Os presidentes e a Constituição: Itamar Franco
Fui constituinte participando de um processo polêmico desde o início, em face do pré-questionamento quanto à legitimidade da Assembléia, com poderes originários, sem quebra formal do ordenamento jurídico. O fato de não ser um corpo exclusivo, com a função constituinte sendo exercida por parlamentares eleitos para o Congresso, exigiu a edição de regras específicas para o funcionamento das duas Casas enquanto durasse a Constituinte.
Talvez em conseqüência dessa simbiose, anotamos que, durante o processo, entendimentos eram fechados entre grupos de maneira muito cabível na vida legislativa, mas absolutamente inaceitável para a redação do texto constitucional. Vimos, por exemplo, acordos entre quem buscava ampliar direitos sociais e trabalhistas com outros que em nada se preocupavam com essas questões, mas desejavam incluir regras na ordem econômica que não interessavam aos primeiros. O resultado previsível foi confirmado com um texto não auto-aplicável em questões fundamentais, remetidas à legislação complementar e até à ordinária. Esse é o ponto nevrálgico de nossa Carta, pois doutrinariamente a Constituição deve ser substantiva, fixando somente as regras básicas.
No processo de revisão as emendas se ocuparam, excluído o Fundo Social de Emergência e a fixação do mandato presidencial, de questões pouco fundamentais, tanto é que, após a edição delas, foram promulgadas mais de 50 outras em 20 anos, o que, para um texto constitucional, é demasiado.
A conseqüência está na prática, ainda hoje utilizada, da edição de medidas provisórias, pela qual o Executivo supre suas necessidades imediatas, em face da ausência de normas permanentes (constitucionais e infraconstitucionais) e pela morosidade do processo legislativo ordinário. Louve-se o mérito do avanço da democracia, pelo menos no aspecto formal. A Constituição no campo econômico foi discutível, particularmente nas modificações posteriores.
Apesar das limitações constitucionais que nos eram impostas, uma competente equipe econômica, após sanear nossa economia, formulou as bases do Plano Real, que tive a felicidade de editar em julho de 1994, e, ainda hoje, aperfeiçoado, sustenta nossa estabilidade econômica (inflação de 1% ao dia, à época).
A transferência de recursos a Estados e municípios foi significativa, atendendo aos reclamos de uma política municipalista. Às vezes, sem poder de cobrir gastos, o governo federal lança mão de impostos indiretos e contribuições, elevando a carga tributária. Vale lembrar que, após o Real, uma completa reforma tributária, fiscal e política deveria ter sido feita.
Surgiu a reeleição, a qual quebrou a nossa tradição jurídica e cultural, nefasta sob todos os aspectos. Por isso não a aprovamos quando das Emendas de Revisão, conforme entendimento com nosso líder Pedro Simon.
Hoje, quando se fala em construir 50 usinas nucleares (?!), nunca é demais lembrar o parágrafo 6º do art. 225, no Capítulo do Meio Ambiente: “As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.”
Vale também examinar o art. 14 no Capítulo dos Direitos Políticos. Pela Constituição, tomei posse como presidente conseguindo, com nossa equipe, combater a inflação e manter o Estado de Direito, elegendo, como há muito não acontecia, o sucessor.
Das atuais Constituições impressas, não consta um texto que Ulysses Guimarães agregou ao original: “A Constituição Coragem. O homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto sem cidadania. A Constituição luta contra os bolsões de miséria que envergonham o País. Diferentemente das sete Constituições anteriores, começa com o homem. Graficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o homem é seu fim e sua esperança. É a Constituição Cidadã. Cidadão é o que ganha, come, sabe, mora, pode se curar. A Constituição nasce do parto de profunda crise que abala as instituições e convulsiona a sociedade. Por isso mobiliza, entre outras, novas forças para o exercício do governo e a administração dos impasses. O governo será praticado pelo Executivo e o Legislativo.
Eis a inovação da Constituição de 1988: dividir competências para vencer dificuldades, contra a ingovernabilidade de muitos. É a Constituição Coragem. Andou, imaginou, inovou, ousou, ouviu, viu, destroçou tabus, tomou partido dos que só se salvam pela lei.
A Constituição durará com a democracia e só com a democracia sobrevivem para o povo a dignidade, a liberdade e a justiça. Brasília, 5 de outubro de 1988. Ulysses Guimarães.”
Sem comentários. Este texto foi retirado por imposição de alguns parlamentares.
