- Valor Econômico
Titular da SAJ tem poder e influência de ministro
O poder começa num gabinete de deputado federal de 37,7 metros quadrados, sem banheiro privativo. O poder começa em uma amizade de família e pode recomeçar a qualquer momento em um cargo de segundo escalão no Poder Executivo. O poder pode acabar em um ministério palaciano, ou só fazer uma escala, e de lá, voar mais alto.
O cargo de subsecretário de Assuntos Jurídicos (SAJ), originalmente vinculado à Casa Civil, tornou-se uma escala tradicional de poder na história da República. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, é o exemplo mais recente dessa tradição.
Uma longeva relação de amizade e confiança catapultou o então advogado e major da reserva da Polícia Militar do Distrito Federal Jorge Antônio de Oliveira de um cargo invisível de assessor do gabinete do deputado Jair Bolsonaro para uma pasta com atribuição de dois ministérios: a Secretaria-Geral da Presidência e a Subsecretaria de Assuntos Jurídicos.
A SAJ é um cargo de segundo escalão, mas que pela relevância do papel e influência junto ao presidente da República tem na prática poderes de um ministério.
O titular da SAJ deve ser um nome da estrita confiança do presidente. Por isso, Jorge Oliveira, há pouco mais de dois meses no comando da Secretaria-Geral, acumulou as duas funções, tornando-se um ministro que vale por dois.
"Jorginho" - como o presidente se dirige ao auxiliar - começou a trabalhar com o então deputado há 16 anos. Deu continuidade a uma amizade iniciada pelo seu pai, que foi assessor e conselheiro de Bolsonaro por 29 anos. Jorge também foi chefe de gabinete do deputado Eduardo Bolsonaro no primeiro mandato ampliando os laços familiares.
Um ex-titular da SAJ afirma que o cargo acumula mais poder que outro de primeiro escalão: não tem a visibilidade de um ministério, mas está mais próximo do presidente da República do que qualquer outra pasta.
Não raro, ministros aguardam semanas na fila até conseguirem uma audiência presidencial, enquanto os SAJs têm passe livre ao gabinete presidencial. Jorge Oliveira despacha com Bolsonaro pelo menos três vezes por dia assuntos estratégicos da agenda política.
Nos últimos dias, ele foi consultado sobre a escolha do novo procurador-geral da República e sobre os vetos à Lei do Abuso de Autoridade. O pacote anticrime do ministro Sergio Moro passou por ele antes de seguir ao Congresso. Na prática, todos os temas do governo são levados ao SAJ, que faz a análise jurídica e a revisão do texto do projeto de lei, da medida provisória ou veto presidencial.
Este ex-titular da SAJ afirma que o cargo é mais relevante que os ministérios da Justiça ou da Advocacia-Geral da União (AGU) - para citar as pastas com atribuições jurídicas - porque todos os temas do governo são submetidos a ele: da economia à educação, da agricultura à saúde.
Mapas de reestruturação do palácio já cogitaram vincular a Subchefia de Assuntos Jurídicos ao gabinete presidencial, mas o impeditivo até agora, segundo fontes palacianas, seria o "ciúme". A explicação é de que o SAJ só não tem influência junto ao presidente se o advogado-geral da União ocupar esse espaço.
Não por acaso, nos governos Lula e Fernando Henrique Cardoso (FHC), os titulares da SAJ foram nomeados ministros da AGU. No governo Michel Temer, a hipótese foi aventada, mas não se consumou.
O ex-presidente do Supremo Tribunal Federal e ministro da Corte, Gilmar Mendes, foi titular da SAJ no governo FHC (1996-2000). Depois foi nomeado advogado-geral da União (2000-2002), até chegar à Suprema Corte em 2002.
Ainda como SAJ, Gilmar emplacou seu então assessor Ives Gandra da Silva Martins Filho como ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Seguindo os passos de Gilmar, o hoje presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, foi titular da SAJ na gestão do ministro José Dirceu (2003-2005). Dois anos depois, foi nomeado para a AGU por Lula. E dois anos depois, chegou ao STF.
Na gestão Dilma Rousseff, o discreto mas influente Beto Vasconcelos deixou a SAJ para assumir a Secretaria Nacional de Justiça na gestão do ministro José Eduardo Cardozo.
No governo Temer, o então titular da SAJ Gustavo do Vale Rocha tornou-se ministro dos Direitos Humanos em 2018. Assim como Jorge Oliveira, acumulou as funções. Hoje Rocha é titular da Secretaria de Justiça e Cidadania do Governo do Distrito Federal.
A partir da gestão Dilma Rousseff, todos os titulares da AGU foram advogados públicos de carreira: Luís Inácio Adams, procurador federal; José Eduardo Cardozo, procurador estadual de São Paulo; Grace Mendonça, advogada da União; e agora, André Luiz de Mendonça, advogado da União.
Apesar da histórica disputa velada entre SAJs e AGUs, Jorge e André Luiz de Mendonça atuam em sintonia. Ainda no governo de transição, coube a Jorge fazer a primeira sondagem ao hoje ministro da AGU. Somente após essa conversa inicial e do aval prévio de Jorge, Mendonça foi conduzido à audiência com Bolsonaro.
Jorge já declarou que André Mendonça é excelente candidato para a vaga de "ministro terrivelmente evangélico" que Bolsonaro anunciou para o STF. A se perpetuar a tradição de poder dos SAJs, o nome de Jorge deverá se projetar para a segunda vaga da Corte, num cenário de incógnita do futuro político de Sergio Moro.
Na história recente, o último SAJ da presidente Dilma Rousseff entrou para a história como coadjuvante. Jorge Rodrigo de Araújo Messias foi o mensageiro do termo de posse do quase ministro da Casa Civil Luiz Inácio Lula da Silva.
No vazamento do áudio da conversa entre Dilma e Lula - pelo qual o então juiz Sergio Moro recebeu uma advertência do relator da Lava-Jato, Teori Zavascki (1948-2017) em razão da ilegalidade do grampo - o responsável pela degravação da conversa registrou "Bessias" no lugar de "Messias".
Dilma estava com rinite e a congestão nasal gerou a confusão. A troca virou piada interna e Dilma passou a chamá-lo pelo apelido de "Bê". Ele não virou ministro nem secretário de Estado. Hoje "Bê" é assessor parlamentar no Senado.
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