Foi uma briga feia. Deu nisso E tudo começou com uma simples brincadeira. Já havíamos bebido muito. Um fim de sexta-feira, quase madrugada de sábado. E fomos rolando de boteco em boteco. Deixamos o Baixo-Leblon e fomos até a Lapa. Paramos no bar do Mário. Estava cheio aquilo. Era bicha e puta por tudo que é lado.
Pedimos duas pingas e fui até a vitrola. Foi aí que o Mário me soltou uma graça e ele não gostou. Mas como não tinha topete para enfrentar o Mário, aquela força bruta e negra de mais de 100 quilos em cima de um metro e noventa, arruaceiro de fama na boca da rua, veio em cima de mim. Me ofendeu. Me chamou de puta velha, boca torta, bunda murcha e outras. O quanto pôde, o quanto quis. Todo mundo me olhando.
A porta do botequim se encheu de gente. A Lapa toda pra me olhar. Pra ver minha bunda murcha. E eu ali bufando. Bufando de raiva. E ele me xingando. Me xingando. Aí eu não agüentei mais e gritei:
E vocês aí, minha gente, tão sabendo do pau mole que ele é, tão? Tão sabendo que ele tira onda de machão, mas não dá nem pra pintura da fachada, tão?
Aí foi aquela gargalhada geral. Foi aquele qui-qui-qui medonho. Mas a galera só estava ali mesmo no farejo da desgraça. Estava sentindo cheiro de sangue. Tava pedindo. Tava querendo sangue.
Quando eu falei "pintura da fachada" ele ficou fulo mesmo e partiu prá cima de mim. O olho vermelho de cana. Eu aí, pra me defender, peguei a garrafa em cima do balcão. Mas ele foi mais rápido. Sacou da navalha e zuniu com ela no ar, num lance preciso bem aqui no meu pescoço. Sangrou-me a carótida e a aorta. Ainda vi meu sangue, num esguicho de lança-perfume, bordando de vermelho as garrafas da prateleira. Não dava prá acreditar que aquilo fosse meu sangue. Parecia extrato de tomate num filme de moçinho.
Depois fui perdendo força. A boca salgada, cheia de líquido. O pescoço ardendo. O joelho foi dobrando, a vista escura, escura. A cara do Mário me olhando, tudo muito distante. As luzes pareciam vagalumes na escuridão. Até que tudo apagou. Tudo acabou. Caí no montoeiro de meu próprio sangue escorrendo, escorrendo até a porta do botequim, desenhando figuras sinistras no chão sujo e negro até a porta da rua.
Fui enterrada como indigente e até hoje meus ossos se encontram nessa vala comum. Não tenho parentes nem amigos. Quem ia se importar comigo, senão aquele velho, meu companheiro de botequim? Ele mesmo. O que me matou.
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