quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

As mulheres em movimento. Por Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

Transformação do país altera o papel feminino na sociedade brasileira

Elas comparecem mais às urnas que os homens e se destacam pelo apoio à centro-esquerda

Mulheres saíram às ruas, no domingo (7), para exigir o fim da violência que nos ameaça nos espaços públicos e ali onde ela mais fere: no círculo privado da família e das relações íntimas.

Tão importante quanto denunciar a violência de gênero é registrar a crescente rejeição a um comportamento que outrora parecia fazer parte da ordem natural das coisas. Afinal, nos anos 1960, o consagrado dramaturgo Nelson Rodrigues podia achar que fazia humor com sua célebre frase "mulher gosta mesmo é de apanhar".

Não é por acaso que, hoje, o gracejo de Rodrigues pareça uma grosseria e que o combate à violência de gênero tenha lugar garantido na agenda política.

Desde meados dos anos 1970, os movimentos feministas deram novo enquadramento à questão no debate público, incluindo-a no rol dos direitos das pessoas. Mudaram não só o que era aceitável dizer como influenciaram também a legislação —as leis Maria da Penha e do Feminicídio— e as políticas públicas, que criaram as delegacias da mulher e os serviços de acolhimento às vítimas de maus-tratos.
Além disso, no último quarto do século o país vem passando por uma grande transformação que está a alterar o lugar e o papel das mulheres na sociedade brasileira.

Mais que os homens, elas aproveitaram as oportunidades oferecidas pelas políticas educacionais dos governos FHC, Dilma e Lula que visavam o aumento da escolaridade. Hoje, em média, as brasileiras de mais de 25 anos têm mais anos de estudo e maior probabilidade de ter cursado o ensino médio e o superior do que os seus contemporâneos masculinos. No biênio 2023-24, elas representavam 51% dos estudantes matriculados no ensino médio e 59% no superior. Com diplomas nas mãos, têm escalado posições em empresas privadas e no setor público, mesmo em ocupações consideradas redutos masculinos, como as polícias e o Judiciário. Em outros termos, graças à maior escolaridade, mulheres vêm assumindo posições de liderança, redesenhando assim o perfil das elites brasileiras.

O avanço na educação parece estar associado também à mudança no comportamento político. Estudando as eleições presidenciais de 2002 a 2022, o cientista político Jairo Nicolau, da Fundação Getulio Vargas, mostra, em livro a ser lançado em breve, que, além de serem maioria dos eleitores —e também entre aqueles com formação superior—, comparecem mais que os homens aos postos de votação e, desde 2018, se distinguem por dar mais apoio a candidatos da centro-esquerda. Em 2022, votaram majoritariamente em Lula, sendo responsáveis por sua vitória.

Mas atenção: nem a sua preferência pelo candidato da centro-esquerda nem o aumento do protagonismo social significam que as mulheres compartilhem a agenda de valores tipicamente de esquerda.

No instigante livro "O Brasil no Espelho", outro cientista político da FGV, Felipe Nunes, mostra que família e religião constituem a âncora de valores —conservadores— da imensa maioria dos brasileiros. Se há acordo quanto ao fato de que mulheres devam trabalhar, ter autonomia financeira e serem protegidas da violência, há também adesão a valores tradicionais. Um quebra-cabeças político a desafiar os progressistas.

 

 

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