DEU NO VALOR ECONÔMICO
O PMDB está fazendo barulho por cargos, a situação é interpretada como crise na base aliada, mas, convenhamos: o tom de voz está sensivelmente mais baixo do que em outras situações em que o partido - especialmente sua bancada na Câmara - tentava aumentar o seu poder de barganha por cargos no governo federal. Até o previsível deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), posto avançado das chantagens que antecedem as nomeações de ministros, tem evitado de manter uma ofensiva constante contra o governo Dilma Rousseff. A tática tem sido ameaçar e recuar, inclusive aceitando cargos que o partido jurava não aceitar, como a Secretaria de Ações Estratégicas (SAE), comandada agora pelo ex-deputado Moreira Franco. A do governo, parece ser a de adiar as nomeações que faltam para depois da eleição para a presidência da Câmara.
O PMDB é a segunda bancada na Câmara dos Deputados, com 79 parlamentares, atrás somente do PT, que elegeu 88 parlamentares. No total, e sem contar adesões pós-eleitorais, o governo tem uma base de apoio na Casa de 359 parlamentares. Sem o PMDB, a base governista teria 280 deputados - mais do que a maioria qualificada exigida para aprovação de leis complementares, mas menos 28 do que os 308 deputados necessários para aprovação de uma emenda constitucional. Assim como não é difícil rachar o PMDB contra o governo, está longe de ser impossível dividi-lo ao seu favor.
Para o PMDB, é vital dar uma demonstração rápida de força. Tem duas chances relativamente fáceis, daqui até o próximo mês. A disputa pela presidência da Câmara na Era PT tem sido sempre perdida pela divisão interna. Bastam dois postulantes petistas e uma articulação de pequeno grupo de traidores para que se repitam episódios como o da eleição do deputado Severino Cavalcanti (PP), em 2005, que impôs uma derrota histórica no PT ao articular a oposição ao governo e o chamado "baixo clero". A outra manobra de consequências imprevisíveis é o movimento pelo aumento do salário mínimo em nível superior ao estabelecido em medida provisória assinada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no apagar das luzes de seu governo. Nem o próprio PT, que tem uma bancada fortemente disciplinada, consegue fugir ao apelo popular desse tipo de projeto.
Se rachar com o Senado, PMDB perde poder na Câmara
Essas são duas questões em que o PMDB pode demonstrar uma força superior à que efetivamente tem, porque são situações em que a lealdade partidária das outras legendas também pode ser relativa. Nos dois casos, os votos do PMDB são mais valiosos do que em questões onde a negociação é possível, pois consegue envolver os votos da minúscula oposição, do baixo clero e de deputados mais sensíveis a demandas sindicais. Se fizer barulho, o PMDB na Câmara consegue vender as possíveis primeiras derrotas do governo Dilma como se elas tivessem resultado da força do partido, não das dissensões e conveniências pessoais do resto da base aliada.
A questão, portanto, não são as "insatisfações" alardeadas pelo partido à imprensa, mas a ocasião para se vender por um preço que não vale, dentro da coalizão governista. É certo que o partido deu muito mais estabilidade ao segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2007-2010), mas é igualmente correto considerar que, dadas suas características, o PMDB na Câmara obteve a segunda maior bancada porque estava vinculado à popularidade de Lula, nas regiões onde disputava a hegemonia do voto tradicional com o DEM. O ex-PFL, na oposição a Lula, perdeu espaço; o PMDB manteve os seus redutos de política tradicional. Se os dois partidos estivessem em situação inversa, seria o PMDB a entrar em colapso. Ainda assim, saiu dos atuais 90 deputados para os 79 que assumem a nova legislatura no próximo mês - perdeu 11 deputados, enquanto o PT, com ligação mais direta com a imagem de Lula, aumentou nove. E, como a base aliada aumentou em relação à do governo passado, também o seu peso específico na bancada governista diminuiu no governo Dilma.
No governo Dilma, o PMDB torna-se determinante no Senado. O governo sequer consegue maioria qualificada sem os votos dos senadores do PMDB - ao todo, 18, numa base de 57 senadores. Com a ajuda do PMDB, consegue aprovar até emendas constitucionais com relativa tranquilidade.
Na atual situação, embora o PMDB da Câmara tenha conseguido emplacar o vice da presidente Dilma Rousseff, dificilmente consegue algum poder de barganha sem a ajuda da bancada do partido no Senado. A lógica de um partido dividido em interesses de deputados e senadores, que negociavam em separado - e, assim, conseguiam mais cargos e maior poder de barganha -, tem tudo para não funcionar agora. E a prática de impor derrotas para garantir negociações pode ter sucesso apenas relativo, numa Câmara onde o PT, mais os seus tradicionais aliados de esquerda, somam uma bancada considerável de 165 deputados - e os pequenos e venais partidos de direita têm outro tanto e exigem um preço menor pelo voto em plenário.
Daqui até a eleição da Mesa da Câmara - ou, um pouco além, até a votação da MP do salário mínimo - o que vai ocorrer é uma guerra de nervos. O PMDB ameaça impor derrotas a um governo recém-empossado. O governo, por sua vez, segura nomeações para tentar inverter a ordem das coisas: primeiro o teste de lealdade, depois a divisão de cargos. Os dois têm chances de impor uma derrota um ao outro. Este primeiro momento definirá as relações entre governo e PMDB. E é absolutamente legítima (embora pareça irreal) a torcida para que elas sejam as mais republicanas que o PMDB, ao longo de sua história pós-ditadura, conseguiu estabelecer com sucessivos governos.
Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras
O PMDB está fazendo barulho por cargos, a situação é interpretada como crise na base aliada, mas, convenhamos: o tom de voz está sensivelmente mais baixo do que em outras situações em que o partido - especialmente sua bancada na Câmara - tentava aumentar o seu poder de barganha por cargos no governo federal. Até o previsível deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), posto avançado das chantagens que antecedem as nomeações de ministros, tem evitado de manter uma ofensiva constante contra o governo Dilma Rousseff. A tática tem sido ameaçar e recuar, inclusive aceitando cargos que o partido jurava não aceitar, como a Secretaria de Ações Estratégicas (SAE), comandada agora pelo ex-deputado Moreira Franco. A do governo, parece ser a de adiar as nomeações que faltam para depois da eleição para a presidência da Câmara.
O PMDB é a segunda bancada na Câmara dos Deputados, com 79 parlamentares, atrás somente do PT, que elegeu 88 parlamentares. No total, e sem contar adesões pós-eleitorais, o governo tem uma base de apoio na Casa de 359 parlamentares. Sem o PMDB, a base governista teria 280 deputados - mais do que a maioria qualificada exigida para aprovação de leis complementares, mas menos 28 do que os 308 deputados necessários para aprovação de uma emenda constitucional. Assim como não é difícil rachar o PMDB contra o governo, está longe de ser impossível dividi-lo ao seu favor.
Para o PMDB, é vital dar uma demonstração rápida de força. Tem duas chances relativamente fáceis, daqui até o próximo mês. A disputa pela presidência da Câmara na Era PT tem sido sempre perdida pela divisão interna. Bastam dois postulantes petistas e uma articulação de pequeno grupo de traidores para que se repitam episódios como o da eleição do deputado Severino Cavalcanti (PP), em 2005, que impôs uma derrota histórica no PT ao articular a oposição ao governo e o chamado "baixo clero". A outra manobra de consequências imprevisíveis é o movimento pelo aumento do salário mínimo em nível superior ao estabelecido em medida provisória assinada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no apagar das luzes de seu governo. Nem o próprio PT, que tem uma bancada fortemente disciplinada, consegue fugir ao apelo popular desse tipo de projeto.
Se rachar com o Senado, PMDB perde poder na Câmara
Essas são duas questões em que o PMDB pode demonstrar uma força superior à que efetivamente tem, porque são situações em que a lealdade partidária das outras legendas também pode ser relativa. Nos dois casos, os votos do PMDB são mais valiosos do que em questões onde a negociação é possível, pois consegue envolver os votos da minúscula oposição, do baixo clero e de deputados mais sensíveis a demandas sindicais. Se fizer barulho, o PMDB na Câmara consegue vender as possíveis primeiras derrotas do governo Dilma como se elas tivessem resultado da força do partido, não das dissensões e conveniências pessoais do resto da base aliada.
A questão, portanto, não são as "insatisfações" alardeadas pelo partido à imprensa, mas a ocasião para se vender por um preço que não vale, dentro da coalizão governista. É certo que o partido deu muito mais estabilidade ao segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2007-2010), mas é igualmente correto considerar que, dadas suas características, o PMDB na Câmara obteve a segunda maior bancada porque estava vinculado à popularidade de Lula, nas regiões onde disputava a hegemonia do voto tradicional com o DEM. O ex-PFL, na oposição a Lula, perdeu espaço; o PMDB manteve os seus redutos de política tradicional. Se os dois partidos estivessem em situação inversa, seria o PMDB a entrar em colapso. Ainda assim, saiu dos atuais 90 deputados para os 79 que assumem a nova legislatura no próximo mês - perdeu 11 deputados, enquanto o PT, com ligação mais direta com a imagem de Lula, aumentou nove. E, como a base aliada aumentou em relação à do governo passado, também o seu peso específico na bancada governista diminuiu no governo Dilma.
No governo Dilma, o PMDB torna-se determinante no Senado. O governo sequer consegue maioria qualificada sem os votos dos senadores do PMDB - ao todo, 18, numa base de 57 senadores. Com a ajuda do PMDB, consegue aprovar até emendas constitucionais com relativa tranquilidade.
Na atual situação, embora o PMDB da Câmara tenha conseguido emplacar o vice da presidente Dilma Rousseff, dificilmente consegue algum poder de barganha sem a ajuda da bancada do partido no Senado. A lógica de um partido dividido em interesses de deputados e senadores, que negociavam em separado - e, assim, conseguiam mais cargos e maior poder de barganha -, tem tudo para não funcionar agora. E a prática de impor derrotas para garantir negociações pode ter sucesso apenas relativo, numa Câmara onde o PT, mais os seus tradicionais aliados de esquerda, somam uma bancada considerável de 165 deputados - e os pequenos e venais partidos de direita têm outro tanto e exigem um preço menor pelo voto em plenário.
Daqui até a eleição da Mesa da Câmara - ou, um pouco além, até a votação da MP do salário mínimo - o que vai ocorrer é uma guerra de nervos. O PMDB ameaça impor derrotas a um governo recém-empossado. O governo, por sua vez, segura nomeações para tentar inverter a ordem das coisas: primeiro o teste de lealdade, depois a divisão de cargos. Os dois têm chances de impor uma derrota um ao outro. Este primeiro momento definirá as relações entre governo e PMDB. E é absolutamente legítima (embora pareça irreal) a torcida para que elas sejam as mais republicanas que o PMDB, ao longo de sua história pós-ditadura, conseguiu estabelecer com sucessivos governos.
Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras
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