Derrota ambiental
Folha de S. Paulo
Ao derrubar vetos de Lula, Congresso mina
desenvolvimento sustentável e contenção da crise do clima
Flexibilização sem respaldo técnico pode
afetar agronegócio, devido a regras internacionais que limitam produtos ligados
ao desmatamento
No meio do entrevero político entre Palácio
do Planalto e Congresso
Nacional, a preservação do ambiente sofreu derrota temerária quando Câmara
e Senado, na quinta (27), derrubaram 52 dos 63 vetos de Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT) na lei
que flexibiliza o licenciamento ambiental no país, aprovada pelos parlamentares
em julho.
O setor de fato necessita de uma regulação mais moderna e simplificada, que alie a proteção de biomas ao desenvolvimento sustentável. Contudo, em vez de elaborarem uma abordagem técnica, parlamentares abusaram de dispositivos com viés paroquial ou que atendem a determinados grupos políticos e econômicos.
Um exemplo é a dispensa de licença para
atividades em imóveis rurais com pendência na homologação do Cadastro Ambiental
Rural (CAR) —antigo interesse de ruralistas. O governo vetou e o Congresso
restabeleceu.
Já quanto à Licença por Adesão e Compromisso
(LAC), autorização emitida pelo próprio empreendedor, o Planalto tentou fazer
com que ela só fosse válida para projetos de baixo impacto poluidor, mas o
Parlamento voltou a permitir os de médio impacto.
Esse dispositivo pode vir a ser
judicializado, dado que o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que apenas os
casos do primeiro tipo são constitucionais.
Outro ponto é capaz de gerar processos na
Justiça: estados e municípios voltam a poder definir critérios locais de
licenciamento, contrariando regulamentações federais. Ademais, há o risco de
que regras sejam afrouxadas para atrair empresas.
Um dos pontos mais controversos do texto
original, porém, recebeu aval do governo. A Licença Ambiental Especial (LAE)
agiliza a outorga de autorização a empreendimentos considerados estratégicos
por um órgão ligado à Presidência, mesmo que tenham potencial para causar
significativa degradação ambiental.
A LAE foi incluída no dia da votação pelo
presidente do Senado, Davi
Alcolumbre (União Brasil-AP),
notório defensor da exploração de petróleo na Foz do Amazonas, localizada em
seu estado.
Quando promoveu os vetos em agosto, Lula
apresentou uma medida
provisória para instituir a LAE imediatamente —no texto original, ela
entraria em vigor em seis meses. Houve uma mudança: a análise dos projetos
passará por duas etapas, não só uma.
A MP foi uma forma de contentar o
Legislativo, mas também se enquadra no modelo desenvolvimentista petista, no
qual o Estado torna-se indutor da economia por
meio de grandes obras.
Uma flexibilização do licenciamento que não
se apoia em evidências é capaz de afetar o agronegócio,
devido a regras como a da União
Europeia, que limita a venda de produtos ligados ao desmatamento —a
maior fonte de emissões de carbono do país.
Ao derrubar os vetos, o Congresso pode tanto
prejudicar um motor da economia brasileira quanto as ações necessárias para
mitigar o aquecimento global.
Métricas da desigualdade
Por Folha de S. Paulo
Estudo da Fazenda confirma que distância
entre ricos e pobres no Brasil é muito maior do que aponta o IBGE
Redução da desigualdade dependerá da
qualidade do gasto público; Estado direciona grandes parcelas do Orçamento a
estratos médios e altos
O Brasil continua sendo um dos países mais
desiguais do planeta. Segundo a pesquisa domiciliar do IBGE (Pnad
Contínua), o coeficiente de Gini —que mede a distância entre ricos e pobres de
0 a 1— ficou em torno de 0,51, número que coloca o país entre os dez mais
iníquos do mundo.
Esse indicador, entretanto, subestima a
realidade, pois tem dificuldade em captar o rendimento no topo da pirâmide.
Estudo
recém-divulgado pela Secretaria de Política Econômica do Ministério
da Fazenda revela um retrato mais preciso e considera os dados de 40,7
milhões de declarantes do Imposto de
Renda Pessoa Física (IRPF), estrato equivalente a 39,3% da população
economicamente ativa.
A Pnad capta rendas mais prevalentes na base
da distribuição, como salários e transferências, mas falha em alcançar os
ganhos de capital, como juros e dividendos, que se concentram nos contingentes
mais abonados —daí a utilidade de recorrer ao IRPF.
