terça-feira, 2 de dezembro de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Derrota ambiental

Folha de S. Paulo

Ao derrubar vetos de Lula, Congresso mina desenvolvimento sustentável e contenção da crise do clima

Flexibilização sem respaldo técnico pode afetar agronegócio, devido a regras internacionais que limitam produtos ligados ao desmatamento

No meio do entrevero político entre Palácio do Planalto e Congresso Nacional, a preservação do ambiente sofreu derrota temerária quando Câmara e Senado, na quinta (27), derrubaram 52 dos 63 vetos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na lei que flexibiliza o licenciamento ambiental no país, aprovada pelos parlamentares em julho.

O setor de fato necessita de uma regulação mais moderna e simplificada, que alie a proteção de biomas ao desenvolvimento sustentável. Contudo, em vez de elaborarem uma abordagem técnica, parlamentares abusaram de dispositivos com viés paroquial ou que atendem a determinados grupos políticos e econômicos.

Um exemplo é a dispensa de licença para atividades em imóveis rurais com pendência na homologação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) —antigo interesse de ruralistas. O governo vetou e o Congresso restabeleceu.

Já quanto à Licença por Adesão e Compromisso (LAC), autorização emitida pelo próprio empreendedor, o Planalto tentou fazer com que ela só fosse válida para projetos de baixo impacto poluidor, mas o Parlamento voltou a permitir os de médio impacto.

Esse dispositivo pode vir a ser judicializado, dado que o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que apenas os casos do primeiro tipo são constitucionais.

Outro ponto é capaz de gerar processos na Justiça: estados e municípios voltam a poder definir critérios locais de licenciamento, contrariando regulamentações federais. Ademais, há o risco de que regras sejam afrouxadas para atrair empresas.

Um dos pontos mais controversos do texto original, porém, recebeu aval do governo. A Licença Ambiental Especial (LAE) agiliza a outorga de autorização a empreendimentos considerados estratégicos por um órgão ligado à Presidência, mesmo que tenham potencial para causar significativa degradação ambiental.

A LAE foi incluída no dia da votação pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), notório defensor da exploração de petróleo na Foz do Amazonas, localizada em seu estado.

Quando promoveu os vetos em agosto, Lula apresentou uma medida provisória para instituir a LAE imediatamente —no texto original, ela entraria em vigor em seis meses. Houve uma mudança: a análise dos projetos passará por duas etapas, não só uma.

A MP foi uma forma de contentar o Legislativo, mas também se enquadra no modelo desenvolvimentista petista, no qual o Estado torna-se indutor da economia por meio de grandes obras.

Uma flexibilização do licenciamento que não se apoia em evidências é capaz de afetar o agronegócio, devido a regras como a da União Europeia, que limita a venda de produtos ligados ao desmatamento —a maior fonte de emissões de carbono do país.

Ao derrubar os vetos, o Congresso pode tanto prejudicar um motor da economia brasileira quanto as ações necessárias para mitigar o aquecimento global.

Métricas da desigualdade

Por Folha de S. Paulo

Estudo da Fazenda confirma que distância entre ricos e pobres no Brasil é muito maior do que aponta o IBGE

Redução da desigualdade dependerá da qualidade do gasto público; Estado direciona grandes parcelas do Orçamento a estratos médios e altos

O Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do planeta. Segundo a pesquisa domiciliar do IBGE (Pnad Contínua), o coeficiente de Gini —que mede a distância entre ricos e pobres de 0 a 1— ficou em torno de 0,51, número que coloca o país entre os dez mais iníquos do mundo.

Esse indicador, entretanto, subestima a realidade, pois tem dificuldade em captar o rendimento no topo da pirâmide.

Estudo recém-divulgado pela Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda revela um retrato mais preciso e considera os dados de 40,7 milhões de declarantes do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), estrato equivalente a 39,3% da população economicamente ativa.

A Pnad capta rendas mais prevalentes na base da distribuição, como salários e transferências, mas falha em alcançar os ganhos de capital, como juros e dividendos, que se concentram nos contingentes mais abonados —daí a utilidade de recorrer ao IRPF.

Os números, referentes a 2023, são impactantes. Pela ótica do IRPF, os 10% mais ricos concentram 52% da renda nacional total, ante 43,8% pela Pnad.

