- Valor Econômico
O sistema tributário brasileiro é incoerente, obscuro e ganancioso. Por isso, reformá-lo não é um debate trivial
Ao contrário da reforma da previdência social, cuja discussão no Executivo e no Legislativo tem evoluído ao longo dos últimos 25 anos, pode-se dizer que a questão tributária é um tema ainda virgem no Congresso Nacional. Sua tramitação promete momentos de grande emoção pela frente. Tributo significa receita e receita significa poder político. Em uma federação como a brasileira, em que o poder de administrar a coisa pública se ramifica em três diferentes esferas, cada qual com suas obrigações, mexer no sistema tributário vigente implica despertar receios, interesses e atitudes defensivas típicas dos embates políticos mais profundos, aqueles que se travam pela conquista dos recursos orçamentários.
Com isso, não se quer dizer que a reforma tributária não seja necessária. Desde priscas eras, a história dos tributos no Brasil evoluiu de forma promíscua, redundando em um cipoal de taxas, impostos e contribuições a desafiar constantemente a capacidade de adaptação do contribuinte. O sistema tributário brasileiro é incoerente, obscuro e ganancioso.
Por isso mesmo, não se deve supor que o debate em torno da reforma tributária venha a ser trivial. Um bom exemplo é a discussão sobre a reintrodução do imposto sobre a movimentação ou transação financeira que, a rigor, não deveria fazer parte de um pacote que pretenda ser reformista. Mal o Executivo colocou o tema na rua, a reação foi imediata, uns contra, outros a favor.
Quem se opõe alega que um imposto nos moldes da antiga CPMF é esdrúxulo porque atingiria os pagamentos em geral, ou seja, operações efetuadas através dos bancos que não necessariamente envolvem ganhos de capital ou algum tipo de rendimento sobre os quais a tributação se justificaria. Para o governo federal, seu maior defensor, aquele tipo de imposto é um maná, com arrecadação imediata, garantida na certa. Se tiver o nome de contribuição, melhor. Fica tudo com a União, sem precisar dividir o bolo com Estados e municípios.
A prática da CPMF é familiar. Vigorou no Brasil entre 1997 e 2007, entre idas e vindas, com taxas diversas, tendo atingido a alíquota máxima de 0,38%. Chamava-se popularmente imposto sobre o cheque. Hoje, como quase não há cheques em circulação, o grosso da incidência se daria nas transações efetuadas por meio digital ou nos caixas eletrônicos. O ministro da economia, Paulo Guedes, tem mencionado o assunto, indicando que o novo imposto sobre transações financeiras (ITF) ou sobre pagamentos (IP), ou qualquer outra alcunha que venha a ter, partiria de uma alíquota muito pequena, quase imperceptível, da ordem de 0,10% a 0,20%, mas poderá subir. Note-se que a CPMF começou como IPMF em 1993, com alíquota de 0,25%.
Os contribuintes não gostam da CPMF e o governo sabe. Por isso mesmo, tem se valido de um chamariz: a redução dos encargos trabalhistas da folha de pagamento dos assalariados sob a alegação de que isso vai estimular o aumento dos empregos no país. Aqueles que apregoam a tese do imposto único - cuja alíquota (fala-se em 2,5%) recairia justamente sobre as operações financeiras em substituição a todos os tributos existentes no país - começam a mexer-se. Querem aproveitar a oportunidade para arregimentar apoio ao tema que é, diga-se, caro ao secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, justamente o pai da ideia.
A rigor, a vigorar o sistema de tributação que o Executivo tem delineado, uma porta estaria sendo aberta para a introdução gradual, a médio e longo prazos, do imposto único. O ministro Paulo Guedes declarou ao Valor , em entrevista publicada na edição de ontem, que a proposta de reforma do Executivo prevê uma "escadinha" nas alíquotas do ITF, podendo chegar a 1%, situação em que substituiria não apenas a redução dos encargos trabalhistas, mas também a CSLL (contribuição sobre o lucro líquido) e até o que ele chama de IVA (imposto sobre valor agregado) Dual, que se dividiria em IVA federal (substituindo o PIS e o Cofins) e o IVA estadual/municipal (substituto do ICMS e do ISS).
Na Câmara dos Deputados, algumas propostas têm surgido, entre as quais destaca-se o projeto de emenda constitucional (PEC) do deputado Baleia Rossi, que ganhou o nº 45/2019. Baseia-se no estudo desenvolvido pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), uma consultoria formada por advogados e economistas especializados em tributação, com a intenção de simplificar a estrutura tributária. Neste caso, não há imposto sobre transações financeiras, nem pretensão de mexer com as regras do imposto de renda. A proposta foca na criação de um imposto do tipo IVA com o nome de IBS (imposto sobre bens e serviços) que substituiria o IPI, o PIS, o Cofins, o ICMS e o ISS. A cobrança deixa de ser feita em forma de cascata, como é hoje, e a fatia de cada ente federativo seria distribuída em conformidade com a participação existente hoje na arrecadação dos impostos a serem extintos.
A ideia é de que a carga tributária com relação ao PIB não aumentaria. Mas isso é algo que não se consegue prometer em lei. Também não se pode relacionar a reforma tributária com a perspectiva de aumento da arrecadação. Como se sabe, esta depende do comportamento da economia que não tem nenhuma relação direta com o nível dos tributos nem com a complexidade do sistema.
Como se não bastassem os pontos mencionados acima, a reforma tributária passará pelo aspecto mais sensível de todos que é o tema da desvinculação das receitas com destino obrigatório, conforme definido pela Constituição de 1988. Esse é um aspecto de interesse da União, obrigada a alocar verba para a educação e a saúde em detrimento de outros gastos politicamente mais vantajosos.
Quando a questão da desvinculação orçamentária entrar em debate, o Brasil inteiro tende a pronunciar-se através dos sindicatos, das ONGs, das agremiações profissionais, enfim... Afinal, cabe à sociedade definir aonde devem ser aplicados os recursos dos contribuintes.
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