A pajelança a ser comandada hoje pelo presidente Lula com seus aliados do PSB e do PT, no Palácio da Alvorada, com todo o requinte da liturgia presidencial, é um lance para impressionar e, sobretudo, pressionar. Pressionar o PT, como última tentativa, a aceitar a candidatura de Ciro Gomes ao governo de São Paulo em nome da aliança e, se de todo não der mesmo, como não estava dando até ontem, e o partido dos trabalhadores mantiver a resistência, levar o PT a fazer concessões ao PMDB, nos Estados, para que o PMDB ceda a vaga de vice da candidata Dilma Rousseff a Ciro Gomes. Qualquer definição fora dessas opções leva Ciro a ser candidato a presidente da República na sucessão de 2010, contra tudo e contra todos, especialmente tendo como adversária a candidata petista.
Este é um resumido enredo do samba que deve se manter inalterado, mesmo após a reunião dos partidos com o presidente, porque a negociação não deve chegar a um desfecho assim, de primeira.
O que está ocorrendo agora tem gênese nas eleições municipais quando, para se fortalecer, ampliar horizontes e plantar sementes eleitorais, o chamado bloquinho de esquerda cogitou o lançamento da candidatura do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) a prefeito da capital, diante da impossibilidade de furar o bloqueio do PT contra alianças com esses pequenos partidos. Como os grandes desistiram de apoiar o PT, a candidata Marta Suplicy aceitou, em nome do partido, que o PCdoB integrasse sua campanha com a candidatura a vice, o deputado Aldo Rebelo. Não deixou de ser um passo adiante para este grupo apesar da relutância do PT, que atrasou a aplicação da estratégia da esquerda.
O que o PSB e o PCdoB vinham armando é uma continuidade deste propósito de 2008, mas com muito, muito mais condições de ampliação do seu eleitorado. Ciro Gomes quer ser candidato a governador de São Paulo, acha que estão esgotadas suas possibilidades no Ceará, onde já fez de tudo, armou as condições básicas para isto e os partidos que conduzem este projeto têm segurança sobre o sucesso que seria a empreitada. Esta candidatura, que o presidente Lula também quer muito, criaria melhores chances para a campanha da candidata Dilma Rousseff a presidente, puxando para ela boa parte da votação que o PSDB historicamente obtém no Estado. Daria ao PT, que não tem um candidato imbatível, condições de fazer uma grande bancada parlamentar. E se não vencesse nesta, Ciro criaria uma base em São Paulo para si e para esses partidos. Inclusive, acreditam os socialistas e comunistas, ampliaria para a votação do próprio PT.
Todos estavam dependentes de uma definição do PT mas, segundo avaliação feita ontem pelo grupo, o partido do presidente se perde no debate de posições, e não se define. Isso significa, para quem já viveu experiência com a legenda, que o PT não quer fazer a aliança e vai lançar candidato próprio. Este PT tem nome e sobrenome: Marta Suplicy e Antonio Palocci. Com um grande elenco na articulação das resoluções internas.
Há mais ou menos um mês, quando já estava na agenda a candidatura Ciro ao governo de São Paulo, uma análise interna feita pelo PT paulista e aqui mesmo publicada identificou as razões do partido para não aceitar a aliança desta forma. Para o PT, historicamente, o partido tem uma votação de 30% em São Paulo. Sem a certeza se vai transferir isto para outro candidato, temendo perder parte do eleitorado e desestimular a militância, que faz questão de marcar presença nas eleições, o melhor a fazer seria lançar candidato próprio e encontrar-se com PSB e PCdoB no segundo turno.
Argumentação que PSB e PCdoB consideram "balela". O mínimo que dizem dela é que é interesseira. O PT estaria, na verdade, tentando impedir a consolidação de uma liderança não petista em São Paulo. E só teria sentido a candidatura Ciro se fosse com a união de todos. Até porque, sem o PT, o tempo de televisão para a propaganda eleitoral do candidato seria mínimo.
Impacientes, e já tendo tido uma primeira posição do PT paulista de que terá candidato próprio, PSB e PCdoB resolveram voltar à candidatura presidencial de Ciro Gomes. A entrevista concedida pelo deputado à repórter Raquel Ulhôa, do Valor, publicada na edição de segunda, é uma conversa de candidato a presidente, cheia de recados ao PT mas sem fechar completamente as portas a uma aliança a qualquer tempo.
Ciro elogiou José Serra, o governador tucano que é seu sparring preferido: recado aos petistas de que não contem com ele para atacar o adversário; Ciro preservou Marina Silva, possível candidata do PV, porque não a considera sua adversária; previu a implosão da candidatura de quem considera do lado oposto ao seu, Dilma, se for mesmo a candidata do PT. E muitos outros sinais ao partido do presidente.
Pressão fortíssima mas ainda não a definição cabal de que sua candidatura é mesmo a presidente da República pelo PSB. Por uma razão: há políticos importantes do PT defendendo, como saída do impasse, que Ciro seja vice de Dilma Rousseff. Para isto, o Partido dos Trabalhadores tem um imenso desafio pela frente. O de convencer uma maioria do PMDB a ceder o posto sem abandonar a aliança lulista.
E para fazer esta maioria no PMDB, o PT precisa fazer uma maioria no próprio PT, para aceitar composições regionais abrindo mão de posições para favorecer pemedebistas. Por exemplo: José Fogaça, avaliam os partidários de Ciro, preferiria ter o apoio do PT no Rio Grande do Sul a ter o vice na chapa de Dilma; Hélio Costa, com certeza, igualmente em Minas Gerais; Sergio Cabral gostaria de ter o PT na sua reeleição mais que o vice da chapa presidencial. E assim em vários outros Estados onde o PMDB quer eleger o governador e fazer grande bancada, com o apoio do PT.
Se em São Paulo foi impossível ceder a candidatura aos parceiros históricos, imagine-se como será a negociação do PT com o PMDB país afora. Por isso, a solução não está à vista, ainda. O tempo é que vai resolver, não o encontro de hoje.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
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