O Estado de S. Paulo
O que se coloca agora é um ponto de inflexão: pela primeira vez temos legislação, planejamento, governança e instrumentos financeiros apontando para a mesma direção
O Brasil vive uma oportunidade rara de
reorganizar sua infraestrutura logística, com base numa visão de Estado e em
instrumentos inovadores de financiamento. A recente Política Nacional de
Outorgas Ferroviárias, primeira da história, representa diretrizes que vão além
do setor de transportes: trata-se de uma peça chave para uma reconfiguração
estratégica do modelo de desenvolvimento econômico nacional.
Ao reduzir custos logísticos, integrar regiões produtivas e ampliar a competitividade do País nas cadeias globais do comércio, as ferrovias operam como vetores de produtividade e ordenamento territorial. Em países continentais, a ferrovia não é apenas um modal de transporte: é um instrumento de política econômica, capaz de orientar investimentos, estimular setores inteiros e sustentar um ciclo duradouro de crescimento.
Como senador, tive a oportunidade de
apresentar ao Congresso o projeto de lei que deu origem ao Marco Legal das
Ferrovias (Lei 14.273/2021), uma mudança decisiva para modernizar o setor e
ampliar a participação do investimento privado na malha nacional. Hoje, é
motivo de satisfação ver que um dos meus então assessores econômicos (Leonardo
Ribeiro), atual Secretário Nacional de Ferrovias, lança, ao lado do
bem-sucedido ministro dos Transportes, Renan Filho, a primeira Política
Nacional de Outorgas Ferroviárias.
Trata-se da consolidação de uma agenda que
começamos há anos no Parlamento e que agora se projeta numa política pública
abrangente, com capacidade real de transformar a infraestrutura ferroviária do
País, dando consequência real ao consenso de que nosso país precisa das
ferrovias para seu desenvolvimento, gerando renda e emprego de forma
ambientalmente responsável.
Depois de décadas de fragmentação regulatória, indefinições contratuais e investimentos insuficientes, o País finalmente estabelece um modelo nacional coerente para expansão, modernização e integração ferroviária. Não se trata apenas de planejar novas linhas, mas de criar as condições econômicas e jurídicas para que elas, de fato, sejam implantadas.
A nova política ferroviária inaugura um
mecanismo estratégico e fiscalmente responsável: o Estado volta a ter
participação direta na viabilização dos corredores estruturantes, não pela via
tradicional da obra pública, mas por meio de instrumentos financeiros capazes
de atrair capital privado e reduzir riscos. Entre esses instrumentos estão
investimentos cruzados, contas vinculadas, ativos imobiliários, incentivos
fiscais, participação orçamentária da União, novas estruturas de garantias,
entre outros. São mecanismos que aproximam o Brasil das práticas internacionais
mais sofisticadas em infraestrutura.
Esse arranjo resolve um dos principais
gargalos das últimas décadas: a dificuldade de financiar projetos ferroviários
que exigem investimentos pesados no início e retornos de longo prazo. A
combinação de segurança jurídica, engenharia moderna e arquitetura financeira
inovadora permite transformar projetos antes inviáveis em empreendimentos
financiáveis. O objetivo – simples e ambicioso – pode iniciar um ciclo real de
implantação de novas ferrovias, algo que o País não vivencia em escala
significativa há mais de meio século.
Ao mesmo tempo, a política abre espaço para
modelos complementares, como autorizações ferroviárias e chamamentos públicos,
proporcionando alternativas para trechos ociosos ou subutilizados. É uma agenda
que combina eficiência econômica com racionalidade territorial: recuperar o que
existe, concluir o que está incompleto e expandir onde o potencial de carga e
desenvolvimento regional justifica.
A experiência internacional mostra que países
que desejam se industrializar de forma competitiva, ou reinserir suas economias
nas cadeias globais, tratam as ferrovias como ativos estratégicos, não
acessórios. A combinação de menor custo logístico, maior produtividade e
integração territorial amplia o dinamismo econômico e reforça a competitividade
do setor privado. O Brasil, cuja geografia favorece corredores longitudinais e
transversais de grande escala, não pode prescindir desse salto.
O que se coloca agora é um ponto de inflexão:
pela primeira vez temos legislação, planejamento, governança e instrumentos
financeiros apontando para a mesma direção. É um alinhamento institucional raro
e que precisa ser preservado.
Se bem implementada, a nova Política Nacional
de Outorgas Ferroviárias poderá inaugurar um ciclo contínuo de expansão da
malha ferroviária sem afetar o arcabouço fiscal. É uma oportunidade para que o
Brasil avance, com pragmatismo e visão estratégica, rumo a uma logística mais
eficiente, uma economia mais produtiva e um futuro mais sustentável.
O País não precisa escolher entre ferrovia pública ou privada. Precisa escolher um caminho no qual o Estado organize incentivos, dê segurança jurídica e reduza riscos para que o setor privado realize os investimentos com eficiência e capacidade de inovar.

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