolescentes e dos jovens brasileiros, eles ingressarão no mercado de trabalho nos próximos anos com apenas 55% do seu potencial produtivo desenvolvido.

Diante da intensidade das mudanças nas técnicas de produção, que estão reconfigurando o mundo do trabalho, só terão vez os jovens com formação especializada e capacitação técnica – requisitos que o governo Bolsonaro não oferece por absoluta inépcia administrativa. O impacto que essa incompetência monumental terá na educação poderá causar não só a ampliação da informalidade, mas o aumento da exclusão social e a elevação da criminalidade. Como a educação é um investimento de longo prazo, cujos efeitos sociais e econômicos se convertem em patrimônio da sociedade, Bolsonaro deveria ter tido mais cuidado quando atribuiu o desemprego ao despreparo da população. Se parte significativa dela carece de qualificação, a culpa é de quem vem, desde sua posse, fazendo do sistema educacional brasileiro terra arrasada.

Invasão e morte no Capitólio traduzem risco à democracia – Opinião | O Globo

Tentativa de Trump dar o golpe na contagem de votos foi frustrada, mas preço para país será altíssimo

Não era novidade que Donald Trump não saberia perder. Mas o que se viu ontem em Washington, com uma morte em meio à confusão e à pancadaria no Capitólio — sede do Legislativo e símbolo da democracia americana —, superou as previsões mais mirabolantes feitas depois da derrota dele para o democrata Joe Biden em novembro. Foi praticamente uma tentativa de golpe de Estado na democracia mais longeva do planeta. Até o momento, felizmente frustrada,

A invasão do Capitólio por manifestantes trumpistas, enquanto o presidente derrotado lançava palavras de ordem e incitava uma massa de apoiadores num comício lá perto, marca o nível mais baixo a que o sistema democrático desceu no país desde pelo menos a disputa de 1876 entre o republicano Rutherford Hayes e o democrata Samuel Tilden.

Aquela eleição foi decidida por apenas um voto no Colégio Eleitoral, depois do compromisso que deu a vitória a Hayes e encerrou o período da Reconstrução que sucedeu a Guerra Civil no Sul do país. O resultado, até hoje objeto de controvérsia, deu origem à emenda constitucional que rege o convoluto processo eleitoral americano e às regras para a contagem dos votos do Colégio Eleitoral.

Com base nelas, a vitória de Biden é incontestável. Os votos dos delegados eleitos em 3 de novembro foram confirmados por todos os 50 estados. Fracassaram mais de 60 tentativas de rever o resultado das urnas na Justiça, inspiradas nas fantasias de fraudes infladas por Trump. A Suprema Corte nem quis examinar a questão.

Mas Trump ainda tinha uma última carta na manga. Acreditava ser capaz de cancelar os votos de estados em que fora derrotado na hora em que fossem oficialmente contados, na sessão conjunta do Congresso marcada para ontem. Para isso, contava com a cumplicidade de senadores republicanos, que contestariam a legitimidade dos delegados de tais estados, e do vice-presidente Mike Pence, que deveria desprezar tais votos ao proceder à contagem.

Pence se recusou a participar da farsa e, quando a primeira lista de votos contestados — do Arizona — era examinada pelos congressistas, a massa de trumpistas rompeu o cerco policial e invadiu o Capitólio. A polícia legislativa se viu obrigada a retirar Pence do recinto. A sessão que sacramentaria a vitória de Biden foi suspensa.

Ao mesmo tempo, a apuração do segundo turno de duas disputas na Geórgia consolidou a conquista de mais duas cadeiras e o comando democrata no Senado. Os republicanos saem das últimas disputas eleitorais sem a Presidência e sem maioria em nenhuma das Casas do Legislativo.

Eis o preço que o partido de Abraham Lincoln paga por ter investido num líder narcisista, autoritário, sem apreço pela verdade nem escrúpulos para manter o poder. Para o país, o preço é ainda maior. Democracias mais frágeis que a americana a esta altura já teriam ruído. Trump demonstra que mesmo as mais sólidas não estão protegidas.

