Correio Braziliense
O que temos ouvido depois dos tapas e beijos
entre Brasil e EUA tem sido somente beijos, sem deixar marca na cueca, mas, nem
por isso, menos significativos do pensamento das chancelarias
Há duas sextas-feiras, escrevi nesta coluna sobre o encontro entre o presidente Lula e o presidente Trump. Ambos se conheceram, se abraçaram e trocaram cortesias no encontro de 38 segundos. A declaração dos dois foi de que o encontro gerou uma química entre eles; química esta que se desdobrou nas semanas seguintes em declarações de simpatia e de amizade que desembocaram num telefonema de meia hora em videoconferência, combinando um encontro pessoal. Afirmaram que a excelente conversa abriu caminho para o início de negociações para encontrarem uma solução para o problema das taxas altíssimas aplicadas ao Brasil e o término de uma conduta de relações ásperas entre os dois países.
Ouvi de Gilberto Amado, o bom escritor do
livro de memórias Minha mocidade no Recife, quando eu e ele, em 1961, estávamos
na 16ª Assembleia Geral das Nações Unidas, que as nações não têm sentimentos,
e, sim, interesses. Assim, risquemos da nossa compreensão
amor-ódio-amizade-carinho ou qualquer manifestação de sentimentos abstratos que
as pessoas têm, e os países, não. Depois, devido à convivência com muitos
diplomatas, descobri que essa conduta não era somente uma frase do Gilberto
Amado, mas um ensinamento da diplomacia sobre o relacionamento entre os países,
seu objeto maior.
Assim, não esperemos que somente palavras
possam mover montanhas. Estas estão na geopolítica entre Brasil e Estados
Unidos, mas não através dos interesses políticos que o presidente americano
possa ter manifestado em favor de um candidato à Presidência da República, e,
sim, no que considero o mais profundo obstáculo das relações em atrito nestes
últimos meses com os americanos: o Brics. Este, sim, uma demonstração concreta
de interesses do Brasil contrários aos dos Estados Unidos — e o presidente Lula
usou uma retórica contundente ameaçando o Tio Sam de acabar com o dólar nas
negociações do bloco. Isso é um tiro no coração. Em seguida, o presidente Trump
aplicou a mesma tarifa do Brasil à Índia, o que considero ter o mesmo motivo.
Mas a diplomacia utiliza, como namoro e troca
de beijos, as palavras, e estas ainda são poderosas no relacionamento entre
ministérios de Relações Exteriores, órgãos encarregados da retórica sem
engajamento, deixando as decisões para as altas cúpulas de todas as nações. Por
isso, o que temos ouvido depois dos tapas e beijos tem sido somente beijos, sem
deixar marca na cueca, mas, nem por isso, menos significativos do pensamento
das chancelarias.
Do longo telefonema entre os presidentes,
pouca coisa de essencial transpareceu, apenas declarações de "foi
ótimo": Trump disse que o presidente do Brasil era um "excelente
homem", um "homem bom", enquanto Lula, bem vivido e melhor
político, ficou na retranca e limitou-se a dizer "A conversa foi
boa".
A coisa começou agora a pegar pela nomeação
do secretário Marco Rúbio, que é tido como ideológico de conveniência, como
interlocutor do governo americano. Ele tem sido afirmativo, sem papas na
língua, dizendo que o Brasil que espere a Lei Magnitsky, aquela que já foi
aplicada ao ministro Alexandre de Moraes por suas posições e seus votos no
Supremo Tribunal Federal do Brasil.
Na linha de interesses e sentimentos,
acredito que, como dizia Carlos Lacerda, o interesse é permanente, o sentimento
é volátil — e o ódio é fingido. Este está no exclusivo domínio do teatro: é
para o público.
Nessa linha de raciocínio, a Índia e o
Brasil, que foram no passado solidários aos Estados Unidos e lutaram pela
democracia e pelas ideias liberais, parelha da América de Jefferson, na sua
difusão da inspiração americana, representantes da liberdade e do "Bill of
rights", formando tropas para lutar em favor desses países, agora estão
unidos com China e Rússia no Brics.
Brasil e Índia não podem negociar o Brics, já
consolidado, são países em busca da maior participação na política mundial. Daí
decorrem os 50%. Nós e a Índia veremos como serão as relações com Europa e
Estados Unidos, no presente e no futuro, com uma realidade diferente.
Beijos sim, virgindade nunca.
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