O Globo
Do ministro da Fazenda depende o sucesso eleitoral do governo, e da titular do Meio Ambiente, o prestígio internacional do presidente
Fernando Haddad e Marina Silva foram ministros nos governos Lula 1 e 2. Percorreram itinerários bem diferentes em termos de batalhas vencidas, perdidas e de aval que receberam do presidente. Isso ditou o afastamento dela e a aproximação cada vez maior dele em relação a Lula, a ponto de substituí-lo como candidato em 2018. De volta para o terceiro ato do petista na Presidência, representam, mesmo com essa bagagem, a vanguarda possível de um governo que ainda tem o cacoete do retrovisor.
O bem lapidado discurso de Lula na ONU e a presença de destaque do ministro da Fazenda e da titular do Meio Ambiente a seu lado em Nova York atestam a centralidade que têm hoje no arranjo do governo, de novo de formas bem distintas.
De Haddad depende primordialmente, o sucesso político e eleitoral do governo. Não é pouca responsabilidade. Ainda que Lula tenha defendido na Assembleia Geral a reforma da globalização e do capitalismo como condições imprescindíveis à sobrevivência da própria democracia e das instituições de governança global, muito em linha com teóricos como o Nobel de Economia Joseph Stiglitz, a missão do ministro é mais terrena — e local.
Terá de se mostrar capaz de entregar uma meta fiscal ambiciosa, um crescimento robusto e números reais de superação da desigualdade e da extrema pobreza — sim, há o Ministério do Desenvolvimento Social, mas é a pujança da economia que ditará se isso é sustentável ou não.
De Marina depende a projeção internacional de Lula, algo que, como se viu, o petista preza cada vez mais. Os aplausos que ele angariou na ONU têm doses iguais de recall da imagem que construiu nas gestões anteriores, alívio pela comparação com as participações canhestras de Jair Bolsonaro naquele palco e confiança no Brasil como ator importante na cada vez mais inadiável nova ordem global que encare a crise climática não como uma carta de compromissos, mas como uma emergência de fato.
Marina não pode ser apenas um cartão de visitas em fóruns mundo afora. A credibilidade que ela angaria vem da insistência — por tantas décadas confundida com dogmatismo quando era, agora se vê, entendimento profundo de para onde o mundo caminhava rapidamente — na necessidade de não atropelar o meio ambiente com a fúria desenvolvimentista.
Mesmo sendo esteios fundamentais para Lula não fazer um governo que corra o risco de ser apenas um remake menos vistoso dos programas com siglas que lançou no passado, tanto Haddad quanto Marina parecem fadados a atravessar o deserto das provações até suas estratégias serem totalmente avalizadas pelo chefe.
Os obstáculos do ministro da Fazenda são a constante objeção do seu partido, o PT, sempre puxando a corda para o lado de mais gastos, e a desconfiança do mercado, de outro. Depois de uma breve lua de mel com Haddad, o tal mercado já parece descrente na capacidade de o marco fiscal ser exequível e de o ministro entregar o déficit zero que prometeu para o ano que vem, como mostra pesquisa recente da Quaest.
Do lado de Marina, as cascas de banana muitas vezes partem do próprio Lula. Se não as joga no caminho da auxiliar, ele entrega para aliados próximos jogarem.
Para ser coerente com a própria pregação na ONU e convencer os países ricos a colocar a mão no bolso para manter a floresta Amazônica de pé — algo que cobrou com total precisão e justiça —, o presidente não pode flertar com a abertura de uma nova fronteira de exploração de petróleo na Margem Equatorial. “Ah, mas são só estudos”, dirão os que tentam ganhar tempo. As demais nações não são bobas, como parecem acreditar.
Para fazer jus aos aplausos que recebeu por uma fala praticamente impecável do ponto de vista retórico, Lula tem de mostrar que entendeu que se passaram 20 anos desde que abriu a Assembleia Geral da ONU pela primeira vez. Ele tem nos seus dois novos velhos ministros os caminhos mais seguros para fazer isso.
3 comentários:
Perfeito! (É assim que se expressa o que esta coluna é?).
▪Só faltam os ouvidos e olhos para lerem esta coluna de Vera Magalhães.
■Estupenda, é a Vera! E tão chamada sempre e há anos de Vera C****lhães pelos petistas ; e pelos bolsonaristas, ... (deixa para lá!).
Perfeito!
Vera entende das coisas.
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