Bolsonaro não é um espectador num ‘país quebrado’ — pode fazer muito – Opinião | O Globo

Presidente deveria é se dedicar ao trabalho pelas reformas que reequilibrarão as contas públicas

Num daqueles comentários sob medida para agradar as milícias digitais e a claque do Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro disse que não “pode fazer nada” no governo porque o Brasil “está quebrado”. É preciso reconhecer que ele tem certa razão no diagnóstico. Com seu jeitão meio tosco, Bolsonaro tocou no nervo exposto do Estado brasileiro.

É uma discussão acadêmica, de semântica econômica, se a palavra “quebrado” é adequada para descrever a situação das contas públicas. Basta constatar o vermelho escuro que tomou conta do resultado primário desde 2014 ou verificar a explosão da dívida pública para entender que, sem nenhuma dúvida, a crise fiscal restringe a capacidade de ação do governo.

O problema é Bolsonaro comentar o assunto como se fosse mero espectador ou analista de conjuntura. Não é. A fala reflete a tentativa de se eximir da responsabilidade pelo que não fez até agora. Há toda a agenda de reformas prometida na campanha que ele deveria ter tocado. Até agora, pouco — se algo — foi feito. E não falta o que fazer. Se está preocupado com as contas públicas, pois então, após a escolha do presidente da Câmara, que libere sua bancada do Centrão para ajudar na tramitação das propostas de emendas e projetos de lei que podem recolocar as finanças públicas na trilha certa.

A inapetência do presidente por reformas que ponham o país na trajetória do crescimento é visível desde que tomou posse. O que mais o atrai é o que fez durante 28 anos na Câmara: discursos radicais, agrados a suas antigas bases entre policiais e militares e o tratamento de adversários políticos como inimigos pessoais. Não despiu essas vestes ao colocar a faixa presidencial.

Com dois anos de governo e todos os poderes que a Constituição lhe concede, dizer que nada pode fazer em meio à crise da pandemia chega a ser escárnio. A única reforma que realizou, a da Previdência, foi iniciada pelo antecessor, Michel Temer, e concluída depois de Bolsonaro ter trabalhado contra ela, ao pressionar por alterações que beneficiassem policiais e militares.

Depois, não fez nada porque não quis. Retardou quanto pôde o envio da reforma administrativa ao Congresso. Demorou a despachar as PECs necessárias para controlar as despesas e liberar recursos que poderia usar se quisesse cumprir outras promessas. No campo tributário, o desprezo pela discussão já avançada no Congresso contribuiu para que nada fosse feito. Não faz sentido falar em alterar alíquotas do Imposto de Renda isoladamente, fora de uma reforma tributária ampla. Falta a Bolsonaro visão de conjunto. Se quiser mesmo pôr em prática tudo aquilo que prometeu e não fez na economia, um bom começo seria trabalhar pelas reformas. Falar menos e fazer mais.

Presidente quebrado – Opinião | Folha de S. Paulo

País não está falido; espera-se que Bolsonaro tenha só apontado limites fiscais

Fosse Jair Bolsonaro um presidente levado a sério, sua declaração apocalíptica —”o Brasil está quebrado, e eu não consigo fazer nada”— poderia ter consequências mais graves para a credibilidade do país.

O chefe de Estado, afinal, deveria assumir o papel de principal responsável por transmitir confiança nos rumos e na solvência da nação e de seu governo, seja para a população a que serve, seja para os agentes econômicos e a comunidade internacional.

Sendo Bolsonaro o que é, resta tomar a afirmação apenas como um triste indicador de que o presidente admite, ou mesmo aprecia, a condição de nulidade descompromissada. A segunda parte de sua sentença, como se percebe, é mais verdadeira que a primeira.

O Brasil não está quebrado —e nem mesmo o setor público, ao qual o ministro Paulo Guedes disse que o chefe se referia.

Há, sem dúvida, uma profunda crise orçamentária, cujos efeitos se agravaram nos últimos seis anos. Entretanto o governo dispõe de crédito para financiar seus déficits, e o país mantém suas transações com o restante do mundo.

Isso se deve a esforços persistentes de antecessores de Bolsonaro, que a duras penas instituíram normas e práticas como a Lei de Responsabilidade Fiscal, as metas de inflação, o câmbio flutuante, o acúmulo de reservas em moeda forte e o teto para os gastos federais.

