Ao comemorar os vinte anos de renascimento macroeconômico propiciado pelo Plano Real de 30 de julho de 1994, a sociedade brasileira será premiada com uma extraordinária janela de oportunidade para que repense e redefina sua orientação estratégica. Nos oitenta dias que irão do final da Copa do Mundo (13 de julho) ao primeiro turno das eleições (4 de outubro), nenhum candidato a cargo majoritário ou proporcional poderá ignorar os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) que a 69ª Assembleia Geral das Nações Unidas estará prestes a promulgar em substituição aos ODM (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio).
Tão promissora ocasião precisa ser desde já preparada para que realmente possa ser frutífera. Por isso, o propósito deste artigo é chamar a atenção do leitor para duas iniciativas que, embora importantíssimas, terão menos cobertura do que mereceriam, pois é inevitável que a mídia esteja alheia aos processos que constroem os fatos que mais tarde não poderá deixar de noticiar.
A nata dos empreendedores responsáveis se reunirá na terça-feira, 24 de setembro, no espaço Tom Jobim do Jardim Botânico do Rio para debater quais devem ser as ações imediatas capazes de levar o Brasil a alcançar um padrão sustentável de desenvolvimento por volta de 2050.
É catastrófico o passo de tartaruga com que vem ocorrendo a expansão das redes coletoras de esgoto
O cenário para esse objetivo de longo prazo - elaborado por 77 grupos empresariais que geram 40% do PIB e mais de um milhão de empregos diretos - está condensado nas cem páginas do documento "Visão Brasil 2050", disponibilizado pelo CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) desde meados do ano passado: www.cebds.org.br/media/uploads/pdf/visao_brasil_2050_-_vfinal.pdf
Agora esse amplo cenário 2050 balizará a seleção de ações prioritárias até 2020, período que praticamente coincide com o do próximo mandato governamental/parlamentar. E é fácil notar que praticamente todas as ações selecionáveis necessariamente implicarão algum rompimento com tendências dominantes nos vinte anos de coalizões conduzidas por petistas, tucanos e Itamar, para nem lembrar as da Casa da Dinda e da Nova República.
Uma triste ilustração é o direito humano ao saneamento. Nada pode ser mais escandaloso e revoltante do que constatar que em 30 de agosto de 2013 tal direito continua a ser negado à metade da população brasileira. As principais vítimas são os que morrem devido à falta de redes coletoras de esgoto, em sua grande maioria meninos de 1 a 6 anos. Mas também os natimortos e suas mães, pois contato com esgoto aberto aumenta drasticamente o risco de que gravidez não culmine em bebê vivo. E ainda existe imensurável número de outras vítimas invisíveis, pois muitos dos que conseguem sobreviver a infecções parasitárias na infância ficam com a inteligência seriamente prejudicada.
Será que teria sido necessário conhecer outros de seus impactos para que o saneamento tivesse obtido total prioridade em qualquer dos últimos governos? Infelizmente parece que não, pois é catastrófico o passo de tartaruga com que vem ocorrendo a expansão das redes coletoras de esgoto. Inclusive nos tão festejados dez anos petistas, durante os quais supostamente tudo estaria sendo feito para melhorar as condições de vida do subproletariado. Em vez disso, se não romper com a tendência o país entrará no século XXII sem universalizar o acesso a tão básico direito humano.
A segunda iniciativa que muito contribuirá para bom aproveitamento da janela de 2014 é o projeto "Caminhos para "o futuro que queremos"", fruto de parceria do Cebri com a KAS (Centro Brasileiro de Relações Internacionais e Fundação Konrad Adenauer). Um seminário sobre a elaboração dos ODS, também no Rio, em 7 de novembro, destacará dois de seus eixos básicos: "Indicadores socioambientais" e "Financiamento para mitigação das emissões de carbono e adaptação à mudança climática": www.cebri.org
Para que o Brasil tenha protagonismo nessa elaboração, seus representantes que participarão mais diretamente do processo de negociação - notadamente das discussões no âmbito do "Open Working Group" - já deveriam estar debruçados sobre as questões em pauta nesse seminário Cebri/KAS, com realce para as que se referem à mensuração do desempenho econômico. Todavia, para que isso possa ocorrer, eles já deveriam estar recebendo subsídios das instituições que abrigam especialistas capacitados. A começar por IBGE e Ipea, mas também por universidades, onde se encontra a maioria dos pesquisadores ligados à Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, por exemplo.
Daí a torcida para que o projeto Cebri/KAS estimule o bem vindo novo chanceler Luiz Alberto Figueiredo a orientar o Itamaraty para que organize uma rede nacional de consultas e intercâmbio sobre os ODS. Medida crucial para que o Brasil ofereça tudo o que esteja ao seu alcance em negociações multilaterais que poderão fazer germinar, com quarenta anos de atraso, uma governança mundial do desenvolvimento sustentável.
José Eli da Veiga, professor dos programas de pós-graduação do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP) e do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ).
Fonte: Valor Econômico
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