O Globo / O Estado de S. Paulo
Ou fazemos algo para reduzir a pobreza ou
continuaremos a ser um país incapaz de entrar na “modernidade”.
Um pouco mais de tempo, em poucos meses,
recomeçam as campanhas eleitorais para a Presidência, para a Câmara dos
Deputados e para o Senado (em âmbito federal). Já se veem os arreganhos: é um
tal de os eventuais candidatos viajarem, de a imprensa falar deles e de alguns
seguidores se animarem que já se pode prever que, nesse aspecto, pouco muda.
O povo, por enquanto, continua preocupado
com o dia a dia: é o salário que é curto, o emprego que pode faltar (e para
muitos já falta), os transportes que custam caro e o ensino cujo custo, quando
o pobre não tem a sorte de conseguir uma bolsa ou de ter acesso a uma escola
pública, assusta os familiares. Nihil novi sub sole...
É quase sempre assim. Mas também é verdade
que em poucos meses a coorte de novas ideias e de esperanças voltará a motivar
o eleitorado. E tomara que seja assim: sinal de que a liberdade e a democracia
prevalecerão.
Haverá mesmo novos caminhos? Tomara. De
qualquer modo, é melhor que haja esperança. E se há uma coisa que persiste em
nosso meio, é essa característica. Se a esperança se frustra, é outro problema.
Dependerá de conjunturas mundiais, de políticas locais e de que se candidatem
pessoas capazes de exercer o poder dando ânimo ao País.
A despeito de tudo, o certo é que, se eu
comparar o Rio de Janeiro do começo dos anos 30, quando eu nasci, com o Rio de
hoje, para não falar de São Paulo quando vim com a família para cá, nos anos
40, com a cidade de nossos dias, a vida melhorou. Para todos? Talvez não. Mas
para a maioria. E olha que eu conheço as favelas do Rio, as casas de cômodos de
São Paulo, os bairros mais pobres de Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre.
Conheço como pesquisador da vida dos negros e como político, que precisa de
votos.
Mas que ninguém se iluda: por mais que haja melhorado, há diferenças gritantes entre as várias camadas da população. Do campo, então, nem se fale – e isso que conheço mais o Sul e o Centro-Oeste do que o Nordeste e a Amazônia, onde, em geral, a situação da pobreza é pior. Sem falar do cansaço que a vida urbana causa aos mais pobres. O País se urbanizou para valer e o sistema de transporte, por mais que se modernize, não diminui o cansaço dos que entram nas filas de espera, nem mesmo o tempo que se consome nos longos trajetos de casa ao trabalho.
Como presidente que fui, conheci muitas
partes do País; como pesquisador, aprendi a olhar e ver as diferenças. Sei que
são grandes e inaceitáveis. E para dar-se conta desse fato não é preciso ser
sociólogo e muito menos presidente. Mesmo em São Paulo, o olhar treinado vê no
centro da cidade os que moram na rua, ou nas escadarias escondidas dos bairros
mais ricos, como Higienópolis. Ou a Zona Sul do Rio, com suas favelas.
Que ninguém se iluda, muito menos os
políticos. Ou bem fazemos algo para reduzir a pobreza e as diferenças de
situação econômico-social, ou continuaremos a ser o que somos: um país com boas
condições naturais e incapaz de entrar, de verdade, na “modernidade”.
Não gosto da última palavra que escrevi,
ela pode ser enganosa. Mas se algo caracteriza os países que chamamos de
modernos é que eles, a despeito de alguns haverem caminhado para o socialismo e
outros se manterem no velho capitalismo de sempre, foram capazes de diminuir as
desigualdades e existem Estados que assistem os que mais precisam.
Nós, no Brasil, caminhamos muito no que se
refere à acumulação de riquezas produtivas, mas ainda falta um longo caminho a
percorrer para que haja de fato mais igualdade. E essa observação vale mesmo em
comparação com a menor desigualdade que foi alcançada nos países capitalistas
da Europa e nos Estados Unidos.
Esse é um limite para nosso crescimento
como nação. Sei que a afirmação pode soar demagógica. Mas, vá lá: pelo menos
pode inquietar os que estão acomodados. A verdade é simples: ou nos esforçamos
para diminuir tamanha desigualdade ou poderá haver ricos no Brasil, existir uma
classe média ampla e acomodada, mas as desigualdades sociais e o sentimento de
injustiça continuarão a perturbar o sentimento dos que não querem tudo para si
e creem que será bom se for melhor para muitos, para a maioria, tanto quanto
possível.
O Brasil possui as condições necessárias
para que seu povo viva com maior bem-estar. Aprendemos a cultivar a terra há
séculos; a industrialização avançou; conseguimos ligar, com estradas que
fizemos, a maior parte do território. Criamos uma base científico-tecnológica
razoável e até mesmo conseguimos dar educação fundamental à maioria dos jovens.
O que falta?
Falta o essencial: que o povo pressione por
seus direitos, que cumpra seus deveres e, sobretudo, que a elite olhe ao redor
de si e tome consciência de que, com tanta desigualdade, a prosperidade
nacional desaparece nas periferias e nos campos. A que existe precisa se
expandir, sob pena de continuarmos a ser o que sempre fomos: um país do futuro,
mas cujo alcance depende de termos a necessária consciência do quanto falta
para sermos, de verdade, “modernos”, isto é, mais igualitários.
O País tem as condições necessárias para
que o povo viva com maior bem-estar. O que falta?
*Sociólogo, foi presidente da República
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