A parcela 1% mais rica fica com 24,5%, cerca do dobro dos 12,6% apurados na pesquisa do IBGE. A maior diferença aparece no 0,1% mais rico —12,5% ante 2,9%. Já os 50% mais pobres permanecem com algo entre 13,5% e 14% da renda em ambas as fontes.

Os dados mostram desigualdades persistentes em raça e gênero. Mulheres representam 44% dos declarantes, mas apenas 38% da massa total de rendimentos, com renda média 22,4% inferior à dos homens mesmo considerando idade e região.

Brancos têm renda média anual de R$ 54,8 mil, enquanto negros ficam na casa dos R$ 26 mil. No 1% mais rico, 78% são brancos e mais de 80% são homens.

Cumpre notar ainda que o sistema tributário atual é progressivo até o 93º percentil, mas torna-se regressivo nos 0,1% mais ricos, no qual a alíquota efetiva cai para entre 4% e 6% graças à tributação favorecida de certas fontes de renda, como dividendos e títulos isentos, além de deduções de despesas como saúde.

No caso brasileiro, as causas estruturais são conhecidas, como baixa eficiência da educação e uma carga de impostos que onera em demasia o consumo.

Apesar de avanços recentes na busca por tributação mais justa, a redução efetiva da desigualdade dependerá cada vez mais da qualidade do gasto público. O Estado brasileiro, porém, ainda direciona parcelas expressivas do Orçamento a estratos médios e altos.

Alcolumbre rebaixa o Senado

Por O Estado de S. Paulo

Em nota malcriada, presidente do Senado expõe rixa com Lula e conspurca o processo constitucional de escolha de ministros do STF, convertendo-o em balcão de lamúrias e interesses privados

A malcriada Nota à Imprensa divulgada pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, no domingo passado, escala a crispação entre Poderes instalada em Brasília desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou Jorge Messias ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ao acusar “setores do Poder Executivo” de criar “a falsa impressão” de que as divergências entre Poderes se resolvem por “ajuste de interesse fisiológico, com cargos e emendas”, Alcolumbre não só agravou um conflito de resto inútil para o País, como tentou reescrever uma história da qual, convenhamos, ele mesmo é protagonista.

O inconformismo de Alcolumbre por ver seu preferido para a vaga, o também senador Rodrigo Pacheco, ser preterido por Messias desbordou numa nova disputa após o governo, deliberadamente, sustar o envio ao Senado da mensagem presidencial com a indicação, malgrado a escolha de Lula para o STF ter sido publicada no Diário Oficial. A manobra do Palácio do Planalto, ao que tudo indica, presta-se a adiar a sabatina marcada para o próximo dia 10, ampliando o tempo de campanha de Messias entre os senadores.

Nada justifica o ardil do governo. Mas tampouco se sustenta a desarrazoada nota de Alcolumbre. Ao tratar como “falsa” a impressão de que negociações de cargos e emendas influenciam seus movimentos, o senador amapaense esbofeteia os fatos e caçoa da inteligência alheia. Ora, não há padrinho em Brasília com tantos afilhados em postos-chave da administração pública como ele, em todos os escalões. Desde os Ministérios das Comunicações e da Integração e do Desenvolvimento Regional até o comando da valiosa Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), a “estatal do Centrão”, os interesses do sr. Alcolumbre estão muito bem acomodados.

Ademais, o poder e a influência do presidente do Senado sobre a distribuição das emendas do orçamento secreto são sobejamente conhecidos. Como revelou o Estadão, Alcolumbre ganhou até o apelido de “Ghost” entre seus pares em razão de sua atuação como um “fantasma” nos bastidores para controlar, com mão de ferro, o quinhão de verbas discricionárias do Orçamento da União capturado pelo Congresso.

Que Alcolumbre negue por escrito a natureza das engrenagens que aciona para concentrar poder é lamentável, mas previsível. O que mais preocupa, no entanto, é a contaminação de um processo constitucional que deveria ser conduzido com sobriedade e espírito público: a escolha do novo ministro da mais alta instância judicial do País. Ao operar na base da chantagem política – na qual a aprovação ou rejeição de Messias é percebida como corolário de sua vontade pessoal –, Alcolumbre já conspurcou a sabatina antes mesmo de a primeira pergunta ser feita ao indicado pelo presidente da República.

