quinta-feira, 2 de outubro de 2008

20 ANOS DE CONSTITUIÇÃO (7)

Os presidentes e a Constituição: Fernando Collor de Melo

As Constituições fundam-se na razão de Estado, qualquer que seja ela, pois seu fim fundamental é a preservação dele, ainda que, como bem assinala Giovanni Sartori, “encontrem-se nelas deslumbrantes profissões de fé por um lado e um excesso de detalhes supérfluos por outro”.

Vivemos 105 anos sob a égide de apenas duas Constituições: a imperial de 1824 e a republicana de 1891. Durante sua vigência, cada qual foi emendada apenas uma vez. Com a Revolução de 1930 e a Carta de 1934, o Brasil assumiu um novo paradigma fundado pela Constituição alemã de Weimar (1918), em que passamos do conceito de normas de conduta para normas de organização. Iniciou-se também o ciclo da instabilidade dos governos e da curta duração de nossas Cartas, sistematicamente alteradas e progressivamente encorpadas.

De 1934 a 1988, em 54 anos, portanto, ganhamos mais seis Constituições. A atual, com 20 anos de vigência, já sofreu 62 emendas, o que denota um evidente excesso de disposições que deveriam ser de natureza infraconstitucional. Afora isso, em 1989 foram identificados pelo Ministério da Justiça 269 dispositivos que exigiam regulamentação. Infelizmente, a falta dessa regulamentação torna muitos dos direitos e garantias individuais, coletivos e sociais meras declarações de intenções.

Mas, de fato, a Constituição de 1988 atingiu o ápice do novo paradigma de organização institucional. Apesar de ser a mais ampla que o Brasil já teve e uma das maiores do mundo, há de se destacar os relevantes avanços sociais inseridos na Declaração de Direitos e Garantias, que lhe renderam o nome de Constituição Cidadã. Sua promulgação foi o momento em que a sociedade brasileira se reencontrou com sua verdadeira Lei Magna, principalmente por não ter sido imposta e sim elaborada por consentimento da população aos constituintes eleitos diretamente para aquele fim.

Ao assumir a Presidência da República em 1990, a Constituição já estava consolidada e plenamente absorvida pela sociedade e suas instituições. Enfrentamos dificuldades de cunho administrativo, no primeiro ano, com o orçamento anual aprovado pelo governo anterior. Foi preciso remodelá-lo aos moldes do programa de nosso governo que ora implantávamos. Sentimos também dificuldades com o novo mandamento constitucional no tocante ao engessamento orçamentário, ou seja, a pouca flexibilidade de que o governo dispõe para executar o orçamento em face dos porcentuais prefixados destinados às diversas áreas, como saúde e educação.

Mas, sem dúvida, a maior dificuldade se deu pela manutenção do sistema presidencialista de governo e o hibridismo de nossa Carta ao adotar o instituto da medida provisória previsto na Constituição parlamentarista de 1948 da Itália. Apesar de meu governo ter sido, proporcionalmente, o que menos fez uso desse instrumento, tornou-se difícil conciliá-lo à prática de um governo presidencialista, principalmente pelos conflitos que o acúmulo de sua edição cria entre Executivo e Legislativo.

Além disso, o regime presidencialista, aliado ao modelo de nosso sistema eleitoral e partidário, gera o chamado “presidencialismo de coalizão” que, desde a redemocratização de 1946, carrega o estigma do fisiologismo político. Meu governo, por não aderir a tal prática, conviveu com todas as dificuldades e desvantagens advindas desse modelo. Se o parlamentarismo tivesse prevalecido como preconizava o anteprojeto da Constituição, sem dúvida viveríamos hoje sob um novo paradigma de governabilidade.

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