Merval Pereira
DEU EM O GLOBO
NOVA YORK. É engraçado, mas preocupante, que tenha sido preciso conversar com Hugo Chávez para que caísse a ficha do presidente Lula sobre a gravidade das conseqüências da crise econômica para todos os países numa economia globalizada. No momento em que Chávez é quem tem o bom-senso na análise do quadro internacional, mesmo que pelas razões erradas - provavelmente quer culpar o "grande Satã" pela derrocada da economia mundial -, alguma coisa está fora do eixo. O fato é que a crise é séria e está nos pegando no contrapé com as contas externas, que já vinham deteriorando-se por causa do câmbio. A expansão internacional do comércio, com o mundo comprando loucamente, especialmente a China, e os preços das commodities que foram para as nuvens, compensavam o câmbio supervalorizado. Provavelmente, esse lado bom acabou.
A Bolsa brasileira é a segunda que mais cai no mundo porque está sustentada em empresas que vão sofrer esse impacto na veia - Vale, Petrobras, as siderúrgicas. Análises indicam que as exportações não vão ter o desempenho do passado, e as importações explodirão com o câmbio, que ainda estaria supervalorizado.
Essa é a razão do desabafo do governador de São Paulo, José Serra, potencial candidato do PSDB à sucessão de Lula em 2010, que criticou "duas vulnerabilidades" na economia do país: o déficit em conta corrente "ascendente" e a expansão "exagerada" dos gastos correntes, pressentindo que pode lhe caber uma verdadeira "herança maldita".
O gasto primário do governo cresceu a uma média real de mais de 8% ao ano nos últimos três anos, e vamos passar de um superávit nas contas correntes de 0,11% do PIB no ano passado para um déficit de 2,02% do PIB este ano, com uma previsão de chegarmos a 2010 com um déficit de 3,36% do PIB. Isso não significa que as contas nacionais vão explodir, mas teremos problemas internos de investimentos porque vamos importar cada vez mais, com o dólar ainda barato, e o mercado interno aquecido.
Com a crise internacional, a compra de equipamentos vai se reduzir, pois os investimentos ficarão congelados, e a importação vai migrar cada vez mais para consumo. Quando Serra fala que o câmbio está "hipervalorizado", mesmo com a desvalorização do Real nos últimos dias, ele está refletindo a opinião de que o dólar deveria se valorizar ainda mais, o que não estaria acontecendo devido à atuação do Banco Central, que estaria segurando a cotação para ajudar a controlar a inflação.
Mesmo à custa da subida dos juros e da queima de reservas internacionais, embora até o momento não existam indicações de que a política do governo de vender dólares esteja reduzindo as reservas internacionais, que, ao contrário, cresceram.
Do lado fiscal, poderemos ter problemas, pois o aumento de arrecadação, que está permitindo manter o superávit primário apesar do aumento dos gastos públicos, poderá não se sustentar com a redução do ritmo de crescimento da economia.
Serra falou na necessidade de aumentos reais de arrecadação de cerca de 9% ao ano até 2012, referindo-se aos aumentos já contratados pelo governo Lula. O economista Fabio Giambiagi lembra que, se o gasto corrente tivesse conservado o peso que tinha em 2003, em vez de aumentar ano após ano, o setor público hoje teria superávit nominal, ou seja, "a dívida pública estaria caindo em termos nominais, além do que, ela seria muito menor, o que nos deixaria, entre outras coisas, muito menos expostos às conseqüências fiscais negativas da alta dos juros".
Ele ressalta que, em 2005, quando esse processo estava no início, a direção do Ipea, em estreita colaboração com o Ministério da Fazenda, estava trabalhando em um plano de contenção do crescimento do gasto, que incluía a decisão de não elevar os gastos públicos além do crescimento do PIB.
A proposta, ainda com Palocci ministro da Fazenda, foi enviada junto com o PAC ao Congresso e acabou não indo adiante. "Depois disso, o ministro da Fazenda caiu, a direção do Ipea foi defenestrada e, das pessoas que estávamos trabalhando naquele plano, não ficou uma em pé. O que aconteceu a partir daí foi conseqüência direta das escolhas que foram feitas naquela ocasião, em 2005. Deixamos passar uma oportunidade excepcional de atacar frontalmente o problema fiscal brasileiro", lamenta Giambiagi, hoje no BNDES.
Uma curiosidade é que a Lei de Responsabilidade Fiscal, implementada no segundo governo Fernando Henrique, baseou-se no hábito de governantes detonarem as contratações no último ano de governo, para ganhar eleições, ou após as perderem, mas seus idealizadores não imaginaram que um governante pudesse estourar as contas no meio do mandato, deixando contratada para o sucessor uma gastança futura.
É o que está acontecendo com o governo Lula. A folha salarial do ano que vem está em R$155 bilhões, e boa parte dos aumentos que Lula está dando vão rebater no próximo mandato. A conta é que se chegará a 2012 com uma folha de R$182 bilhões.
Ao mesmo tempo em que as dificuldades de crédito já se fazem sentir para as empresas brasileiras, e os novos investimentos estão parados, o presidente Lula pede a seus ministros que providenciem crédito "porque o Natal está chegando".
O período de 2003 até o terceiro trimestre de 2007 representou o mais forte ciclo de expansão da economia mundial, do comércio internacional e da liquidez global da história moderna, na definição do professor de Harvard Ken Rogoff. Agora, que os ventos viraram, o governo teria que fazer o que deveria ter feito nos tempos de bonança: além de aumentar o superávit primário, dar uma prioridade às reformas estruturantes, especialmente à reforma tributária, para incentivar as exportações e os investimentos, retirando os impostos de máquinas e equipamentos.