Se, ao fim e a cabo, Messias for aprovado, a sociedade estará autorizada a inferir que Alcolumbre obteve as contrapartidas que queria do governo. Se acaso for rejeitado, terá sido porque o presidente do Senado decidiu retaliar Lula com uma derrota histórica. Dado o clima beligerante que passou a marcar o processo, essa é a percepção que prevalecerá. O resultado, seja qual for, estará sob suspeita – e não necessariamente pela qualidade do indicado (ou a falta dela), mas por uma disputa mesquinha à margem dos ditames da Constituição.

A escolha de um ministro do STF sempre envolve lobbies, e seria ingênuo supor o contrário. Mas o País perde quando a avaliação das credenciais de um indicado é superada por uma guerra de vaidades. Messias, goste-se ou não de sua indicação, merece uma sabatina republicana. E a sociedade merece uma discussão franca sobre o papel que a Corte tem desempenhado nos últimos anos – marcado por reiteradas incursões além das fronteiras constitucionais.

Nada disso, porém, está em debate. Assistimos a uma rinha institucional que, se serve para alguma coisa, expõe o quanto Brasília ainda se deixa capturar por agendas particulares. Em vez de serenar ânimos e ajudar a recuperar a estabilidade institucional, o Senado escalou uma crise que seu presidente diz lamentar. Além de imprópria, a nota de Alcolumbre reforça a impressão – esta, sim, verdadeira – de que interesses privados seguem orientando decisões que deveriam servir à Nação, e não a projetos pessoais de poder.

A república das sombras

Por O Estado de S. Paulo

O sigilo irregular do Itamaraty expõe uma cultura de opacidade que ameaça a ideia de governo republicano. O Brasil afunda num sistema em que o segredo vira regra, e a transparência, exceção

O sigilo que o Itamaraty acaba de impor a seus telegramas diplomáticos não é detalhe burocrático: é um sintoma. A arquitetura criada pela chancelaria – com categorias de sigilo inventadas, presunção de reserva e discricionariedade sem freios – marca um retrocesso institucional. Mesmo admitindo o caráter sensível de certas comunicações, nada autoriza transformar exceções em regra. No caso recente dos telegramas sobre os negócios dos irmãos Wesley e Joesley Batista na Venezuela, o prazo de cinco anos de sigilo foi decretado de forma automática, sem qualquer esforço para divulgar trechos não sensíveis, como exige a Lei de Acesso à Informação (LAI). Quando despachos rotineiros passam a ser selados por 5, 15 ou 25 anos – ou até por prazo indefinido –, a sombra deixa de proteger o interesse nacional e passa a proteger o interesse do governante.

Numa democracia madura, a publicidade não é ornamento: é o primeiro princípio que sustenta os demais. Sem luz, não há como verificar a legalidade; sem legalidade, não há impessoalidade; sem impessoalidade, não há moralidade; sem moralidade, não há eficiência. A transparência é a ponte entre Estado e sociedade – e o antídoto contra a promiscuidade entre poder e interesses privados. Países mais íntegros tratam a abertura de dados como regra de civilização. Aqui, levam-se semanas para obter o básico – quando não se recebe uma negativa genérica, mal disfarçada de proteção de “dados pessoais”.

A opacidade também é um mau negócio econômico. Ela eleva prêmios de risco, afugenta investimentos, facilita cartéis e torna mais barato corromper do que competir. Onde não entra luz multiplicam-se intermediários, lobistas invisíveis, orçamentos inflados e contratos superfaturados.

A manobra do Itamaraty reflete uma doença sistêmica. Brasília tornou-se o epicentro de uma cultura de opacidade que atravessa Poderes, partidos e governos. O Supremo Tribunal Federal conduz inquéritos que nunca acabam, sob sigilos que nunca se justificam, e trata como segredo de Estado o algoritmo de distribuição de processos, recusando auditoria externa, ou a agenda de seus ministros. O Congresso transformou o Orçamento em mistério, interpondo sempre novos biombos para ocultar autores e apadrinhamentos – o “orçamento secreto” foi declarado inconstitucional, mas renasce em novos disfarces. O Executivo, em suas diversas encarnações, aprendeu a manipular a LAI com negativas por exaustão, jargão técnico e criatividade normativa.