Os números, referentes a 2023, são
impactantes. Pela ótica do IRPF, os 10% mais ricos concentram 52% da renda nacional
total, ante 43,8% pela Pnad.
A parcela 1% mais rica fica com 24,5%, cerca
do dobro dos 12,6% apurados na pesquisa do IBGE. A maior diferença aparece no
0,1% mais rico —12,5% ante 2,9%. Já os 50% mais pobres permanecem com algo
entre 13,5% e 14% da renda em ambas as fontes.
Os dados mostram desigualdades persistentes
em raça e gênero. Mulheres representam 44% dos declarantes, mas apenas 38% da
massa total de rendimentos, com renda média 22,4% inferior à dos homens mesmo
considerando idade e região.
Brancos têm renda média anual de R$ 54,8 mil,
enquanto negros ficam na casa dos R$ 26 mil. No 1% mais rico, 78% são brancos e
mais de 80% são homens.
Cumpre notar ainda que o sistema tributário
atual é progressivo até o 93º percentil, mas torna-se regressivo nos 0,1% mais
ricos, no qual a alíquota efetiva cai para entre 4% e 6% graças à tributação
favorecida de certas fontes de renda, como dividendos e títulos isentos, além
de deduções de despesas como saúde.
No caso brasileiro, as causas estruturais são
conhecidas, como baixa eficiência da educação e uma carga
de impostos que onera em demasia o consumo.
Apesar de avanços recentes na busca por tributação mais justa, a redução efetiva da desigualdade dependerá cada vez mais da qualidade do gasto público. O Estado brasileiro, porém, ainda direciona parcelas expressivas do Orçamento a estratos médios e altos.
Alcolumbre rebaixa o Senado
Por O Estado de S. Paulo
Em nota malcriada, presidente do Senado expõe
rixa com Lula e conspurca o processo constitucional de escolha de ministros do
STF, convertendo-o em balcão de lamúrias e interesses privados
A malcriada Nota à Imprensa divulgada pelo presidente do
Senado, Davi Alcolumbre, no domingo passado, escala a crispação entre Poderes
instalada em Brasília desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou
Jorge Messias ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ao acusar “setores do Poder
Executivo” de criar “a falsa impressão” de que as divergências entre Poderes se
resolvem por “ajuste de interesse fisiológico, com cargos e emendas”,
Alcolumbre não só agravou um conflito de resto inútil para o País, como tentou
reescrever uma história da qual, convenhamos, ele mesmo é protagonista.
O inconformismo de Alcolumbre por ver seu
preferido para a vaga, o também senador Rodrigo Pacheco, ser preterido por
Messias desbordou numa nova disputa após o governo, deliberadamente, sustar o
envio ao Senado da mensagem presidencial com a indicação, malgrado a escolha de
Lula para o STF ter sido publicada no Diário
Oficial. A manobra do Palácio do Planalto, ao que tudo indica,
presta-se a adiar a sabatina marcada para o próximo dia 10, ampliando o tempo
de campanha de Messias entre os senadores.
Nada justifica o ardil do governo. Mas
tampouco se sustenta a desarrazoada nota de Alcolumbre. Ao tratar como “falsa”
a impressão de que negociações de cargos e emendas influenciam seus movimentos,
o senador amapaense esbofeteia os fatos e caçoa da inteligência alheia. Ora,
não há padrinho em Brasília com tantos afilhados em postos-chave da
administração pública como ele, em todos os escalões. Desde os Ministérios das
Comunicações e da Integração e do Desenvolvimento Regional até o comando da
valiosa Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba
(Codevasf), a “estatal do Centrão”, os interesses do sr. Alcolumbre estão muito
bem acomodados.
Ademais, o poder e a influência do presidente
do Senado sobre a distribuição das emendas do orçamento secreto são sobejamente
conhecidos. Como revelou o Estadão,
Alcolumbre ganhou até o apelido de “Ghost” entre seus pares em razão de sua
atuação como um “fantasma” nos bastidores para controlar, com mão de ferro, o
quinhão de verbas discricionárias do Orçamento da União capturado pelo
Congresso.
Que Alcolumbre negue por escrito a natureza
das engrenagens que aciona para concentrar poder é lamentável, mas previsível.
O que mais preocupa, no entanto, é a contaminação de um processo constitucional
que deveria ser conduzido com sobriedade e espírito público: a escolha do novo
ministro da mais alta instância judicial do País. Ao operar na base da chantagem
política – na qual a aprovação ou rejeição de Messias é percebida como
corolário de sua vontade pessoal –, Alcolumbre já conspurcou a sabatina antes
mesmo de a primeira pergunta ser feita ao indicado pelo presidente da
República.