DEU EM O GLOBO
NOVA YORK. É engraçado, mas preocupante, que tenha sido preciso conversar com Hugo Chávez para que caísse a ficha do presidente Lula sobre a gravidade das conseqüências da crise econômica para todos os países numa economia globalizada. No momento em que Chávez é quem tem o bom-senso na análise do quadro internacional, mesmo que pelas razões erradas - provavelmente quer culpar o "grande Satã" pela derrocada da economia mundial -, alguma coisa está fora do eixo. O fato é que a crise é séria e está nos pegando no contrapé com as contas externas, que já vinham deteriorando-se por causa do câmbio. A expansão internacional do comércio, com o mundo comprando loucamente, especialmente a China, e os preços das commodities que foram para as nuvens, compensavam o câmbio supervalorizado. Provavelmente, esse lado bom acabou.
A Bolsa brasileira é a segunda que mais cai no mundo porque está sustentada em empresas que vão sofrer esse impacto na veia - Vale, Petrobras, as siderúrgicas. Análises indicam que as exportações não vão ter o desempenho do passado, e as importações explodirão com o câmbio, que ainda estaria supervalorizado.
Essa é a razão do desabafo do governador de São Paulo, José Serra, potencial candidato do PSDB à sucessão de Lula em 2010, que criticou "duas vulnerabilidades" na economia do país: o déficit em conta corrente "ascendente" e a expansão "exagerada" dos gastos correntes, pressentindo que pode lhe caber uma verdadeira "herança maldita".
O gasto primário do governo cresceu a uma média real de mais de 8% ao ano nos últimos três anos, e vamos passar de um superávit nas contas correntes de 0,11% do PIB no ano passado para um déficit de 2,02% do PIB este ano, com uma previsão de chegarmos a 2010 com um déficit de 3,36% do PIB. Isso não significa que as contas nacionais vão explodir, mas teremos problemas internos de investimentos porque vamos importar cada vez mais, com o dólar ainda barato, e o mercado interno aquecido.
Com a crise internacional, a compra de equipamentos vai se reduzir, pois os investimentos ficarão congelados, e a importação vai migrar cada vez mais para consumo. Quando Serra fala que o câmbio está "hipervalorizado", mesmo com a desvalorização do Real nos últimos dias, ele está refletindo a opinião de que o dólar deveria se valorizar ainda mais, o que não estaria acontecendo devido à atuação do Banco Central, que estaria segurando a cotação para ajudar a controlar a inflação.
Mesmo à custa da subida dos juros e da queima de reservas internacionais, embora até o momento não existam indicações de que a política do governo de vender dólares esteja reduzindo as reservas internacionais, que, ao contrário, cresceram.
Do lado fiscal, poderemos ter problemas, pois o aumento de arrecadação, que está permitindo manter o superávit primário apesar do aumento dos gastos públicos, poderá não se sustentar com a redução do ritmo de crescimento da economia.
Serra falou na necessidade de aumentos reais de arrecadação de cerca de 9% ao ano até 2012, referindo-se aos aumentos já contratados pelo governo Lula. O economista Fabio Giambiagi lembra que, se o gasto corrente tivesse conservado o peso que tinha em 2003, em vez de aumentar ano após ano, o setor público hoje teria superávit nominal, ou seja, "a dívida pública estaria caindo em termos nominais, além do que, ela seria muito menor, o que nos deixaria, entre outras coisas, muito menos expostos às conseqüências fiscais negativas da alta dos juros".
Ele ressalta que, em 2005, quando esse processo estava no início, a direção do Ipea, em estreita colaboração com o Ministério da Fazenda, estava trabalhando em um plano de contenção do crescimento do gasto, que incluía a decisão de não elevar os gastos públicos além do crescimento do PIB.
A proposta, ainda com Palocci ministro da Fazenda, foi enviada junto com o PAC ao Congresso e acabou não indo adiante. "Depois disso, o ministro da Fazenda caiu, a direção do Ipea foi defenestrada e, das pessoas que estávamos trabalhando naquele plano, não ficou uma em pé. O que aconteceu a partir daí foi conseqüência direta das escolhas que foram feitas naquela ocasião, em 2005. Deixamos passar uma oportunidade excepcional de atacar frontalmente o problema fiscal brasileiro", lamenta Giambiagi, hoje no BNDES.
Uma curiosidade é que a Lei de Responsabilidade Fiscal, implementada no segundo governo Fernando Henrique, baseou-se no hábito de governantes detonarem as contratações no último ano de governo, para ganhar eleições, ou após as perderem, mas seus idealizadores não imaginaram que um governante pudesse estourar as contas no meio do mandato, deixando contratada para o sucessor uma gastança futura.
É o que está acontecendo com o governo Lula. A folha salarial do ano que vem está em R$155 bilhões, e boa parte dos aumentos que Lula está dando vão rebater no próximo mandato. A conta é que se chegará a 2012 com uma folha de R$182 bilhões.
Ao mesmo tempo em que as dificuldades de crédito já se fazem sentir para as empresas brasileiras, e os novos investimentos estão parados, o presidente Lula pede a seus ministros que providenciem crédito "porque o Natal está chegando".
O período de 2003 até o terceiro trimestre de 2007 representou o mais forte ciclo de expansão da economia mundial, do comércio internacional e da liquidez global da história moderna, na definição do professor de Harvard Ken Rogoff. Agora, que os ventos viraram, o governo teria que fazer o que deveria ter feito nos tempos de bonança: além de aumentar o superávit primário, dar uma prioridade às reformas estruturantes, especialmente à reforma tributária, para incentivar as exportações e os investimentos, retirando os impostos de máquinas e equipamentos.
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