“O Brasil não tem partidos, só siglas”, disse o presidente Michel Temer em entrevista à revista britânica The Economist, reproduzida pelo Estado. A avaliação adquire especial relevância tendo em vista que o seu autor não é alguém de fora do mundo da política. Michel Temer tem uma intensa participação na vida político-partidária brasileira desde o início da década de 80, quando se filiou ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Com vários mandatos parlamentares, ele foi presidente da Câmara dos Deputados por três vezes e, até pouco tempo atrás, era o presidente do PMDB. Pois bem, é uma pessoa com essa vivência política que afirma que os partidos no Brasil são apenas siglas.
O diagnóstico é grave e deve suscitar uma reflexão responsável, que ajude a descobrir as causas da anomalia e a propor soluções concretas. A qualidade de uma democracia depende em boa medida da vitalidade dos partidos políticos.
Não se trata de enfraquecer, como pretendem alguns, a democracia representativa, apostando numa idealizada “democracia direta”, como se o caminho para uma maior proximidade do Estado com a população fosse a instalação dos chamados mecanismos de “participação popular”. A experiência de outros países com essas medidas indica sua real natureza. Mais do que espaços para ouvir as múltiplas vozes da sociedade, tornam-se instrumentos de apropriação da chamada “vontade popular” por grupos politicamente organizados.
O caminho para melhorar a qualidade da política passa necessariamente por fortalecer a democracia representativa. A solução para o grave problema decorrente do fato de os partidos políticos serem meras siglas não está simplesmente em acabar com os partidos ou enfraquecê-los ainda mais. O que faz falta é revigorá-los.
Uma medida que pode contribuir para isso é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 36/2016, que impõe uma cláusula de barreira aos partidos políticos. De acordo com o texto aprovado no Senado e encaminhado em novembro passado à Câmara, as legendas, para terem direito ao pleno funcionamento parlamentar, precisarão preencher nas eleições para a Câmara dos Deputados, entre outras condições, a obtenção de um mínimo de 3% dos votos válidos. Só após ultrapassarem essa barreira, os partidos terão direito aos recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão. A proposta ajudaria, portanto, a filtrar os partidos nanicos, que, custeados pelo Estado, só servem a seus proprietários e ajudam a transformar o Parlamento num balcão de negócios.
Mas o problema dos partidos brasileiros não está restrito às pequenas legendas. Elas não são as únicas que são apenas siglas. Em quase todos os partidos se observa uma ampla e profunda indefinição programática. Seus estatutos são, com leves diferenças de estilo, de uma incrível monotonia, trazendo uma enfadonha citação dos mesmos valores e ideais, quase sempre copiados de uma cartilha dita de esquerda, sem relação com a atuação dessas legendas na vida política do País.
Logicamente, essa situação destoa do sistema proposto pela Constituição de 1988, que coloca os partidos políticos entre as instituições fundamentais para a organização do Estado, estabelecendo que a filiação partidária é condição imprescindível para o exercício de mandatos eletivos. Longe de ser um trâmite burocrático, tal condição manifesta a convicção de que a esfera partidária é etapa obrigatória para o debate, o aprimoramento, a difusão e a aplicação efetiva das ideias e propostas que circulam fecundamente numa sociedade.
O respeito à Constituição conduz, portanto, a que se cuide bem dos partidos. Desprezá-los, como se fossem organizações por sua natureza contrárias ao interesse público, é um grave equívoco, com consequências daninhas para toda a sociedade. Faz falta uma profunda reforma política, com regras que facilitem que os partidos sejam de fato agrupamentos de pessoas unidas em torno de um núcleo de princípios e ideais. São esses, e não outros, os trilhos da democracia
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