Assembleias Legislativas por toda a Federação sonegam informações básicas sobre gastos e votações; governos estaduais e municipais enterram licitações em portais clandestinos e falham em divulgar obras e emendas; tribunais resistem a exibir contracheques e escondem supersalários atrás de tarjas pretas digitais. Juízes e procuradores pressionam por mudanças na Lei Geral de Proteção de Dados que lhes deem blindagens específicas. O País vai se habituando a viver num lusco-fusco administrativo, em que a sombra é regra e a luz, exceção.

Em campanha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu um “revogaço” dos sigilos de seu antecessor: “Não haverá sigilo de cem anos, nem de dez, nem de um”, bravateou, “afinal de contas, se é bom, não precisa esconder”. No poder, amplia os mesmos artifícios. Impôs sigilos a gastos de viagens e cartões; mantém na penumbra as operações do “Novo PAC”; blinda a agenda pública da primeira-dama, que representa o País em fóruns internacionais sem prestar contas; e, agora, instrumentaliza o Itamaraty para esconder negócios de aliados empresariais sob o pretexto de risco às negociações internacionais. A mesma Controladoria-Geral da União que deveria ser guardiã da LAI prefere atacar o Índice de Percepção da Corrupção como “conversa de boteco”, em vez de enfrentar as causas da desconfiança.

A contradição é flagrante: prega-se luz para governar na penumbra. O Brasil não está condenado a ser uma república das sombras. Mas nenhuma democracia sobrevive à opacidade como política de Estado. A luz é o primeiro teste de sinceridade de quem exerce o poder. E o último limite que separa o escrutínio republicano da arrogância do segredo.

Um empréstimo imprestável

Por O Estado de S. Paulo

Socorro de R$ 20 bilhões custará caro ao governo e não resolverá a crise nos Correios

A injeção de R$ 20 bilhões para socorrer os Correios poderia ser traduzida como um aporte do governo travestido de empréstimo bancário. Mas consegue ser pior do que isso ao embutir juros de 136% do CDI numa operação praticamente isenta de risco ao contar com a garantia do Tesouro Nacional. A taxa draconiana indica tanto a resistência dos bancos em participar do socorro quanto o desespero do governo em apresentar uma solução para a crise, apesar do entendimento geral de que mesmo essa dinheirama não irá resolver a situação dos Correios.

A taxa do Certificado de Depósito Interbancário (CDI), usada como referência no mercado financeiro, roda muito próxima à taxa básica de juros (Selic), atualmente em 15% ao ano. Neste mês, o CDI tende a ficar em torno de 14,9% ao ano, mas os valores variam a cada dia. Para ilustrar o juro excessivo no empréstimo, por essa comparação os juros da transação ultrapassariam 18% ao ano.

Um exemplo atual da aplicação de taxas muito acima da referência é o Banco Master, que chegou a oferecer retorno de 140% do CDI para investimentos em seus CDBs. Naquele caso, a mão era inversa – o banco se comprometia a remunerar nesse patamar. Não à toa, teve de ser liquidado pelo Banco Central, mas essa é outra história.

A intermediação do consórcio bancário (Banco do Brasil, Citibank, BTG Pactual, ABC Brasil e Safra) no aporte de recursos aos Correios é uma fórmula imprestável, que se presta apenas a dar a impressão de solução no curto prazo. Não há como esperar mais de um dinheiro que será usado ao longo de dois anos para pagamento de despesas correntes de uma empresa que, até o terceiro trimestre deste ano, já acumulava prejuízo de R$ 6,05 bilhões. E o pior, sem apresentar um plano de reestruturação crível para sua dramática situação.

Uma estatal que por anos a fio serve de cabideiro para apadrinhados políticos deve naturalmente carecer de gestores capazes de elaborar um plano de recuperação que exige contenção radical de custos, enxugamento dos quadros e venda de patrimônio. Além, por óbvio, de um caminho estrutural de negócios que garanta a sobrevivência da empresa. Na situação em que está, há dúvidas de que a privatização da estatal – proposta em 2021 pelo governo Bolsonaro e postergada até ser descartada por Lula da Silva – pudesse atrair interessados mesmo pelo valor simbólico de R$ 1.

