Trump
obteve 74 milhões de votos, dos quais 86% supostamente seriam de eleitores que
não acreditam na vitória de Joe Biden, que foi eleito por 81,3 milhões de
norte-americanos
Exibidas
em tempo real pelas redes de tevê, as cenas da invasão do Capitólio por
partidários do presidente Donald Trump, que os incitou, ao alegar fraude nas
eleições presidenciais e contestar a vitória do democrata Joe Biden — que seria
confirmado na sessão do Congresso —, somente ainda não superaram a deterioração
da política norte-americana nos anos 1960 e 1970 porque o presidente eleito
continua vivo. Entretanto, ninguém pode descartar a possibilidade de Trump ter
tramado um golpe de Estado, por mais inverossímil que isso possa parecer.
Na política norte-americana, é sinuosa a linha divisória entre ficção e realidade. Na trilogia Underwold USA (Submundo USA), o escritor noir James Elrroy, formada pelos romances Tabloide americano (1995), 6 mil em espécie (2001) e Sangue Errante (2011), todos publicados no Brasil pela Record, desnuda os bastidores da política da época. Um time de canalhas conta a história norte-americana, num épico com sinal trocado, em meio aos assassinatos de John Fitzgerald Kennedy, Robert Kennedy e Martin Luther King e o suspeito suicídio de Marilyn Monroe. O sonho americano é visto sob a mira de fuzis e pistolas de ex-policiais convertidos ao crime, membros da Ku Klux Klan, mafiosos e políticos corruptos. A trama se passa no período de crescente envolvimento na Guerra do Vietnã e maior turbulência dos movimentos da esquerda norte-americana, culminando com o impeachment de Richard Nixon.
Os
heróis da trilogia são racistas e reacionários, todos brancos: o mafioso Wayne
Tedrow Jr., capanga do empresário Howard Hughes; Dwight Holly, agente secreto
da confiança de John Edgar Hoover, chefe do FBI; e o ex-policial Don
Crutchfield, que presta serviços de detetive a qualquer causa desonrosa. Elrroy
não separa ficção de realidade, porém, sua versão para a morte de Kennedy é bem
melhor do que a de Oliver Stone, em seu filme JFK. Quem matou Kennedy? Para
Ellroy, há um submundo povoado por mafiosos, agentes do FBI, dançarinas de
strip-tease, fanáticos religiosos, direitistas raivosos e vigaristas que tramou
o crime.
Em
entrevista ao Los Angeles Times, disse: “A conspiração não é o coração do meu
romance; o centro da história é uma espécie de infraestrutura humana dos
grandes eventos públicos, especialmente nesses anos tumultuados da história
norte-americana”. Sua trilogia é o fio da meada para entender de onde surgiu
uma figura tão abjeta como a de Donald Trump e essa militância armada,
truculenta e fanatizada, que, ontem, invadiu o Congresso norte-americano para
impedir a confirmação de Joe Biden como legítimo presidente dos Estados Unidos.
Foi tudo orquestrado e organizado pelas redes sociais, deixando perplexos não
somente os democratas, mas, até mesmo, os parlamentares republicanos.
Ontem,
acompanhando os acontecimentos, o analista político Creomar de Souza,
especialista em política norte-americana, destacou que não existe uma palavra
em inglês para golpe de Estado, expressão cuja origem é francesa: coup d’état.
Talvez porque não exista esse precedente na democracia norte-americana. Mas
existe a palavra secession, que sintetiza a Guerra Civil Americana (1861-1865),
na qual os estados sulistas se confederaram contra o presidente eleito Abraham
Lincoln, liderados pela Carolina do Sul, antes mesmo que ele tomasse posse. A
secessão da Carolina do Sul, em 1860, foi acompanhada pela adesão, entre
janeiro e junho de 1861, de outros estados sulistas: Alabama, Flórida,
Mississipi, Geórgia, Texas, Luisiana, Virgínia, Arkansas, Carolina do Norte e
Tennesse.
Trump obteve 74 milhões de votos, dos quais 86% supostamente seriam de eleitores que não acreditam na vitória de Joe Biden, que foi eleito por 81,3 milhões de norte-americanos. É uma divisão muito profunda, da qual o republicano procura se aproveitar. O que não estava nas suas previsões, porém, é o inédito resultado das eleições para o Senado na Geórgia, que garantiu duas cadeiras para o Partido Democrata, uma delas ocupada por um reverendo negro; com isso, garantiu-se a maioria para Biden nas duas casas legislativas, uma vez que os democratas já controlavam a Câmara. Esse resultado inviabilizou qualquer possibilidade de Trump bloquear a confirmação de Biden no Senado e provocar uma crise institucional mais grave
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