quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

De Grace Kelly a James Joyce. Por Ivan Alves Filho

Por dois anos, eu trabalhei como controlador de bilhetes no Teatro Rond Point, localizado no início da célebre Avenue des Champs Elysées, em Paris. Grandes escritores, atores e cantores frequentavam o local, a começar por Régis Debray, o companheiro de Ernesto Che Guevara na Bolívia, Jean-Louis Barrault, Madeleine Renaud e Yves Montand. E pela minha porta, passou nada mais nada menos do que Grace Kelly, atriz e, posteriormente, princesa de Mônaco. Era de uma beleza por assim dizer...imperial.

Isso se deu por ocasião de uma homenagem prestada a ela no Teatro. Casa lotada, e eu tentando me virar para, literalmente, controlar a situação, o entra-e-sai. Conferindo os bilhetes, de cabeça baixa, eu não reparei quando a princesa se aproximou de mim. Mecanicamente, estendi uma das mãos para ela e pedi o seu bilhete. Precisamente nesse momento, Jean-Louis Barrault, o dono do teatro, se aproximou de mim e sussurrou: Mais...c´est la princesse!” E me deu uma espécie de beliscão... Um vexame e tanto. Conforme já relatei uma vez, barrei a princesa no baile. Acontece nas melhores famílias – ou dinastias, o que digo eu.

Por que estou me lembrando disso, transcorridos tantos anos – bem mais de quarenta, para dizer a verdade? Por uma razão: li, certa vez, que James Joyce, aos 18 anos, se dirigiu a um teatro em Dublin, na sua Irlanda natal, para assistir a uma peça ali apresentada. Só que ele não tinha um tostão furado no bolso. O então adolescente não se fez de rogado:

- “I am James Joyce”, lançou ele ao perplexo bilheteiro do teatro.

Impressionado com a ousadia do rapaz, o bom homem o deixou entrar. Isto é, caiu no canto da sereia do jovem. Vale dizer, agiu de forma mais sensata do que eu, provavelmente, que dei um cartão vermelho para a princesa. 

Às vezes eu me pergunto se James Joyce não teria se inspirado nele mesmo e nesse episódio tão destemido quando escreveu o seu célebre romance Ulisses, no qual o personagem Leopold Bloom lutava com bravura para escapar... do canto das sereias e de sua sedução. 

Quem sabe começava ali, naquele teatro de Dublin, a vitoriosa carreira de James Joyce na Literatura - ou a sua cartada inicial. 

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