Se, ao fim e a cabo, Messias for aprovado, a
sociedade estará autorizada a inferir que Alcolumbre obteve as contrapartidas
que queria do governo. Se acaso for rejeitado, terá sido porque o presidente do
Senado decidiu retaliar Lula com uma derrota histórica. Dado o clima beligerante
que passou a marcar o processo, essa é a percepção que prevalecerá. O
resultado, seja qual for, estará sob suspeita – e não necessariamente pela
qualidade do indicado (ou a falta dela), mas por uma disputa mesquinha à margem
dos ditames da Constituição.
A escolha de um ministro do STF sempre
envolve lobbies, e seria ingênuo supor o contrário. Mas o País perde quando a
avaliação das credenciais de um indicado é superada por uma guerra de vaidades.
Messias, goste-se ou não de sua indicação, merece uma sabatina republicana. E a
sociedade merece uma discussão franca sobre o papel que a Corte tem
desempenhado nos últimos anos – marcado por reiteradas incursões além das
fronteiras constitucionais.
Nada disso, porém, está em debate. Assistimos
a uma rinha institucional que, se serve para alguma coisa, expõe o quanto
Brasília ainda se deixa capturar por agendas particulares. Em vez de serenar
ânimos e ajudar a recuperar a estabilidade institucional, o Senado escalou uma
crise que seu presidente diz lamentar. Além de imprópria, a nota de Alcolumbre
reforça a impressão – esta, sim, verdadeira – de que interesses privados seguem
orientando decisões que deveriam servir à Nação, e não a projetos pessoais de
poder.
A república das sombras
Por O Estado de S. Paulo
O sigilo irregular do Itamaraty expõe uma
cultura de opacidade que ameaça a ideia de governo republicano. O Brasil afunda
num sistema em que o segredo vira regra, e a transparência, exceção
O sigilo que o Itamaraty acaba de impor a
seus telegramas diplomáticos não é detalhe burocrático: é um sintoma. A
arquitetura criada pela chancelaria – com categorias de sigilo inventadas,
presunção de reserva e discricionariedade sem freios – marca um retrocesso institucional.
Mesmo admitindo o caráter sensível de certas comunicações, nada autoriza
transformar exceções em regra. No caso recente dos telegramas sobre os negócios
dos irmãos Wesley e Joesley Batista na Venezuela, o prazo de cinco anos de
sigilo foi decretado de forma automática, sem qualquer esforço para divulgar
trechos não sensíveis, como exige a Lei de Acesso à Informação (LAI). Quando
despachos rotineiros passam a ser selados por 5, 15 ou 25 anos – ou até por
prazo indefinido –, a sombra deixa de proteger o interesse nacional e passa a
proteger o interesse do governante.
Numa democracia madura, a publicidade não é
ornamento: é o primeiro princípio que sustenta os demais. Sem luz, não há como
verificar a legalidade; sem legalidade, não há impessoalidade; sem
impessoalidade, não há moralidade; sem moralidade, não há eficiência. A
transparência é a ponte entre Estado e sociedade – e o antídoto contra a
promiscuidade entre poder e interesses privados. Países mais íntegros tratam a
abertura de dados como regra de civilização. Aqui, levam-se semanas para obter
o básico – quando não se recebe uma negativa genérica, mal disfarçada de
proteção de “dados pessoais”.
A opacidade também é um mau negócio
econômico. Ela eleva prêmios de risco, afugenta investimentos, facilita cartéis
e torna mais barato corromper do que competir. Onde não entra luz
multiplicam-se intermediários, lobistas invisíveis, orçamentos inflados e
contratos superfaturados.
A manobra do Itamaraty reflete uma doença
sistêmica. Brasília tornou-se o epicentro de uma cultura de opacidade que
atravessa Poderes, partidos e governos. O Supremo Tribunal Federal conduz
inquéritos que nunca acabam, sob sigilos que nunca se justificam, e trata como
segredo de Estado o algoritmo de distribuição de processos, recusando auditoria
externa, ou a agenda de seus ministros. O Congresso transformou o Orçamento em
mistério, interpondo sempre novos biombos para ocultar autores e
apadrinhamentos – o “orçamento secreto” foi declarado inconstitucional, mas
renasce em novos disfarces. O Executivo, em suas diversas encarnações, aprendeu
a manipular a LAI com negativas por exaustão, jargão técnico e criatividade
normativa.
