• Antigo marqueteiro escudou-se num presidente blindado
- Valor Econômico
"Vossa Excelência imputa a meu cliente a ocultação de valores de uma organização criminosa, ocultação que teria se forjado entre quatro paredes do palácio presidencial. Que o presidente não soubesse e que vossa excelência não tivesse a convicção que Lula soubesse, aceito plenamente. O que não entendo é o anticritério". Foi assim, em que agosto de 2012, o advogado de Duda Mendonça no mensalão, Luciano Feldens, arrematou sua defesa. Se o procurador-geral partia da premissa que o presidente da República não tinha conhecimento do crime que se desenrolava à sua sombra, por que seu marqueteiro teria que saber?
Inocentado da acusação de lavagem de dinheiro, Duda ainda teria que acertar suas contas com a Receita, mas deixaria de trabalhar em campanhas presidenciais petistas. Sua substituição pelo ex-sócio João Santana, 11 anos mais novo, foi uma mudança de forma - do 'Lulinha paz e amor' para o 'Nós contra eles' - mas não de conteúdo. A terra gira, o mensalão roda a Lava-Jato e as campanhas eleitorais, de todos os partidos, continuam a se imiscuir nos contratos do Estado.
Duda nunca chegaria a ser preso, Santana já desembarcou no Brasil dentro de um camburão da Polícia Federal. A mudança mais importante entre os dois casos não é na forma nem no conteúdo do marketing político mas nos seus denunciantes. Ao contrário do mensalão, quando o procurador Antonio Fernando de Souza, atual advogado do deputado Eduardo Cunha, excluiu o presidente da República da acusação, a força-tarefa da Lava-Jato ainda não ergueu blindagens que ofereçam à presidente da República e, ainda menos, ao seu antecessor, a condição de escudo.
A ausência de garantias explica, em parte, a elevação do tom entre partido e Presidência. PT e Dilma marcam diferença - da reforma da Previdência à relação com o marqueteiro. As mensagens no celular do empreiteiro Marcelo Odebrecht com referências cifradas a Santana levou o PT a substituí-lo assim como fez com Duda, há 10 anos.
O novo marqueteiro, Edson Barbosa, que estava na campanha de Eduardo Cunha em 2014, já havia trabalhado para o PT. No programa que foi ao ar esta semana, trouxe 30 segundos de autocrítica e nove minutos e meio de uma crença abstrata no futuro, sem animosidades com adversários, mas com um discurso de redenção social destinado a preservar o terço original do eleitorado ao qual o partido parece conformado em retornar.
Se o PT tomou distância de Santana, o mesmo não se pode dizer da presidente, que continuou a ser aconselhada pelo marqueteiro até o último pronunciamento sobre o Zika, exibido no início do mês. Palácio do Planalto e PT protagonizam um jogo de empurra sobre a quem cabe a prestação de contas da campanha na tentativa de delimitar os depósitos para o marqueteiro ao pagamento pela prestação de serviços eleitorais.
A regularização do caixa 2 é parte da explicação de uma campanha que, em 2014, somou gastos de todos os partidos 160% mais cara que a de 2010. Os despachos do juiz Sérgio Moro e as declarações do delegado da Polícia Federal, no entanto, indicam a disposição da força-tarefa em provar que as contas de Santana no exterior não foram movidas a caixa dois mas a dinheiro desviado pelo esquema da Odebrecht na Petrobras.
É possível que Duda não tivesse escapado da prisão se seu julgamento fosse hoje, tanto pela jurisprudência da lavagem de dinheiro estabelecida na Lava-jato quanto pela indisposição da força-tarefa de dar um atestado de indoneidade prévio aos contratantes dos marqueteiros.
Blindado da bombástica revelação de Duda na CPI dos Correios, Lula salvou seu marqueteiro. Como o mercado aberto a Santana, no exterior, seguiu as pegadas da Odebrecht, o ex-presidente deve ser colocado na condição de escudo, desprovido de blindagem.
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que uma campanha que declarou pagamentos de R$ 70 milhões ao seu marqueteiro não teria razões recorrer a caixa dois. "Se o partido A, B, C ou D recebeu alguma coisa, isso não se comunica com a campanha", disse Cardozo à Vera Rosa, de "O Estado de São Paulo", numa demonstração de que a linha de defesa do Palácio do Planalto joga nos ombros do PT e de sua principal liderança, esta fatura.
O partido ainda terá que arcar com as contas de outro de seus eleitos, o prefeito Fernando Haddad, cuja campanha também foi conduzida por Santana. O prefeito de São Paulo, que terminou a campanha com a segunda maior dívida da disputa municipal, de R$ 20 milhões, dois milhões a menos do que aquela deixada por José Serra, também já disse que eleitos não podem tratar de dívida de campanha.
Tão difícil para o PT quanto ter dois personagens como Dilma e Haddad no comando dos principais orçamentos do partido no país, é saber o que fazer deles agora que o homem que lhes deu roupagem está na cadeia.
O inquérito se desenrolará em meio a uma campanha municipal regida por uma legislação eleitoral que, por força dos escândalos, passou pelas mudanças mais radicais das últimas duas décadas. A campanha foi reduzida de 45 para 35 dias e os programas, de 30 para dez minutos. O formato mais enxuto vai forçar uma redução nos gastos, mas não a ponto de evitar o aumento do caixa dois.
O veto elevou o cacife de candidatos que não precisam de marketing para se tornar conhecidos e já fez surgir no mercado duas alternativas para doações de, no máximo, até 10% do rendimento de pessoas físicas: o laranjal de CPFs e a contratação de serviços por empresas. Nada impede que um banco contrate uma pesquisa de intenção, por exemplo, e a repasse para um candidato de sua preferência.
A justiça eleitoral fiscaliza por amostragem e, na maior parte do país, não está equipada para coibir os escambos que estão por vir. Vai ser um espetáculo, ainda que de baixa audiência e incapaz de ofuscar o show em cartaz da Lava-Jato.
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