Fui constituinte participando de um processo polêmico desde o início, em face do pré-questionamento quanto à legitimidade da Assembléia, com poderes originários, sem quebra formal do ordenamento jurídico. O fato de não ser um corpo exclusivo, com a função constituinte sendo exercida por parlamentares eleitos para o Congresso, exigiu a edição de regras específicas para o funcionamento das duas Casas enquanto durasse a Constituinte.
Talvez em conseqüência dessa simbiose, anotamos que, durante o processo, entendimentos eram fechados entre grupos de maneira muito cabível na vida legislativa, mas absolutamente inaceitável para a redação do texto constitucional. Vimos, por exemplo, acordos entre quem buscava ampliar direitos sociais e trabalhistas com outros que em nada se preocupavam com essas questões, mas desejavam incluir regras na ordem econômica que não interessavam aos primeiros. O resultado previsível foi confirmado com um texto não auto-aplicável em questões fundamentais, remetidas à legislação complementar e até à ordinária. Esse é o ponto nevrálgico de nossa Carta, pois doutrinariamente a Constituição deve ser substantiva, fixando somente as regras básicas.
No processo de revisão as emendas se ocuparam, excluído o Fundo Social de Emergência e a fixação do mandato presidencial, de questões pouco fundamentais, tanto é que, após a edição delas, foram promulgadas mais de 50 outras em 20 anos, o que, para um texto constitucional, é demasiado.
A conseqüência está na prática, ainda hoje utilizada, da edição de medidas provisórias, pela qual o Executivo supre suas necessidades imediatas, em face da ausência de normas permanentes (constitucionais e infraconstitucionais) e pela morosidade do processo legislativo ordinário. Louve-se o mérito do avanço da democracia, pelo menos no aspecto formal. A Constituição no campo econômico foi discutível, particularmente nas modificações posteriores.
Apesar das limitações constitucionais que nos eram impostas, uma competente equipe econômica, após sanear nossa economia, formulou as bases do Plano Real, que tive a felicidade de editar em julho de 1994, e, ainda hoje, aperfeiçoado, sustenta nossa estabilidade econômica (inflação de 1% ao dia, à época).
A transferência de recursos a Estados e municípios foi significativa, atendendo aos reclamos de uma política municipalista. Às vezes, sem poder de cobrir gastos, o governo federal lança mão de impostos indiretos e contribuições, elevando a carga tributária. Vale lembrar que, após o Real, uma completa reforma tributária, fiscal e política deveria ter sido feita.
Surgiu a reeleição, a qual quebrou a nossa tradição jurídica e cultural, nefasta sob todos os aspectos. Por isso não a aprovamos quando das Emendas de Revisão, conforme entendimento com nosso líder Pedro Simon.
Hoje, quando se fala em construir 50 usinas nucleares (?!), nunca é demais lembrar o parágrafo 6º do art. 225, no Capítulo do Meio Ambiente: “As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.”
Vale também examinar o art. 14 no Capítulo dos Direitos Políticos. Pela Constituição, tomei posse como presidente conseguindo, com nossa equipe, combater a inflação e manter o Estado de Direito, elegendo, como há muito não acontecia, o sucessor.
Das atuais Constituições impressas, não consta um texto que Ulysses Guimarães agregou ao original: “A Constituição Coragem. O homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa, portanto sem cidadania. A Constituição luta contra os bolsões de miséria que envergonham o País. Diferentemente das sete Constituições anteriores, começa com o homem. Graficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem, que o homem é seu fim e sua esperança. É a Constituição Cidadã. Cidadão é o que ganha, come, sabe, mora, pode se curar. A Constituição nasce do parto de profunda crise que abala as instituições e convulsiona a sociedade. Por isso mobiliza, entre outras, novas forças para o exercício do governo e a administração dos impasses. O governo será praticado pelo Executivo e o Legislativo.
Eis a inovação da Constituição de 1988: dividir competências para vencer dificuldades, contra a ingovernabilidade de muitos. É a Constituição Coragem. Andou, imaginou, inovou, ousou, ouviu, viu, destroçou tabus, tomou partido dos que só se salvam pela lei.
A Constituição durará com a democracia e só com a democracia sobrevivem para o povo a dignidade, a liberdade e a justiça. Brasília, 5 de outubro de 1988. Ulysses Guimarães.”
Sem comentários. Este texto foi retirado por imposição de alguns parlamentares.
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