quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Recuperação da economia global é desigual e instável – Editorial | Valor Econômico

Ainda que seja quase certo que a economia americana se reerga, ela não o fará de forma tão rápida quanto se previa

A recuperação global será tanto mais segura e estável quanto mais o coronavírus sair de cena - o que não é certo em nenhuma economia relevante até agora. A reação das principais economias desenvolvidas prossegue, amparada por gigantescos aportes de liquidez nos dois lados do Atlântico e no Japão, mas há sinais de arrefecimento à medida que os estímulos fiscais estão sendo retirados. O auxílio para desempregados e trabalhadores impedidos de trabalhar caiu pela metade, para US$ 300, e mesmo esse apoio veio por decreto do presidente Donald Trump, já que democratas e republicanos não se entendem sobre um novo pacote de medidas de apoio.

A China é a única grande economia onde a recuperação é firme, após ter se livrado da pandemia no primeiro trimestre. O crescimento esperado para o ano é de 2,3% e, em 2021, de 7,5%. Pequim sustentou as atividades com mais investimentos em infraestrutura e em imóveis não-residenciais, mas os resquícios de incertezas sobre o coronavírus persistem, na forma de mobilidade contida, expressa no desempenho das vendas dos restaurantes, 11% menor em julho do que um ano antes, segundo cálculos da Oxford Economics. Os investimentos privados são 5% menores no mesmo período.

Mas a indústria chinesa já ultrapassou com alguma folga a marca de dezembro de 2019, e as exportações crescem com vigor. Em valor, aumentaram 9,5% em agosto ante agosto de 2019, com um salto de 20% nas vendas aos EUA e de 11,2% para a União Europeia.

A zona do euro tem desafios significativos à frente. Com a mudança de política monetária do Federal Reserve americano, que passou a perseguir uma inflação média superior a 2% no longo prazo, e a desvalorização do dólar subsequente, o Banco Central Europeu tem de se deparar agora com um euro valorizado e esperar que seu efeito baixista desapareça. Em agosto, houve uma deflação recorde anual de 0,4%, e não há muito mais coisa que o BCE possa fazer, seja com aumento de compra de títulos, já enorme, ou reduzindo ainda mais seus juros negativos de 0,5%.

As vendas no varejo do bloco caíram em julho. Indicadores de outras economias importantes deram sinais pouco animadores. A recuperação alemã perdeu força em julho, quando cresceu apenas 1,2% ante avanço de 9,3% em junho - a expectativa dos analistas era de 4,8%. As vendas do poderoso setor automobilístico ainda estão 15% abaixo de julho de 2019 e esses números indicam que o país só voltará mesmo ao nível de atividades pré-pandemia em 2022. As vendas no varejo da Itália, terceira maior economia da zona, caíram 2,2% no mês, após subirem 12% em junho. A Comissão Europeia estimou em junho que as empresas europeias perderão €720 bilhões em reservas de caixa e dívidas maiores (FT, ontem). Há 25% das companhias com até 20 empregados sem fôlego para seguir em frente.

Economias asiáticas relevantes não estão acompanhando o passo firme chinês. Uma queda mais acentuada do investimento privado (-4,7%) no segundo trimestre derrubou em 7,9% o PIB do Japão. O consumo caiu em linha e na mesma magnitude. As exportações recuaram e as importações quase não se moveram, fazendo o setor externo retirar pontos do desempenho.

O presidente Donald Trump, ao seu estilo, disse que nunca houve uma recuperação tão forte da economia americana, mas isto, como muita coisa que fala, não deve ser levado a sério. Há temor de que o fim dos estímulos, já em curso, retire a força da recuperação. Apesar dos números do emprego recentes, de criação de 1,4 milhão de vagas, parecerem indicar reação forte, há neles quase 400 mil trabalhadores contratados para o Censo. Falta a colocação de 12 milhões de pessoas para que o nível de emprego se equipare ao que era antes da covid-19.

Os bancos americanos começaram a guardar dinheiro para empréstimos de retorno incerto - US$ 111 bilhões, no segundo trimestre. A maior parte deles é do setor imobiliário comercial, cuja atividade continua fraca, insuficiente para o pagamento dos créditos. A distância entre democratas e republicanos sobre um pacote de medidas para apoiar a retomada diminuiu muito pouco. Os republicanos querem que ele seja de US$ 500 bilhões, os democratas partiram de US$ 3 trilhões, já aceitam a metade disso, mas as negociações continuam empacadas em meio a um clima eleitoral turbulento. Ainda que seja quase certo que a economia americana se reerga, ela não o fará de forma tão rápida quanto se previa.

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