A reação a essas mensagens mentirosas não pode ser o populismo legislativo
No dia 30 de junho, o Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) 2.630/20, que cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, mais conhecida como Lei das Fake News. O projeto foi encaminhado para análise da Câmara. Não há dúvida sobre a necessidade de um marco jurídico adequado sobre o tema, responsabilizando todos os que, por sua ação ou omissão, contribuem para produzir e difundir desinformação. Mas, justamente porque é necessário um marco jurídico adequado, o Congresso deve ter especial prudência na análise do PL 2.630/20, cujo texto aprovado pelos senadores é claramente prematuro.
Vale lembrar, em primeiro lugar, que a legislação brasileira relativa à internet é reconhecida internacionalmente por seu rigor técnico e respeito às liberdades e aos fundamentos da rede. Tal equilíbrio só foi possível porque o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14) e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709/18) não foram aprovados açodadamente. Houve um prévio e longo debate, de anos, sobre o conteúdo de cada uma dessas leis.
O tema é tão delicado que o próprio Congresso, na recente Lei 14.010/20 (que trata do regime jurídico emergencial em função da pandemia de covid-19), adiou a entrada em vigor da Lei 13.709/18. Alguns dispositivos só valerão a partir de agosto de 2021. Não faz sentido atrasar a vigência de obrigações legais já debatidas e aprovadas e, ao mesmo tempo, aprovar correndo, durante a pandemia, uma nova lei com amplos efeitos sobre a internet.
É de destacar também que está em andamento no Congresso a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre as Fake News. Certamente, as conclusões da comissão deverão fornecer subsídios para um debate mais aprofundado do tema. Votar a Lei das Fake News antes de concluir a CPMI das Fake News é pôr o carro na frente dos bois.
Apresentado em maio deste ano, o PL 2.630/20 aborda muitos temas. Com 36 artigos, o texto encaminhado à Câmara regula o cadastro de contas em redes sociais e os serviços de envio de mensagens privadas, institui procedimentos de moderação e de transparência em redes sociais, fixa regras para a publicidade e o impulsionamento de conteúdo, define critérios para a atuação do poder público na internet e estabelece sanções em caso de descumprimento de suas obrigações, entre outros tópicos. Cada um desses assuntos tem diversas implicações, a merecer detida reflexão. Por exemplo, o art. 10 do projeto exige a guarda dos registros dos envios de mensagens, o que afeta a privacidade dos usuários.
Até aqui, a legislação brasileira baseou-se em três pilares: a neutralidade da rede, a liberdade de expressão e a proteção à privacidade.
Seria um erro abandonar esses princípios, seja qual for a motivação. Por isso, é fundamental seguir o caminho trilhado na aprovação do Marco Civil: ampla discussão pública até chegar a uma lei que contemple as necessidades brasileiras, sem deformar a internet.
É natural que, diante de tantas fake news – mensagens mentirosas, criadas para disseminar confusão e causar dano –, haja um clamor popular por limites e sanções. Mas é preciso cuidado. Exigir, por exemplo, que as plataformas tenham poder discricionário para julgar entre “o bem e o mal” pode nos expulsar da internet livre e aberta. Ao mesmo tempo, criar uma instância julgadora que define o que é “verdade”, além de filosoficamente falho, abre as portas para mais controle e põe em risco liberdades fundamentais.
Os princípios originais da internet definem-na como uma estrutura única, abrangente, não excludente e sem um centro de controle. O objetivo da legislação deve ser a proteção desses princípios. Por isso, a reação do Congresso às fake news não pode ser o populismo legislativo, aprovando uma espécie de solução mágica e instantânea que, longe de melhorar o tratamento do assunto, crie novos problemas. A melhor resposta do Legislativo agora é avançar com a CPMI das Fake News, identificando as más práticas, seus produtores e financiadores. A lei deve ser aperfeiçoada.
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