E quem fala nesses verbos também pensa em Arte, em Literatura. Pois por intermédio da criação o Homem se juntou aos seus semelhantes, dividindo sua beleza interior com o mundo. A Arte une. E, de quebra, recompõe o Homem com ele mesmo.
Mas a Arte é um também mistério para todos
nós. Segundo os dicionários, o mistério seria tudo aquilo que apresenta uma
causa enigmática, ou até oculta. Só faltou ser dito: o mistério é algo feito
para colocar medo nas pessoas. Creio, porém, que seria insuportável levar uma
vida sem a presença do mistério. Saberíamos então de tudo e perderíamos a
curiosidade diante dos fatos da existência. Muitos de nós não aguentaríamos
viver dessa maneira. Sem contar que os religiosos das mais diversas crenças se
sentiriam completamente abandonados e os detetives, provavelmente, amargariam
um desemprego formidável. E a vida se transformaria, é razoável supor, em uma
tremenda chatice. “Este mundo é redondo, mas está ficando mundo chato”,
sentenciou certa vez Aparício Torelly, o Barão de Itararé, não podemos
esquecer.
O mistério é a vida.
E a vida, ritual. A passagem da condição de
menina para aquela de mulher materializa um dos momentos mais belos da natureza
humana. Talvez mesmo o seu mais belo momento. Celebração da vida, essa passagem
é, provavelmente, o rito mais difundido da Humanidade, conforme o atestam os
mitos, os tratados antropológicos e os relatos de viajantes pelos quatro cantos
do mundo. De fato, essa passagem se faz presente em todas as culturas. Não por
acaso a palavra ritual vem de rtu, termo sânscrito que significa menstruação.
Os índios do Mato Grosso, reunidos no Alto Xingu, celebram o fim do luto com um
ritual, Quarup. Sim, vida também é rito.
Os religiosos e detetives que me perdoem, mas
é possível conjeturar que a Arte e a Literatura seriam os domínios da ação
humana que mais sofreriam abalos com uma eventual supressão do mistério. Pois
não há explicação para a magia da atividade artística fora do mistério. E o dia
em que o mistério fosse realmente desvendado, não haveria mais Literatura e
Arte, pura e simplesmente. Ainda bem que esse dia não chegará nunca.
Pois se fôssemos racionalizar acerca de tudo
que a Arte nos transmite, terminaríamos por não mais sentir. Deixaríamos de nos
deliciar com a elegância dos diálogos de William Shakespeare ou de nos
impregnar com os sons contrapontísticos de Johann Sebastian Bach. Ou então
fecharíamos os olhos para a maravilha representada pelos quadros de Alessandro
Botticelli ou as colunas de Oscar Niemeyer em Brasília. Ou seja, perderíamos a
dimensão sensitiva da vida, seguramente. Na verdade, é nos sentimentos, nessa sensação
inesgotável de encantamento, que reside a essência da Literatura e da Arte.
O mistério como base da criação, sempre.
Talvez seja até melhor que ninguém consiga explicá-lo. Podemos aprender com
alguns povos tradicionais da África que, ao cortarmos uma árvore, estaremos
afastando Deus de nossas vidas. Certamente isso contribui para a preservação da
vida muito mais do que determinados tratados de Ecologia. Ah, também, os poetas
nos ensinam sobre as estrelas mais do que muitos estudos elaborados pelos
astrônomos, pois sentem a presença delas. Em caso de dúvida, é só consultar
Mário Quintana. Ele escreveu: “A noite acendeu as estrelas porque tinha medo da
própria escuridão”.
O mistério, da mesma forma que a Literatura e
Arte, não será desvendado jamais.
Ainda bem - e esse é mais um
mistério.
*Historiador.
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