Devo insistir: o Brasil sente falta de um olhar estratégico. Ver em prazos longos, vislumbrar cenários futuros, traçar o caminho para as metas, pactuar responsabilidades, compartilhar confiança.
Vimos o contrário disso no leilão da chamada "joia da coroa" do pré-sal. É preciso boa vontade para chamá-lo de leilão, pois só um consórcio apresentou proposta para o campo de Libra, na bacia de Santos. Mas está além da boa vontade aceitar que o governo anuncie um plano de contingência para acidentes ambientais um dia depois do leilão, quando as críticas à falta do plano já eram públicas.
De fato, o potencial econômico do pré-sal é promissor, embora os trilhões anunciados sejam uma antecipação de marketing. Ainda demora alguns anos para que o óleo extraído se transforme em recursos para educação e saúde. E os R$ 15 bilhões que receberá na assinatura do contrato o governo usará para diminuir seus problemas de caixa.
Esse brilho do ouro negro não pode nos cegar para os riscos da exploração no mar em grande profundidade. O acidente no golfo do México, em 2010, mostra que o assunto é sério demais para ser tratado com muita pressa e pouco planejamento.
Só depois do leilão o consórcio vencedor de Libra teve acesso aos parâmetros que deverá seguir para lidar com acidentes. Arcará com os custos adicionais, ou estes ficarão para a sociedade, com os recursos públicos?
Essa é a "falha técnica" mais grave: a sociedade não está informada dos custos nem dos riscos. E o governo teve tempo para isso. Desde 2000, o país tem uma lei para a criação do Plano Nacional de Contingência (PNC). Na minha gestão no Ministério do Meio Ambiente, fizemos o mapeamento de áreas sensíveis do litoral brasileiro (inclusive a bacia de Santos) para combater a poluição de óleo. Elaboramos uma primeira versão do PCN e envolvemos dez ministérios em sua análise, há mais de cinco anos, antes de confirmada a viabilidade do pré-sal.
Na última campanha presidencial, as novas reservas de petróleo serviram à propaganda da coligação governista, mas o PNC permaneceu "esquecido nas gavetas" da Casa Civil até a última segunda-feira, segundo informou a imprensa. Tem-se a impressão, mais uma vez, de que o governo reage apenas ao risco eleitoral.
Pensemos, porém, em diminuir os problemas econômicos, sociais e ambientais. O governo deveria criar um comitê de acompanhamento, com instituições científicas, Ministério Público, organizações de defesa do consumidor e do meio ambiente, além dos órgãos oficiais ligados ao assunto.
Assim, teremos segurança sobre os destinos das joias que não são mais da Coroa, mas da República, de todos nós.
Ex-senadora, foi Ministra do Meio Ambiente
Fonte: Folha de S. Paulo
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