• Acusado chora, mas não convence críticos • Acordo pode devolver processo ao Conselho • Eleição na Câmara é marcada para dia 12
Réu na Lava-Jato, afastado do cargo pelo Supremo e ameaçado de prisão e cassação, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) renunciou ontem à presidência da Câmara para tentar salvar seu mandato e manter o foro especial. Um ano e cinco meses depois de ser eleito para comandar a Câmara, Cunha saiu sob pressão até de aliados e após costurar um acordo que pode mudar a decisão do Conselho de Ética de abrir processo de cassação contra ele. Ao renunciar, o deputado acusado de receber propinas se disse vítima de perseguição e afirmou que a Câmara está “acéfala, numa interinidade bizarra”, referindo-se ao presidente interino, Waldir Maranhão, indicado por ele para a Mesa Diretora. Contrariando seu estilo frio, Cunha chorou ao falar da mulher e da filha, investigadas na Lava-Jato, mas não convenceu seus adversários. A Câmara marcou para a próxima terça-feira a eleição do novo presidente, que terá mandato-tampão até fevereiro do ano que vem.
Renúncia estratégica
• Cunha abre mão da presidência da Câmara para tentar salvar seu mandato
Isabel Braga, Eduardo Bresciani, Evandro Éboli, Letícia Fernandes, Simone Iglesias e Catarina Alencastro - O Globo
-BRASÍLIA- Afastado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nove meses depois de se tornar alvo de um lento processo no Conselho de Ética, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, renunciou ontem ao cargo, em decisão construída com líderes do centrão. Réu em dois processos por corrupção na Lava-Jato e alvo de quatro inquéritos criminais no Supremo, Cunha tentou uma última cartada para tentar salvar o mandato e continuar com o foro privilegiado no STF, mantendo a rotina de incontáveis manobras que vem usando no processo de cassação.
A decisão, antecipada pelo colunista Ilimar Franco, do GLOBO, abriu a corrida sucessória na Casa e já tem 15 candidatos no páreo. Líderes do centrão, que tem o apoio de 280 deputados, convocaram a eleição para a próxima terça-feira, contrariando decisão do presidente interino da Casa, Waldir Maranhão (PP-MA), que já havia convocado a votação para a próxima quinta, último dia do prazo regimental para a realização da eleição para escolha do sucessor para o mandato-tampão até 1º de fevereiro de 2017.
Para aceitar renunciar, Cunha iniciou a costura de um acordo com o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Osmar Serraglio (PMDB-PR), para que o processo de cassação seja devolvido ao Conselho de Ética, com o objetivo de ganhar tempo e atrasar a votação do pedido de cassação do mandato no plenário. No momento da renúncia, na contramão da imagem de frio e controlado, Cunha se emocionou e chorou, ao falar de sua mulher, Cláudia Cruz, e da filha Danielle Dytz, também investigadas na Lava-Jato.
O deputado, também afastado do mandato pelo Supremo, reuniu na madrugada de ontem, na residência oficial da Câmara que ainda ocupa, seus principais aliados e anunciou que renunciaria às 13h. Desde que foi afastado do mandato e da presidência, por suspeita de atrapalhar as investigações e o processo de quebra de decoro contra ele no Conselho de Ética, Cunha estava sendo pressionado pelos aliados para renunciar à presidência da Casa.
Ontem, para o anúncio da renúncia, na qual leu uma carta, ele cercou-se dos principais aliados. Os poucos chegavam, silenciosos, na chapelaria da Casa. O ainda presidente afastado foi recebido em clima de consternação e de pouca euforia.
Cunha contou com todo o aparato de seguranças e funcionários da Câmara para anunciar a renúncia. Depois de ler a carta, recolheu-se em uma sala ao lado e recebeu a solidariedade de alguns líderes e deputados. Minutos depois, usou a rampa do Congresso Nacional para deixar o prédio na sua despedida do cargo, que ocupou por um ano e meio.
O presidente interino, Michel Temer, estava reunido com os ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Dyogo de Oliveira (Planejamento) debatendo o déficit fiscal do próximo ano, quando Cunha anunciou a renúncia. Um assessor entrou no gabinete para ligar a TV.
Temer já sabia desde a noite de quarta-feira sobre a renúncia. Osmar Serraglio, da Comissão de Constituição e Justiça, esteve no Palácio do Planalto para avisá-lo e informar sobre as negociações para o retorno do processo contra Cunha para o Conselho de Ética.
Integrantes do governo disseram que foi um processo construído ao longo das últimas semanas e que, ontem, o que ocorreu foi “o ato final”. Na avaliação do Planalto, a renúncia foi um gesto de desespero, porque Cunha perdeu o “timing”. Agora, disseram auxiliares de Temer, ele dificilmente escapará da cassação. Na conversa que tiveram no Palácio do Jaburu, há duas semanas, Cunha pediu a Temer que interviesse, ajudando a conquistar votos contra o seu afastamento. O presidente, no entanto, disse que não poderia se comprometer.
— Cunha queria que o governo fosse o fiador da sua salvação. Mas o governo não poderia garantir votos de deputados na frente do microfone com pressão da população. Temer sugeriu a ele que combinasse com os líderes partidários — disse um auxiliar presidencial.
Cunha terá 30 dias para deixar a residência oficial da Câmara dos Deputados. Também perderá o direito a usar o avião da FAB, os carros e os seguranças da Casa. A renúncia dele poderá complicar ainda mais sua situação no Supremo. A partir de agora, os processos contra o deputado vão ser julgados na Segunda Turma da Corte, e não mais no plenário do tribunal. Nas turmas, as decisões costumam ser mais rápidas, o que vai contra a estratégia dos advogados de defesa do deputado.
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