Impedido de aportar diretamente recursos nos Correios, por questões jurídicas e fiscais, o governo recorre à muleta dos bancos sabendo que terá de pagar muito caro por isso, já que nenhuma alma caridosa acredita que a estatal tenha condições de honrar o empréstimo. Se a operação for efetivada, caberá ao Tesouro, com o dinheiro do contribuinte, pagar os R$ 20 bilhões com juros. E que juros. Mais um erro numa história repleta deles: como estatal não dependente, os Correios não poderiam receber aportes do Tesouro, pois o socorro direto para cobrir déficits de estatais fere as regras de responsabilidade fiscal. Ademais, aporte em empresa pública que atua no mercado vai contra as normas concorrenciais.

Adaptação climática do SUS exige eficiência

Por Correio Braziliense

O governo federal acerta ao anunciar um investimento de quase R$ 10 bilhões para a adaptação climática do SUS. Espera-se a condução das propostas com embasamento técnico, responsabilidade fiscal e eficiência.

Uma das manifestações mais incontestáveis da crise climática, o calor extremo tem efeito pandêmico: mata anualmente mais de 540 mil pessoas — quase 1.500 por dia, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS). O mesmo estudo, divulgado em meio às negociações da COP30, indica que um em cada 12 hospitais no planeta precisa interromper o funcionamento em razão de estragos provocados por tempestades, alagamentos e outros fenômenos do tipo. Maior vulnerabilidade psíquica, aumento de doenças infecciosas, queda na qualidade nutricional dos alimentos e baixa oferta da água também fazem parte da lista de impactos na saúde humana causados pelos extremos climáticos. É suicida, portanto, não considerá-los na gestão atual de qualquer comunidade.

Nesse sentido, o governo federal acerta ao anunciar um investimento de quase R$ 10 bilhões para a adaptação climática das unidades do Sistema Único de Saúde (SUS). O projeto inclui a construção de novos edifícios e a aquisição de equipamentos resilientes às intempéries, entre 27 metas e 93 ações a serem implementadas até 2035. Trata-se do plano de rotas do AdaptaSUS, lançado na conferência de Belém como uma iniciativa vanguardista para mitigar os efeitos da crise ambiental na saúde da população brasileira. 

Há medidas de curto, médio e longo prazo a serem implementadas em um sistema de efetiva capilaridade com o objetivo de fortalecer a vigilância, capacitar profissionais e adaptar instalações. Também estão previstos  investimentos em pesquisa e criação de plataformas integradas de dados. Nas palavras do ministro da pasta, Alexandre Padilha, as iniciativas vão convergir em um sistema que "se antecipe, responda e se adapte às mudanças climáticas para garantir atendimento a todos".

Será preciso correr contra o tempo para chegar a importante estrutura. A projeção da ONU é de que o mundo deve superar 1,5ºC de aquecimento até 2035, e dados oficiais revelam que apenas 54% dos planos nacionais de adaptação em saúde avaliam riscos às unidades de saúde, um dos pontos do AdaptaSUS. Cenário parecido repete-se na seara estadual, evidenciando que essa precisa ser uma pauta prioritária nas eleições daqueles que assumirão postos no Executivo e no Legislativo até ao menos 2030.

Para além de ajustes nas instalações, há de se considerar uma possível cronicidade no manejo de doenças já complexas no país, como as renais e as cardiovasculares. O AVC, por exemplo, mata um brasileiro a cada seis minutos e é a complicação que sofreu a principal carga global em saúde associada a altas temperaturas nas últimas três décadas — um aumento de 72%. Para ser eficiente, portanto, o hospital do SUS resistente a alagamentos também precisará ter condições de atender a um paciente com derrame em até quatro horas e meia, a janela de intervenção que garante menor risco de morte e sequelas graves. 

Há de se reconhecer que a preocupação do governo brasileiro com a interseção entre crise climática e saúde merece destaque. É, inclusive, apontada como um dos avanços da COP30. Pela primeira vez, a pauta saiu das discussões paralelas da conferência do clima e figurou entre as prioritárias. Anunciada pelo ministro Padilha durante o 14º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, no último domingo, em Brasília, a adaptação do SUS engrossa o entendimento de que se trata de prioridade. Não deve ser diferente. A crise climática impõe urgências, mas espera-se a condução das propostas também com embasamento técnico, responsabilidade fiscal e eficiência.

 

 

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