quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Motta torna-se cada vez mais Severino Cavalcante. Por Julia Duailibi

O Globo

Na busca por agradar a diferentes senhores, o presidente da Câmara não deixou nenhum satisfeito

Hugo Motta não controla a Câmara dos Deputados, não tem ascendência sobre seus pares — em muitos casos, nem o respeito — e não manda nem nos policiais legislativos, que, diante da confusão de anteontem no plenário, partiram para cima dos jornalistas. É apontado pelos próprios pares como o presidente da Casa mais fraco dos últimos tempos.

Eleito por uma megacoalizão do PL ao PT, patrocinada pelo antecessor, Arthur Lira (PP-AL), Motta passou este ano tentando se equilibrar entre as demandas dos padrinhos, como Eduardo Cunha e Ciro Nogueira, de Lira e do Palácio do Planalto. Não conseguiu. Na busca por agradar a diferentes senhores, não deixou nenhum satisfeito.

Suas limitações no comando da Casa ficaram evidentes em diferentes episódios. Já na largada, durante a campanha, prometeu anistia — ou a descartou — a depender do interlocutor. Uma vez eleito, acertou rotas com o presidente da República, mas pegou desvios sem combinar. Foi assim na votação do IOF, na PEC da Blindagem e na urgência da anistia. Para atender a diferentes interesses, engavetou da cassação de deputados a projetos, como o do devedor contumaz.

Anteontem, sua inabilidade escalou. Motta conseguiu cometer uma sucessão de erros na crise aberta com a tomada de sua cadeira pelo deputado Glauber Braga (PSOL-RJ). Braga não deveria ter copiado o manual dos amotinados em agosto e impedido os trabalhos da maioria ao se sentar na cadeira de Motta. Mas foi o próprio Motta quem criou o precedente ao passar pano para o motim da oposição. Como disse um deles, Zé Trovão (PL-SC):

— Trinta dias [de suspensão] não são nada.

Ao tentar falar duro com o deputado de esquerda depois de ter passado a mão na cabeça da direita, criou uma crise para si. Num ato autoritário, mandou cortar o sinal da TV Câmara. Não queria imagens mostrando sua cadeira, mais uma vez, ocupada. Não adiantou. O repórter cinematográfico da GloboNews Walter Rocha captou o protesto. Motta dobrou a aposta e resolveu, então, expulsar a imprensa, numa época em que os parlamentares não largam seus celulares. É claro que não deu certo. A desocupação da cadeira, pelo menos no sentido literal, foi transmitida ao vivo.

Motta coroou o dia votando a diminuição da pena para quem tramou contra a democracia, mais uma encomenda de padrinhos do Centrão, estes apavorados com uma eventual candidatura de Flávio Bolsonaro. Num gesto para o governo e no melhor estilo “um pé em cada canoa”, colocou para andar a cassação de Carla Zambelli, Alexandre Ramagem e Eduardo Bolsonaro. Na véspera, havia se encontrado com os ministros Fernando Haddad e Gleisi Hoffmann, mas não mencionou uma única palavra sobre os planos. Mais uma vez não combinou.

Lira manteve o comando da Casa não só pelo tsunami de emendas, mas por ser bom cumpridor de acordos, algo fundamental na política. Sem honrar a palavra e tentando agradar a diferentes frentes, Motta atravessa uma crise de credibilidade. Torna-se cada vez mais Severino Cavalcante, presidente da Câmara que protagonizou um escândalo envolvendo um restaurante da Casa, e menos Ulysses Guimarães.

 

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