Folha de S. Paulo
Em instantes críticos, como a tramitação de
um impeachment, todos correm para tentar ocupar a melhor posição possível
Não faz sentido a tese, cara à direção da
Câmara, de que é inútil pautar o impeachment porque não há votos para
aprová-lo. Os defensores dessa posição fingem ignorar que a formação de
consensos é um processo dinâmico e não estático. Nem no impeachment
de Collor nem no de Dilma havia votos suficientes quando o pedido
começou a tramitar.
Como já escrevi aqui, deputados são como
anchovas. Durante muito tempo, as movimentações exuberantes e precisas de
cardumes desafiaram os biólogos, que precisavam recorrer à ideia de benefício
mútuo para explicar o fenômeno. Havia, porém, uma dificuldade óbvia: como a
bicharada combinava as manobras?
Quem resolveu a charada foi W.D. Hamilton com o conceito de manada egoísta. Um bom jeito de evitar o predador é pôr-se ao lado de outro exemplar da própria espécie. A chance de ser apanhado cai à metade. Se mais bichos se juntarem, o risco diminui mais. Mas a posição também é relevante. Quem ocupa o centro da multidão está mais seguro do que os que se encontram nas margens.
Assim, se cada anchova agir egoisticamente,
procurando a proteção de estar em grupo, mas buscando posições mais vantajosas,
temos uma explicação matemática para as manobras dos cardumes que não depende
de combinações secretas, mas da ação não coordenada de indivíduos tentando
salvar a pele.
Deputados, como as anchovas, procuram se
dar bem. Não querem ser os primeiros a abandonar o governo, especialmente
enquanto a parceria rende benefícios, mas tampouco querem ser os últimos a
sustentar uma administração sem futuro. Fazê-lo piora a posição do deputado no
próximo governo e pode até envenenar as chances de reeleição.
Em instantes críticos, como a tramitação de um impeachment, todos correm para tentar ocupar a melhor posição possível, produzindo as guinadas dos cardumes. Não dá para saber para que lado a manada vai, mas sabemos que as movimentações ocorrem.
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