terça-feira, 2 de dezembro de 2025

O mapa ainda indica o caminho, por Jorge J. Okubaro

O Estado de S. Paulo

É preciso estabelecer metas, prazos, condições e responsabilidades para a redução, no ritmo possível, do uso dos combustíveis fósseis para assegurar vida melhor no futuro

A ausência de qualquer referência à expressão “combustíveis fósseis” no documento final da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-30), que se reuniu em Belém, dá a sensação de que alguma coisa muito importante para o futuro da humanidade foi deixada de lado. A sensação tem motivos. Um “mapa do caminho”, nome precioso de um roteiro que se pretendia desenhar para a transição energética que levasse à redução do uso de combustíveis fósseis até seu fim em algum momento, chegou a ser discutido com intensidade, mas nada disso apareceu no documento final. Houve, em alguns grupos ativos nas discussões, certa descrença na capacidade dos líderes mundiais de encontrar respostas efetivas para o aquecimento global.

Reunidos entre os dias 10 e 22 de novembro, representantes de 195 países aprovaram por consenso 29 decisões. O aumento expressivo dos recursos para o financiamento de programas de adaptação nos países mais vulneráveis, o reforço das ações multilaterais para discutir o problema e a participação ativa dos povos originários são pontos positivos destacados nos resultados da COP-30. Entretanto, segundo o jornal britânico Financial Times, o documento final teve um caráter “brando e diplomático”.

Embora não tenha constado do documento, a questão da transição energética com vistas ao abandono do consumo de combustíveis fósseis foi muito discutida durante a COP-30. No rascunho da declaração final, alguns países conseguiram inserir a questão. Cerca de 80 países apoiavam a iniciativa. No entanto, outros 80 eram frontalmente contrários a qualquer citação da expressão no documento final. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva retornou a Belém antes de o texto final ser fechado, para dizer que a COP precisava “começar a pensar como viver sem combustível fóssil”. Lula conversou com diferentes líderes. Não adiantou. No segundo rascunho, foi apagada toda referência a petróleo, carvão e gás.

Houve quem lembrasse que, pouco antes, o presidente brasileiro lutara para que organismos ambientais brasileiros aprovassem a exploração do petróleo da Margem Equatorial, região que se estende por cerca de 2 mil quilômetros entre os Estados do Amapá e Rio Grande do Norte e é considerada uma das mais promissoras do mundo. Ela inclui a foz do Rio Amazonas. Não seria contraditório propor a inclusão da necessidade de se pensar num mundo sem combustível fóssil e, ao mesmo tempo, iniciar planos de exploração em grande escala de novas jazidas de petróleo próximas a áreas que precisam ser protegidas? De fato, muitos veem contradição nisso.

É mais do que clamorosa a necessidade de se estimular o uso de fontes renováveis e ambientalmente limpas de energia, de modo a substituir os combustíveis fósseis. Isso está sendo feito, com o uso crescente de outras fontes. E o Brasil tem se destacado em relação ao resto do mundo na mudança de sua matriz energética, no sentido da utilização crescente de fontes renováveis – e limpas.

Carvão mineral, petróleo e derivados e gás natural respondem por 81% de toda a energia consumida no mundo, de acordo com dados da Agência Internacional de Energia (IEA) de 2022. Biomassa e energia hidráulica respondem por apenas 11,3%. Já no Brasil, petróleo e derivados, gás natural e carvão mineral respondem por 48,1% da energia consumida, enquanto fontes renováveis (derivados de cana-de-açúcar, hidráulica, lenha e carvão vegetal, eólica e solar e outras fontes renováveis) correspondem a 50% da matriz energética (energia nuclear e outras fontes não renováveis completam a matriz). Destaque-se que o Brasil tem tido papel de liderança no uso de biocombustíveis derivados de biomassa, como o etanol (cana-de-açúcar) e o biodiesel (a partir de óleos vegetais e gordura animal).

Há, porém, que se entender que o fim do consumo de combustíveis fósseis não ocorrerá de um momento para outro, apenas por decisões de governos. Econômica, social e tecnicamente, a mudança tem de ser gradual. Não é sensato pretender que daqui a dois, dez ou 20 anos o sistema de transporte mundial, por terra, mar e ar, utilizará apenas combustíveis de fontes renováveis.

E a COP-30 mostrou que, a despeito de não ter sido incluída em seu documento final, a discussão do tema “combustíveis fósseis” passou a fazer parte da agenda das conferências sobre clima. Em entrevista à Folha de S. Paulo, o presidente da COP-30, embaixador André Corrêa do Lago, disse que o tema “trouxe uma nova dimensão para a COP e aumentou sua relevância política”.

Há, sim, um “mapa do caminho”. Embora ele não tenha sido seguido em Belém, deu um sinal importante para as próximas conferências mundiais de mudanças climáticas. É preciso estabelecer metas, prazos, condições e responsabilidades para a redução, no ritmo possível, do uso dos combustíveis fósseis para assegurar vida melhor no futuro, sem sacrificar excessivamente a vida no presente.

 

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