É justamente o atual governo que ameaça paralisar o processo de ajustes e reformas econômicas. O presidente de fato não consegue fazer nada —ele nem sequer tenta algo de proveitoso. É mais cômodo culpar a mídia por sua impotência, a baixa qualificação de brasileiros pelo desemprego, as leis de mercado pela falta de seringas.

Em seu mandato, a essencial reforma da Previdência avançou graças ao protagonismo do Congresso, enquanto o Planalto dava mais atenção a interesses corporativistas de militares e policiais.

Fora isso e alguns progressos pontuais, como o novo marco do saneamento, pouco ou nada se viu da agenda de Guedes. Privatizações continuam a ser prometidas para o mês seguinte; nas reformas administrativa e tributária, o Executivo nem ao menos é capaz de apresentar alguma proposta sua.

O governo supostamente quebrado editou medida provisória que libera R$ 20 bilhões para a compra de vacinas contra a Covid-19. É devido à irresponsabilidade de Bolsonaro, não às restrições fiscais, que o país se encontra vergonhosamente atrasado na imunização.

Espera-se que a frase do presidente tenha sido, na melhor hipótese, uma maneira coloquial de alertar o eleitorado acerca das dificuldades enfrentadas pelo país. Que o presidente faça sua parte agora.

Inferno pantaneiro – Opinião | Folha de S. Paulo

Relatório indica que parte expressiva das queimadas no bioma foi criminosa

Não pesasse sobre 2020 a cifra de 195 mil brasileiros mortos pela Covid-19, o ano poderia bem terminar lembrado pela hecatombe sobre o Pantanal. Cerca de um terço de sua superfície ardeu em chamas —uma área de 50 mil km², quase do tamanho do Rio Grande do Norte.

No estado de Mato Grosso, onde se localiza a terça parte da planície inundável, a parcela incendiada alcançou nível ainda mais alarmante, de 40%. Foram 21,5 mil km², mais que um Sergipe inteiro.

O Pantanal, com 150 mil km² de extensão no Brasil, é o menor bioma do país, porém se reveste de grande importância pela biodiversidade que concentra e que atrai turistas do mundo todo. Mais de 600 espécies de aves e mil de borboletas podem ser avistadas por ali.

Sua característica ecológica mais marcante está no pulso de enchentes a partir de fevereiro, que alaga até 137 mil km² de terras, mais de 90% da região, ao avançar lentamente do norte para sua porção sul-matogrossense, onde o pico acontece no meio do ano.

Em 2020, estiagem sem precedentes castigou o Pantanal, favorecendo a propagação de incêndios criminosos. Uma forte indicação de que as queimadas surgiam de maneira intencional e delituosa aparece em relatório do Instituto Centro de Vida (ICV), conforme foi noticiado pela Folha.

Segundo o documento, 46% da área incendiada abrange propriedades registradas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), e outros 7%, em assentamentos rurais.

Em outras palavras, terras com ocupantes, ou seja, pessoas que podem ser responsabilizadas por incendiar vegetação, sem licença ambiental, para limpar com fogo áreas desmatadas. Perder controle da queima, em meio a seca sabidamente tão grave, não livra ninguém de responder pela imprudência.

Poucos proprietários terão obtido permissão legal para recorrer à prática. As maiores extensões de incêndios ocorreram entre junho e outubro, quando estavam em pleno vigor normas estaduais e federais de proibição da queima —o governo Jair Bolsonaro editou a sua em 16 de julho.

Conclusão a extrair da tragédia pantaneira de 2020: o poder público parece totalmente incapaz de implementar medidas de proteção ambiental, mesmo quando o desastre lhe bate à porta e contribui para arruinar —além de patrimônio incalculável em flora e fauna— o já mais que chamuscado prestígio internacional do país.

País corre contra o tempo na retomada da educação – Opinião | Valor Econômico

O país está correndo contra o tempo para corrigir a desigualdade e conter a evasão dos estudantes

Um dos maiores desafios deste ano será a reabertura das escolas, após meses de estudos interrompidos ou intermitentes, seriamente prejudicados pela pandemia do novo coronavírus. O problema não é exclusivo do Brasil, mas algumas peculiaridades nacionais tornam a tarefa mais difícil e mais urgente.

