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“Vírus é como chuva. Vai atingir você"
O último gesto de Bolsonaro antes de recolher-se ao isolamento no Palácio da Alvorada não foi de compaixão, mas de indiferença pela vida alheia – no caso, a dos jornalistas que ele escolheu para dar a notícia em primeira mão de que o coronavírus, afinal, o pegou. Contrariando ordens médicas, não manteve distância deles e, por fim, tirou a máscara. Os jornalistas estão de quarentena.
Foi o Bolsonaro de sempre – irresponsável e desprovido de compaixão. E por isso não surpreendeu ninguém, salvo os que torciam por ingenuidade para que ele fosse capaz de apresentar uma face mais humana de governante. Como se Bolsonaro, na verdade, não fosse o que de fato é desde que planejou ataques à bomba a quartéis, perdeu a farda e virou político.
E daí que ele esteja doente? Somente ontem, 48.584 brasileiros engrossaram as fileiras dos 1.674.655 que já tiveram sua infecção pelo Covid-19 confirmada. Foram 1.312 novas mortes em 24 horas, totalizando quase 67 mil. Nem assim se pode “entrar em uma neurose como se fosse o fim do mundo”. Depois da facada, “não vai ser uma gripezinha que vai derrubar” o presidente.
“O vírus está aí. Vamos ter que enfrentá-lo, mas como homem, porra, não como um moleque. Vamos enfrentar com a realidade. É a vida. Todos irão morrer um dia.” Não se pode parar “uma fábrica de automóveis porque há mortes nas estradas”. De resto, admita-se: Bolsonaro abusou da sorte. Acreditou no que quis, e até mesmo no que parecia impossível de acreditar.
Acreditou no efeito milagroso da cloroquina após os Estados Unidos e a Organização Mundial da Saúde tê-la desprezado como droga aplicável na cura da doença. E continua a acreditar a ponto de, já contaminado, prescrevê-la aos que lhe dão ouvidos. Ainda acredita que “uma nação como o Brasil só estará livre [do vírus] quando certo número de pessoas for infectado e criar anticorpos”.
A mistura de ignorância com a fé nos próprios instintos levou-o a valorizar a recuperação da economia em prejuízo da preservação de vidas para manter de pé seu sonho de se reeleger. A ignorância: “O brasileiro tem de ser estudado, não pega nada. O cara pula em esgoto, sai, mergulha e não acontece nada.” A fé: “Se o vírus pegar em mim, não vou sentir quase nada. Fui atleta”
Fez por merecer ser mais uma vítima do vírus a quem concedeu passe livre para que se espalhasse. Se um dia afirmou que ninguém iria “tolher” seu “direito de ir e vir”, e que não viveria “preso no Palácio da Alvorada com problemas grandes para serem resolvidos no Brasil”, perdeu temporariamente o direito, e preso no Alvorada viverá até que se recupere plenamente.
Se não se recuperar… “Eu não sou coveiro, tá certo?”
(Todas as frases entre aspas e em itálico foram ditas por Bolsonaro de março último para cá.)
O efeito tóxico de um presidente que subestimou a pandemia
Corrida por testes
Uns calculam que entre 50 a 60 pessoas se reuniram com o presidente Jair Bolsonaro nos últimos oito dias. Outros admitem que o número pode ultrapassar a marca de 80, a levar-se em conta funcionários dos palácios do Planalto e Alvorada e agentes de segurança. Sem falar das pessoas em que ele tocou em viagens recentes ao Ceará e Minas Gerais.
Enfim, há uma pequena multidão em pânico depois do anúncio de que Bolsonaro contraiu o coronavírus, a quem já chamou de “fantasia”. Só ministros de Estado foram mais de 10. Empresários paulistas, simplesmente os mais importantes que estiveram com Bolsonaro a pedir favores e a elogiar seu bom comportamento de algumas semanas para cá.
Quem parece ter escapado do risco de ter sido contaminado por ele foi a primeira-dama, dona Michelle. Há algum tempo, ela tem se mantido à distância prudente do marido, e quando aparece ao seu lado sempre está de máscara. A avó de Michelle é mais uma vítima do vírus. Internada em uma UTI de Brasília há uma semana, seu estado de saúde não é nada bom.
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