Assembleias Legislativas por toda a Federação
sonegam informações básicas sobre gastos e votações; governos estaduais e
municipais enterram licitações em portais clandestinos e falham em divulgar
obras e emendas; tribunais resistem a exibir contracheques e escondem
supersalários atrás de tarjas pretas digitais. Juízes e procuradores pressionam
por mudanças na Lei Geral de Proteção de Dados que lhes deem blindagens
específicas. O País vai se habituando a viver num lusco-fusco administrativo,
em que a sombra é regra e a luz, exceção.
Em campanha, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva prometeu um “revogaço” dos sigilos de seu antecessor: “Não haverá sigilo
de cem anos, nem de dez, nem de um”, bravateou, “afinal de contas, se é bom,
não precisa esconder”. No poder, amplia os mesmos artifícios. Impôs sigilos a
gastos de viagens e cartões; mantém na penumbra as operações do “Novo PAC”;
blinda a agenda pública da primeira-dama, que representa o País em fóruns
internacionais sem prestar contas; e, agora, instrumentaliza o Itamaraty para
esconder negócios de aliados empresariais sob o pretexto de risco às
negociações internacionais. A mesma Controladoria-Geral da União que deveria
ser guardiã da LAI prefere atacar o Índice de Percepção da Corrupção como
“conversa de boteco”, em vez de enfrentar as causas da desconfiança.
A contradição é flagrante: prega-se luz para
governar na penumbra. O Brasil não está condenado a ser uma república das sombras.
Mas nenhuma democracia sobrevive à opacidade como política de Estado. A luz é o
primeiro teste de sinceridade de quem exerce o poder. E o último limite que
separa o escrutínio republicano da arrogância do segredo.
Um empréstimo imprestável
Por O Estado de S. Paulo
Socorro de R$ 20 bilhões custará caro ao
governo e não resolverá a crise nos Correios
A injeção de R$ 20 bilhões para socorrer os
Correios poderia ser traduzida como um aporte do governo travestido de
empréstimo bancário. Mas consegue ser pior do que isso ao embutir juros de 136%
do CDI numa operação praticamente isenta de risco ao contar com a garantia do
Tesouro Nacional. A taxa draconiana indica tanto a resistência dos bancos em participar
do socorro quanto o desespero do governo em apresentar uma solução para a
crise, apesar do entendimento geral de que mesmo essa dinheirama não irá
resolver a situação dos Correios.
A taxa do Certificado de Depósito
Interbancário (CDI), usada como referência no mercado financeiro, roda muito
próxima à taxa básica de juros (Selic), atualmente em 15% ao ano. Neste mês, o
CDI tende a ficar em torno de 14,9% ao ano, mas os valores variam a cada dia.
Para ilustrar o juro excessivo no empréstimo, por essa comparação os juros da
transação ultrapassariam 18% ao ano.
Um exemplo atual da aplicação de taxas muito
acima da referência é o Banco Master, que chegou a oferecer retorno de 140% do
CDI para investimentos em seus CDBs. Naquele caso, a mão era inversa – o banco
se comprometia a remunerar nesse patamar. Não à toa, teve de ser liquidado pelo
Banco Central, mas essa é outra história.
A intermediação do consórcio bancário (Banco
do Brasil, Citibank, BTG Pactual, ABC Brasil e Safra) no aporte de recursos aos
Correios é uma fórmula imprestável, que se presta apenas a dar a impressão de
solução no curto prazo. Não há como esperar mais de um dinheiro que será usado
ao longo de dois anos para pagamento de despesas correntes de uma empresa que,
até o terceiro trimestre deste ano, já acumulava prejuízo de R$ 6,05 bilhões. E
o pior, sem apresentar um plano de reestruturação crível para sua dramática
situação.
Uma estatal que por anos a fio serve de
cabideiro para apadrinhados políticos deve naturalmente carecer de gestores
capazes de elaborar um plano de recuperação que exige contenção radical de
custos, enxugamento dos quadros e venda de patrimônio. Além, por óbvio, de um
caminho estrutural de negócios que garanta a sobrevivência da empresa. Na
situação em que está, há dúvidas de que a privatização da estatal – proposta em
2021 pelo governo Bolsonaro e postergada até ser descartada por Lula da Silva –
pudesse atrair interessados mesmo pelo valor simbólico de R$ 1.
