Folha de S. Paulo
As tentativas de proteger Bolsonaro só estão revelando um rabo escondido, com o gato de fora
Nas últimas semanas, a CPI
nos tem brindado com as sôfregas tentativas da tropa de choque
de Jair Bolsonaro de
blindá-lo da acusação de, em plena pandemia, ter feito do Ministério
da Saúde um balcão de negócios assassinos. Se Millôr Fernandes estivesse
entre nós, diria que, por enquanto, essa blindagem só resultou no rabo
escondido, com o gato de fora. Ao ouvir isso, eu, com uma intimidade garantida
por 40 anos de amizade, pediria a Millôr para não meter os gatos nessa
história. Os animais que a povoam são de outra espécie —os ratos, de que o
ratão-mor se cercou nos subterrâneos de seus palácios e do dito ministério.
O verbo blindar nos chegou do alemão “blenden”, através do francês “blinder”. Os ingleses o acolheram como “to blind”. Todos significam a mesma coisa: cegar, ofuscar, embaçar, desbotar. Como as línguas são vivas, blindar gerou também proteger, escudar, defender, revestir, couraçar, tapar. E, numa variante sinistra, tapear, enganar, iludir, ludibriar, entulhar —obstruir.
É no que estão se agarrando os esforçados
senadores que defendem Bolsonaro, perdendo todas até agora. E como não perder?
Deve ser difícil blindar alguém que, com incrível coerência, cercou-se —subitamente
ficou claro— de empresários canastrões, militares suspeitos, juízes
oportunistas, ministros das sombras, intermediários de mutretas e agentes de
propina, sem falar nos valentões da internet e militantes do ódio, todos
deixando suas digitais em tudo que tocam. Como blindar Bolsonaro se os
discursos que proferem são desmentidos pelos vídeos e áudios mais
comprometedores gravados pela turma do patrão?
A avalanche de suspeitas e denúncias de
corrupção só começou. Em breve, não haverá blindagem que chegue, e os aliados
de hoje cairão fora para salvar a vida.
Só será triste se, um dia, Bolsonaro for levado aos tribunais apenas como ladrão —não como genocida.
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