Folha de S. Paulo
Paz dos populistas não vem do respeito às
regras do jogo, mas de negociações feitas a partir do medo
O juiz Samuel Alito foi buscar um raciocínio
exótico para defender a imunidade de ex-presidentes nos EUA. Integrante
da ala
conservadora da Suprema Corte, ele sugeriu que, se um governante
souber que estará sujeito a processos criminais após deixar o cargo, ele terá
um incentivo a mais para tentar melar a eleição e permanecer no poder.
Poderia ser só uma expressão ingênua da reverência exagerada dos americanos pela figura presidencial. Acontece que o tribunal estava julgando se deveria garantir imunidade a um presidente que tentou melar a eleição para permanecer no poder.
A discussão na Suprema Corte tinha nome,
sobrenome e uma tentativa de golpe no currículo. Em seus últimos dias no
cargo, Donald Trump usou
a autoridade presidencial para tentar
reverter resultados eleitorais em estados estratégicos e
instigou uma revolta violenta com o objetivo de continuar no poder. Agora, ele
alega que atos oficiais de um presidente são protegidos por imunidade.
O amparo oferecido por Alito tem um
fundamento mais do que traiçoeiro. Para o juiz, abrir uma brecha na imunidade
presidencial poderia "desestabilizar o funcionamento do país como uma
democracia". Em outras palavras, punir um sujeito que usa o poder para
subverter a democracia seria uma ameaça à democracia.
A linhagem populista de Trump usa o medo como
arma para manter influência e, principalmente, conseguir proteção. A
justificativa para manter o ex-presidente fora da cadeia não é (e nem poderia
ser) seu histórico de respeito às regras do jogo e ao resultado eleitoral, mas
o risco de outros políticos derrotados apelarem para a insurreição.
Da mesma forma, o argumento mais usado a
favor de uma anistia para Jair
Bolsonaro não é sua suposta inocência num plano golpista que
tem todas as suas impressões digitais. Tanto o ex-presidente como personagens
que advogam por um acordo dessa natureza citam com frequência a necessidade
de uma certa "pacificação". A paz dos populistas é
negociada à base de ameaças.
2 comentários:
Texto brilhante! Parabéns ao autor e ao blog que divulga seu trabalho. Este juiz da Suprema Corte dos EUA é PIOR que qualquer dos juízes/ministros do nosso STF! O Elio Gaspari vive elogiando juízes daquela Suprema Corte, mas este é um imbecil completo.
Verdade.
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