Folha de S. Paulo
O impasse fiscal e a perda de poder
orçamentário do Executivo
"Que o exemplo do IOF, dado pelo governo federal, seja o último entre aqueles
em que o Executivo tenta usurpar atribuições do Legislativo", afirmou
recentemente o presidente do Senado, Davi
Alcolumbre. Já o presidente da Câmara, Hugo Motta,
ameaçou aprovar um decreto legislativo para suspender o aumento de imposto
proposto pelo Executivo. É mais um capítulo das tensas relações entre os Poderes durante o
terceiro mandato de Lula.
O episódio remete à derrota da PEC da CPMF, em 2007, no auge do padrão de hegemonia do Executivo, em Lula 2. A proposta de prorrogar a CPMF por mais quatro anos, após duas décadas de vigência, foi rejeitada no Senado, resultando em uma perda de arrecadação estimada em R$ 70 bilhões.
Duas questões centrais emergem desse paralelo
histórico: as transformações nas relações Executivo-Legislativo na última
década e o esgotamento da resposta mais comum ao desequilíbrio fiscal —o
aumento de impostos. Desde a derrota da CPMF,
em 2007, os custos políticos de elevação da carga tributária se tornaram
significativamente mais altos. A difícil negociação em torno da reforma
tributária aprovada em 2023 (EC 132/23) —e a restrição forte quanto a não
expansão da carga— é o ultimo exemplo relevante.
A derrota ocorreu quando o Executivo dispunha
de instrumentos para fazer valer sua agenda —por exemplo maioria congressual
robusta, alta popularidade e ampla discricionariedade na execução orçamentária.
E mais: no primeiro ano de Lula 2 quando o governo ainda surfava nos benefícios
da lua de mel presidencial, o que contrasta claramente com a situação de pato
manco virtual em que se encontra no momento. Naquela conjuntura as emendas do
orçamento impositivo (EC 86/15 e EC 100/19) não haviam sido aprovadas nem
tampouco o fundo eleitoral (2017) havia sido ainda criado de campanha.
A criação das emendas obrigatórias
individuais e de bancada reduziu a dependência do Legislativo em relação ao
Executivo. Já o fundo eleitoral bilionário garantiu a sobrevivência partidária e impôs barreiras à entrada
de novos atores no sistema eleitoral. Há, nesse processo, profunda
endogeneidade: as instituições moldam o comportamento dos atores, mas são
também modificadas por eles. Mudanças institucionais impõem rigidez, mas são
também resposta à perda de poder do Executivo frente aos demais poderes.
A influência do Legislativo no orçamento
aumentou de forma significativa, indo além da simples impositividade das
emendas. Uma dissertação recente de Alexsandra Cavalcanti (UFPE) estima, com
base em métricas comparativas internacionais, um aumento de 17,4 pontos no
escore de poder orçamentário do Legislativo entre 2007 e 2023 —o que capta um
conjunto expressivo de mudanças organizacionais na relação entre os Poderes.
O arcabouço institucional –o presidencialismo
multipartidário, as regras fiscais, etc.— cria constrangimentos, mas não
determina unilateralmente os resultados de política. É a estrutura. E o
gerenciamento das coalizões constitui a agência. Entre estrutura e agência há
espaço para escolhas contingentes. As escolhas e as decisões fiscais e
orçamentárias em Lula 3 são seus produtos. A mudança na avaliação de risco do
país é a consequência.
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