- O Globo
Aprofundar investigação que apure ligações de Ronnie Lessa e milicianos com a contravenção é extremamente importante
A polícia e o Ministério Público apontam indícios do envolvimento do sargento PM Ronnie Lessa — acusado do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes — com o bicheiro Rogério Andrade, o que expõe um nó que trava avanços na política de segurança no Rio: relações entre milícia, jogo do bicho e tráfico de drogas, estruturas centrais do crime organizado. Lessa, segundo investigadores, foi segurança de Rogério Andrade, sobrinho do capo Castor de Andrade, patrono da Mocidade Independente de Padre Miguel. A ascensão do PM na contravenção se deu em plena disputa sanguinária de Rogério com Fernando Iggnácio de Miranda pelos territórios de Castor, falecido em 1997. Em 2010, uma bomba explodiu sob o carro de Rogério, matando o seu filho, Diogo, de 17 anos, o que teria levado Lessa a cair em desgraça.
É fundamental que a polícia e o MP cheguem ao mandante do assassinato de Marielle. Mas não devem parar aí. Porque, se pararem, o crime organizado continuará a corromper, intimidar, matar e guerrear.
Nesse sentido, aprofundar uma investigação que apure as ligações de Lessa e milicianos com a contravenção, entendendo como se dá a divisão territorial do Rio entre esses grupos, é extremamente importante. Ao contrário do que se pode pensar, esses grupos não estão necessariamente em lados opostos. Há inter-relações evidentes que mostram que as fronteiras do crime são porosas. É difícil acreditar que máquinas de caça-níquel sob domínio de bicheiros funcionem em áreas controladas pela milícia ou pelo tráfico sem que haja um acordo de convivência e conveniência. Quando essas linhas de comunicação serão desvendadas e desbaratadas?
O jogo do bicho mantém uma relação histórica com o que se produziu de mais grave e doentio na violência, associando-se a policiais militares e civis corruptos, matadores de aluguel, e a militares oriundos da repressão, dos subterrâneos da tortura e dos assassinatos de opositores do regime militar. De lá, insatisfeitos com a abertura política, esses militares partiram para profissionalizar o crime organizado. O modelo, do fim dos anos 70 e início dos anos 80, certamente serviu de base para a organização, a atuação e o recrutamento das milícias atuais. A história e a geografia do crime no Rio precisam ser investigadas, denunciadas e combatidas sob o olhar dessas relações. Os assassinatos de Marielle e Anderson podem ser a porta para o Ministério Público e a polícia começarem a agir mais fortemente na direção de dar um fim às linhas de reprodução e crescimento do crime organizado.
Nesse cenário, tristemente, escolas de sambas viram espaços de disputas. Agremiações estão em áreas em que o Estado não chega. Dominar uma escola, às vezes a única possibilidade de lazer de áreas carentes, significa deter poder sobre comunidades, obter apoio de parcelas dessas populações e conquistar votos. Há escolas sob controle ou influência do bicho, de milícia ou do tráfico. São reféns. O medo que impõem e que se abate sobre essas comunidades cria um muro de silêncio. E não se trata só de escolas que passam no Grupo Especial, na Sapucaí, organizado pela Liesa, em cujo conselho têm assento figuras como Anísio Abraão David, patrono da Beija-Flor, e Capitão Guimarães, ligado à Vila Isabel, condenados por corrupção e lavagem de dinheiro, em processos oriundos da Operação Furacão, que expôs esquemas que envolviam até integrantes do Judiciário. O medo perpassa também integrantes de escolas de grupos de acesso que desfilam na Estrada Intendente Magalhães, ainda mais vulneráveis à ação de organizações criminosas, assunto quase tabu e inexplorado.
Qualquer política de segurança pública, após o assassinato de Marielle e Anderson, só será efetiva se revelar todos os canais de comunicação e espaços de poder que opõem mas também ligam milícia, bicho e tráfico.
*Aloy Jupiara é jornalista
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