Impedido de aportar diretamente recursos nos Correios, por questões jurídicas e fiscais, o governo recorre à muleta dos bancos sabendo que terá de pagar muito caro por isso, já que nenhuma alma caridosa acredita que a estatal tenha condições de honrar o empréstimo. Se a operação for efetivada, caberá ao Tesouro, com o dinheiro do contribuinte, pagar os R$ 20 bilhões com juros. E que juros. Mais um erro numa história repleta deles: como estatal não dependente, os Correios não poderiam receber aportes do Tesouro, pois o socorro direto para cobrir déficits de estatais fere as regras de responsabilidade fiscal. Ademais, aporte em empresa pública que atua no mercado vai contra as normas concorrenciais.
Adaptação climática do SUS exige eficiência
Por Correio Braziliense
O governo federal acerta ao anunciar um
investimento de quase R$ 10 bilhões para a adaptação climática do SUS.
Espera-se a condução das propostas com embasamento técnico, responsabilidade
fiscal e eficiência.
Uma das manifestações mais incontestáveis da
crise climática, o calor extremo tem efeito pandêmico: mata anualmente mais de
540 mil pessoas — quase 1.500 por dia, segundo relatório da Organização Mundial
da Saúde (OMS). O mesmo estudo, divulgado em meio às negociações da COP30,
indica que um em cada 12 hospitais no planeta precisa interromper o
funcionamento em razão de estragos provocados por tempestades, alagamentos e
outros fenômenos do tipo. Maior vulnerabilidade psíquica, aumento de doenças infecciosas,
queda na qualidade nutricional dos alimentos e baixa oferta da água também
fazem parte da lista de impactos na saúde humana causados pelos extremos
climáticos. É suicida, portanto, não considerá-los na gestão atual de qualquer
comunidade.
Nesse sentido, o governo federal acerta ao
anunciar um investimento de quase R$ 10 bilhões para a adaptação climática das
unidades do Sistema Único de Saúde (SUS). O projeto inclui a construção de
novos edifícios e a aquisição de equipamentos resilientes às intempéries, entre
27 metas e 93 ações a serem implementadas até 2035. Trata-se do plano de rotas
do AdaptaSUS, lançado na conferência de Belém como uma iniciativa vanguardista
para mitigar os efeitos da crise ambiental na saúde da população
brasileira.
Há medidas de curto, médio e longo prazo a
serem implementadas em um sistema de efetiva capilaridade com o objetivo de
fortalecer a vigilância, capacitar profissionais e adaptar instalações. Também
estão previstos investimentos em pesquisa e criação de plataformas
integradas de dados. Nas palavras do ministro da pasta, Alexandre Padilha, as
iniciativas vão convergir em um sistema que "se antecipe, responda e se
adapte às mudanças climáticas para garantir atendimento a todos".
Será preciso correr contra o tempo para
chegar a importante estrutura. A projeção da ONU é de que o mundo deve superar
1,5ºC de aquecimento até 2035, e dados oficiais revelam que apenas 54% dos
planos nacionais de adaptação em saúde avaliam riscos às unidades de saúde, um
dos pontos do AdaptaSUS. Cenário parecido repete-se na seara estadual,
evidenciando que essa precisa ser uma pauta prioritária nas eleições daqueles
que assumirão postos no Executivo e no Legislativo até ao menos 2030.
Para além de ajustes nas instalações, há de
se considerar uma possível cronicidade no manejo de doenças já complexas no
país, como as renais e as cardiovasculares. O AVC, por exemplo, mata um
brasileiro a cada seis minutos e é a complicação que sofreu a principal carga
global em saúde associada a altas temperaturas nas últimas três décadas — um
aumento de 72%. Para ser eficiente, portanto, o hospital do SUS resistente a
alagamentos também precisará ter condições de atender a um paciente com derrame
em até quatro horas e meia, a janela de intervenção que garante menor risco de
morte e sequelas graves.
Há de se reconhecer que a preocupação do
governo brasileiro com a interseção entre crise climática e saúde merece
destaque. É, inclusive, apontada como um dos avanços da COP30. Pela primeira
vez, a pauta saiu das discussões paralelas da conferência do clima e figurou
entre as prioritárias. Anunciada pelo ministro Padilha durante o 14º Congresso
Brasileiro de Saúde Coletiva, no último domingo, em Brasília, a adaptação do
SUS engrossa o entendimento de que se trata de prioridade. Não deve ser
diferente. A crise climática impõe urgências, mas espera-se a condução das
propostas também com embasamento técnico, responsabilidade fiscal e eficiência.

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