Após postar, na semana passada, que presidente que não entende o Congresso cai, ele diz que Jair Bolsonaro precisa repartir o poder para governar
“Ao rejeitar essa gente (Congresso) ele (Bolsonaro) está rejeitando o Brasil”
“Não é o estilo dele (Bolsonaro) ter uma estratégia. É muito elaborado. Não creio que seja essa a ideia de jogar o povo contra o Congresso”
“Não estou vendo ninguém se opor a nada. Cadê os candidatos que disputaram com Bolsonaro? Por que não falam? Porque não há projeto”
“Tem gente com pulso autoritário? Tem. Mas é muito diferente de 1964”
‘Negociar com o Congresso não é fazer o mensalão’
Silvia Amorim e Flávio Freire / O Globo
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso acredita que o poder de persuasão de um presidente é fundamental para a aprovação de medidas no Congresso. Por isso, o governo Jair Bolsonaro precisa entender que negociar com deputados e senadores não deve ser confundido com falcatruas.
No domingo retrasado, FH já havia mandado um recado para Bolsonaro: presidente que não entende a força do Congresso pode cair. Por isso, o tucano defende a adoção de uma política de repartição do poder. Sem isso, não há como governar.
Apesar de considerar que os militares compõem um setor mais sensato dentro do governo, FH pondera que são muitas as posições ocupadas pelos integrantes das Forças Armadas.
• Na semana passada o senhor escreveu que presidente que não entende o Congresso cai. Por que decidiu entrar na polêmica entre Jair Bolsonaro e Rodrigo Maia?
Vi queda de muitos presidentes. Queria falar com o governo que do jeito que as coisas vão, (o país) está à deriva. Será que ele escutou? Não sei. O Brasil vai precisar fazer alguma reforma e o governo precisa entender que negociar com o Congresso não é fazer o mensalão. Ou tem um projeto e chama aqueles que vão decidir para participar ou fica sozinho. Não pode olhar a representação parlamentar, fechar o nariz e dizer: essa gente não tem nível.
• Bolsonaro está passando essa mensagem ao resistir em fazer articulação política pela Previdência e acusar o Congresso de insistir na “velha política"?
Ao rejeitar essa gente ele está rejeitando o Brasil. Não pode. Não tem como desprezar a maioria. Chega uma hora , ela vai dizer: 'Estou aqui e você não é nada'.
• Mas há muitos parlamentares envolvidos em escândalos.
Na democracia ou na ditadura você reparte o poder ou não tem como governar. Se você não tem competência para repartir o poder, você compra o poder. Isso não dá. Mas (Bolsonaro) não pode confundir dividir poder com comprá-lo.
• Há quem diga que existe uma estratégia do governo para enfraquecer o Congresso. Também acha isso?
Estratégia? Não é o estilo dele ter uma estratégia. É muito elaborado. Não creio que seja essa a ideia de jogar o povo contra o Congresso. Aliás acho difícil isso acontecer no Brasil porque a fragmentação partidária é muito grande. O povo se move quando tem coisas mais objetivas em jogo.
• O sr. tentou aprovar uma reforma da Previdência e não conseguiu. Acredita que ela será feita agora?
Não sei. É fácil falar e difícil fazer. Eu só consegui fazer o fator previdenciário. Mas, em última análise, a reforma da Previdência agora vai dar liberdade para o governo governar. Nesse momento o governo está sob absoluta pressão e restrição orçamentária. Mas essa história de ajuste fiscal é para economista. Não é coisa de povo. É um assunto que mexe mais com as estruturas corporativas e daí é importante o poder de persuasão do presidente.
• Para persuadir é preciso ter convicção e Bolsonaro já foi criticado por dar sinais trocados sobre a reforma.
Há recuos e não fica claro qual é o caminho que deseja o governo. Há um setor empenhado em ajustar as contas. Há outro empenhado em cultivar o passado onírico guiado por um guru americano (Steven Bannon). E ainda tem os militares, ao meu ver, mais sensatos. O único reparo que faço nessa participação dos militares é que estão ocupando muitas posições. Isso é ruim para eles mesmos. Se o governo for mal vão jogar a responsabilidade neles. Se for bem, vai ser do Bolsonaro. Em 1964 os militares tinham um projeto para o Brasil e havia a guerra fria, a ameaça do comunismo. Os militares não têm hoje projeto para o Brasil. Eles não querem restabelecer a ditadura.
• Em suas conversas fora do país, como autoridades internacionais estão vendo esse início de novo governo?
Eles têm uma impressão equivocada de que estamos marchando para o fascismo. Pensam que há aqui um governo autoritário forte. Não é isso. Isso significaria ter um líder, organicidade, crença sobre um modo de organizar a sociedade. Aqui não tem nada disso. Tem gente com pulso autoritário? Tem. Mas é muito diferente de 1964.
• O que achou da decisão do governo de criar um escritório de representação comercial em Jerusalém como alternativa à transferência da embaixada em Tel Aviv?
Vamos ver o que os árabes vão dizer. Eles aceitaram? A falta de aderência de projeto política da realidade dá nisso: recuos.
• Como avalia a postura da oposição nesse início de governo. Também está sem rumo, inclusive o PSDB?
Está tudo esgarçado. Não estou vendo ninguém se opor a nada. Cadê os candidatos que disputaram com Bolsonaro, o que estão dizendo? Por que não falam? Porque não há projeto. Não é por acaso. O momento é difícil mesmo.
• Seu partido, PSDB, vai passar por troca de direção em maio. Se João Doria assumir o comando da legenda, o sr deixa o partido?
Você quer falar do meu partido? Vou ter que pensar depois (risos).
Nenhum comentário:
Postar um comentário