Os fundamentos já eram frágeis antes da pandemia. No mais recente exame internacional Pisa, aplicado em 2018 pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em estudantes de 15 anos de 79 países, o Brasil ficou entre os 21 piores. Com metade dos estudantes sem entender o que lê, ficou em 58º lugar em leitura; com apenas 32% capazes de atingir o segundo nível de um total de seis considerados mínimos para a pessoa exercer sua cidadania, ficou em 71º em matemática; e em 67º em ciências.

A pandemia acentuou essas deficiências, em especial entre os estudantes das escolas públicas. Grande parte dos municípios conseguiu colocar de pé alguma espécie de ensino remoto, desde os que recorreram ao rádio e apostilas no Rio Grande do Norte às aulas pela internet na região Sudeste. O que não se sabe exatamente é qual é a eficiência dessa modalidade de ensino, com a qual provavelmente os estudantes terão que conviver ainda durante boa parte deste ano, alternando com o ensino presencial.

Mas já se tem certeza de que o ensino remoto acentua a desigualdade dada às dificuldades dos alunos de baixa renda, sem acesso fácil à internet nem equipamentos adequados. As situações são bastante diversas. Em artigo no Valor (18/12), o professor Naércio Menezes Filho ampliou a análise ao acrescentar aos fatores renda familiar dos alunos e acesso à internet a gestão das redes educacionais. Para responder à questão, ele usou informações apuradas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nas pesquisas Pnad Covid e Pnad Contínua referentes aos Estados do Pará, Ceará e Rio de Janeiro e a nota de matemática na Prova Brasil obtida pelo Estado de residência dos alunos antes da pandemia.

A comparação mostrou que o acesso à internet não é dominante: 90% dos estudantes do Ceará estão realizando atividades escolares, percentual superior aos 80% dos cariocas e aos 50% dos paraenses, apesar de terem uma taxa de acesso à rede de 70%, semelhante à do Pará, e inferior aos 92% do Rio. Mais importante, concluiu a análise, foi a gestão das redes escolares, que foram proativas e fizeram as atividades escolares chegarem aos estudantes. Os cearenses tiveram nota mais elevada na Prova Brasil do que os cariocas, que ficaram à frente dos paraenses. O artigo ressalta ainda que o investimento não influencia o resultado uma vez que Pará e Ceará gastam praticamente o mesmo por aluno, e o Rio despende mais.

Ainda assim, mais recursos ajudam, desde que acompanhados de mecanismos de monitoramento da aplicação do dinheiro e checagem dos resultados. Daí o otimismo com a entrada em vigor neste ano do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

O Fundeb ia acabar no ano passado, sem qualquer gesto em contrário do então ministro da Educação, Abraham Weintraub. Após forte pressão popular junto ao Congresso, foi ampliado, tornou-se perene, e ganhou novos mecanismos graças a uma proposta de emenda à Constituição. A PEC ampliou de 10% para 23% a participação do governo federal na formação do Fundeb que é composto por parcela de impostos recolhidos por Estados e municípios. O aumento do percentual vai ocorrer gradualmente até 2026 e significará reforço estimado em R$ 36 bilhões no fim do período.

Durante sua regulamentação, o Fundeb sofreu duas tentativas de saque de parte dos recursos recém-obtidos. Primeiro, a ala conservadora da Câmara dos Deputados tentou transferir uma parcela para escolas privadas, filantrópicas e confessionais; e, depois, para o Renda Cidadã. Novamente a pressão popular foi eficiente e conseguiu deter as manobras.

Entre as novidades bem recebidas estão a canalização de recursos para a creches e a pré-escola, dada a importância da educação das crianças até seis anos; a nova sistemática de distribuição que alcança municípios antes não beneficiados, e os mecanismos que abrem espaço para a avaliação dos resultados educacionais, embora a regulamentação dessa novidade tenha ficado para 2023. O país está correndo contra o tempo nesse campo, dada a urgência em superar as deficiências de conhecimento existentes, corrigir a desigualdade e conter a evasão dos estudantes.

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